• Nenhum resultado encontrado

A peleja de Roque Santeiro com o regime militar: a cultura nacional em disputa

CAPÍTULO 2 – A CULTURA NACIONAL CENSURADA? A PELEJA DE ROQUE

2.2. A peleja de Roque Santeiro com o regime militar: a cultura nacional em disputa

As imagens que se sucedem, remetem a arte da xilogravura nas capas dos cordéis, figuras em cores de amarelo e preto. O desenho do sol como um rosto humano é a primeira imagem a aparecer. Após o sol, surge a figura do bicho-de-sete-cabeças, lenda inspirada no mundo heroico medieval recontada pelos cordéis. A serpente espreita de cima de uma árvore Adão e Eva. Um homem cavalgando leva uma mulher na garupa do cavalo. Como se fosse a capa de um cordel se lê como título: A Fabulosa Estória de Roque Santeiro. Outro homem com a mão na cabeça segura o chapéu enquanto pássaros negros o sobrevoam. Outro surge carregando uma viola sobre o ombro. Agora um cangaceiro com chapéu típico aparece de perfil exibindo um tapa-olho. Uma figura híbrida de lagarto, pássaro e homem com dentes afiados. Um cavaleiro montado empina seu cavalo com a investida de uma cobra com asas. Um sapo segura o que parece ser um híbrido de peixe com borboleta. Dois lagartos empunham guarda-chuvas. Um homem toca uma sanfona acompanhado de outras figuras humanas no que parece ser um festejo. O sol do início reaparece com seus raios espalhados. Ao fundo uma música que remete a música regional nordestina canta: “maldito homem sem lei/ maldita praga do céu/ maldito santo sem fé/ maldito homem sem Deus”.

As imagens narradas acima, exibidas em sequência, formavam a abertura da telenovela Roque Santeiro, que deveria ter ido ao ar pela Rede Globo no ano de 1975. A abertura, síntese imagética que apresenta a telenovela antes dos capítulos, trazia figuras xilogravadas que remetem ao universo do encantado, dos monstros e heróis medievais, tão presente na literatura de cordel. Imagens do cangaço, do homem do sertão, místico, religioso e poético, o realismo fantástico e recorrente que constitui um imaginário, um conjunto de representações que se consolidaram ao longo da história como referentes à região do Nordeste brasileiro. Como relatado na autobiografia do seu autor, desde que passou a escrever telenovelas para a Rede Globo, Dias Gomes buscou adaptar para a televisão, seu universo dramatúrgico, adaptando suas personagens teatrais à linguagem televisiva, “como quem muda de casa, mas conserva a mobília” (GOMES, 1998, p. 256).

Dias Gomes, autor da telenovela, chegara a Rede Globo seis anos antes da sua primeira tentativa em levar Roque Santeiro ao ar. Seu primeiro trabalho foi a continuação da telenovela A Ponte dos Suspiros, inspirado em um folhetim italiano ambientado em Veneza e

iniciada pela cubana Glória Magadan55, de quem a emissora havia reinscidido o contrato enquanto a novela ainda estava no ar. Dias Gomes aceitou o primeiro trabalho, mas devido à incongruência da temática da telenovela com o histórico temático do autor, o seu contratante Boni, teria sugerido assinar com um pseudônimo. Dessa forma, ao entrar em contato com o diretor-geral Walter Clarck, foi acordado que a telenovela A Ponte dos Suspiros passaria a ser escrita agora por Dias Gomes através do pseudônimo Stela Canderon (GOMES, 1998, p. 257).

De acordo com Dias Gomes, a saída de Glória Magadan da emissora, que além de escritora de novelas ocupava o cargo de diretora de teledramaturgia, “permitiu uma série de experiências que lançariam as bases de uma teledramaturgia brasileira”. Nesse sentido, com a finalização de A Ponte dos Suspiros, o autor deu início, em novembro de 1969, a telenovela Verão Vermelho que contava em seu elenco com Dina Sfat, Paulo Goulart, Jardel Filho, Emiliano Queiroz e Arlete Sales. Ambientada na Bahia “entre coronéis, jagunços, capoeiristas e poetas populares” (GOMES, 1998, p. 258), Verão Vermelho repercutiu na imprensa como uma telenovela relevante para a nova fase que se iniciava na teledramaturgia brasileira, assim como ocorrera com a telenovela Beto Rockfeller (1968), teria conseguido “fugir aos personagens supostamente aristocráticos, aos condes e marquesas”, além de trazer em sua trilha sonora compositores e interpretes de destaque na música popular brasileira56.

Após Verão Vermelho, a telenovela que a sucedeu foi Assim na Terra como no Céu, também escrita por Dias Gomes, que a classificou como “uma crítica bem-humorada ao estilo de vida ipanemense”. Na autobiografia, Dias Gomes relatou que paralelo a esse eixo temático, estava a relação amorosa entre o Padre Vitor (Francisco Cuoco) e a garota ipanemense Nívea, interpretada por Renata Sorah. Além de incluir o celibato como um tema a ser tratado pela telenovela57, no terceiro capítulo da trama, a personagem Nívea foi encontrada morta,

55 Ao que parece, o estilo da teledramaturgia de Glória Magadan não agradava a Dias Gomes, como que ferisse seu nacionalismo. Na autobiografia, o autor chega a caracterizar os melodramas da escritora cubana como de “nefasta influência sobre a nascente teledramaturgia brasileira”. Diz o autor que certa vez sugeriu a sua esposa Janete Clair, também uma renomada escritora de telenovelas, a proposta de uma “temática brasileira, com personagens brasileiras” para o seu próximo trabalho. A proposta teria recebido uma resposta negativa de Glória Magdan, de quem as temáticas dependiam da aprovação na época: “O Brasil não é um país romântico. Um galã não pode se chamar João da Silva, tem que se chamar Ricardo Montalban, Alberto Limonta ou Ferdinando de Montemor” (GOMES, 1998, p. 257), teria dito a escritora.

56O calor do verão vermelho. Revista Manchete, Rio de Janeiro. 24. Jan. 1970, p. 174.

57 Em coluna escrita em 1970 pelo jornalista João Rodolfo Prado, foi abordada a possível pressão ocorrida nos bastidores por parte da Censura, pela qual estava passando a telenovela Assim na Terra como no Céu. De acordo com o autor “principalmente por causa do romance entre Padre Vitor e Nívia”. PRADO, João Rodolfo. Pressões absurdas. Correio da Manhã, Rio de Janeiro. Anexo. 26. Ago. 1970, p. 4.

determinando toda uma linha narrativa em torno do mistério “quem matou Nívea?” que, de acordo com Dias Gomes, tornou-se um “gancho infalível que viria a ser usado e abusado em novelas posteriores” (GOMES, 1998, p. 259. Em reportagem do jornal Correio da Manhã, o jornalista João Rodolfo Prado destacou a telenovela Assim na Terra como no Céu como uma “telecrônica” que se caracterizava por ser “um folhetim que se apoia (tem como base) num fragmento da sociedade brasileira”58. De acordo com Prado, a construção dessas personagens e das situações trazidas pela telenovela não se limitavam “a uma causalidade metafísica do destino”, característica presente nas telenovelas “de capa e espada” que vigoraram no período de Glória Magadan.

O autor relatou em sua autobiografia, passagens interessantes que ocorreram no período em que escrevia Assim na Terra como no Céu, episódios que nos revelam dois aspectos em direções diferentes, a partir do sistema de repressão instaurado durante o regime militar: o fascínio provocado pela telenovela já naquele período e a forma inconsistente, quase irracional, de como a censura trabalhava, assunto que será aprofundado mais a frente. No que tange ao primeiro aspecto, conta-nos o autor ter recebido uma intimação do Comando do Primeiro Distrito Naval para prestar depoimento referente a um Inquérito Policial Militar para “apurar atividades subversivas e/ou contra-revolucionárias”. Apesar de sua militância política, Dias Gomes destacou que a ocasião seria a primeira vez em que teria que prestar um depoimento, o fato de ser em instalações da Marinha, mais especificamente no Cenimar, conhecido local de práticas de torturas feitas pelo regime, lhe causou um forte receio, que logo o fez entrar em contato com seu advogado que o aconselhou a pedir um adiamento ao capitão-tenente responsável. Chegando ao local designado, o encarregado pelo Inquérito teria resolvido atender ao pedido de adiamento, mas com uma condição: Dias Gomes teria que dizer quem matou Nívea. De acordo com Gomes, diante do “surrealismo” da situação, da rápida passagem do medo para a descontração, o autor teria respondido: “Isso não confesso nem sob tortura” (GOMES, 1998, p. 261).

O outro episódio, envolveu a atriz Dercy Gonçalves, a Policia Federal e a telenovela Assim na Terra como no Céu. De acordo com Dias Gomes, em uma passagem da novela, um dos personagens, o Samuca, interpretado pelo ator Paulo José, casa-se por interesse com uma sexagenária em estado terminal, com o intuito de herdar sua fortuna. Ao ver que a senhora recuperou-se de forma milagrosa, Samuca tenta assassiná-la de diversas formas, uma delas

seria colocando uma bomba dentro da televisão, que explodiria enquanto a idosa estivesse à frente do aparelho. Em um dos diálogos do episódio, Samuca teria dito para seu amigo e cúmplice Carlão (Jardel Filho), durante a preparação do atentado, a seguinte frase: “Vamos fazer com que a bomba exploda quando a velha sintonizar o programa da Dercy Gonçalves. Assim explodíamos as duas”. O diálogo foi suficiente para que o autor fosse chamado pelo delegado da Policia Federal para depor, pois, de acordo com uma denúncia da própria Dercy Gonçalves, Dias Gomes estaria envolvido em um plano para matá-la. O autor relatou a dificuldade em convencer o delegado de que tudo não passou de uma brincadeira: “O Brasil é e será sempre o país que banaliza o absurdo”, escreveu Dias Gomes sobre o acontecido (GOMES, 1998, p. 262).

A busca pela representação do Brasil, seu imaginário e realidade social, absurdo ou não, continuou sendo o objetivo de Dias Gomes quando escreve a telenovela Bandeira-2, que foi ao ar entre 1 de outubro de 1971 e 18 de julho de 1972 e que posteriormente inspirou o musical O Rei de Ramos. Dessa vez o cenário era o subúrbio carioca no bairro de Ramos, “num ambiente de bicheiros e sambistas”, que tinha como protagonista o bicheiro Artur do Amor Divino, vulgo Tucão, interpretado por Paulo Gracindo59, um característico vilão que mandava matar quem atravessasse seus negócios. A partir desse universo marginal, Dias Gomes subvertia a ordem romântica do “mocinho”, popularizando um protagonista vilão, inclusive, gerando certa comoção pública com o trágico final reservado a personagem:

A morte do protagonista, no último capítulo – toda a população de Ramos compareceu espontaneamente ao enterro – ganhou manchete em letras garrafais na primeira página do jornal Luta Democrática: MORREU TUCÃO. Tucão deixara de ser ficção ganhara vida própria e morrera de fato. O número de sua sepultura daria no jogo do bicho no dia seguinte, e os “banqueiros” já esperavam porque mandaram “cotá-lo” (GOMES, 1998, p. 265).

A identidade que a população de Ramos estabeleceu com a telenovela, demonstrou como o realismo do universo dramatúrgico de Dias Gomes se adaptou a linguagem televisiva, o que veio a ocorrer também com a exibição de O Bem-Amado, baseada na peça de sua autoria Odorico, o Bem-Amado (1969), que foi ao ar em 1973 como a primeira telenovela em

59 Em depoimento para o Jornal do Brasil, Paulo Gracindo abordou a força que a personagem exerceu sobre seu psicológico, numa intensa identificação. O ator declarou que, entrou de tal maneira na personagem que chegava a “se comportar mal dentro de casa”. De acordo com ele, eram atitudes instintivas que agora teria que “corrigir”.

cores60. Tendo como cenário a cidade fictícia de Sucupira, elemento presente também em novelas posteriores de Dias Gomes, como Roque Santeiro e Saramandaia, o universo de O Bem-Amado se aproxima destas outras novelas, também, por ser uma espécie de paródia carnavalizante do país (SACRAMENTO, 2014) onde circulam os tipos populares como o coronel e prefeito da cidade Odorico Paraguaçu, personagem do ator Paulo Gracindo, repetindo a parceria entre o escritor e o ator consolidada em Bandeira-2, que seria reatualizada em Roque Santeiro.

Em O Bem-Amado, a trama gira em torno da construção do cemitério de Sucupira, cidade fictícia localizada no interior baiano, marcando o deslocamento do cenário de suas telenovelas, que vinham sendo ambientadas no mundo urbano ou suburbano, para cidadezinhas de aspecto rural, palco de figuras típicas e populares como o prefeito, o padre e o cangaceiro. Em Sucupira, a construção e inauguração de um cemitério tornou-se uma obsessão política para o prefeito Odorico Paraguaçu que, após construí-lo, não consegue realizar sua “inauguração”, pois não ocorriam mortes na cidade. Sacramento (2014) identifica em O Bem-Amado a carnavalização como um elemento constituinte da telenovela, a partir da comicidade característica do tom paródico e do papel da “praça pública” como “o lugar do encontro, do contato e do convívio com a heterogeneidade” (SACRAMENTO, 2014, p. 162). Sucupira seria então essa praça pública, onde Dias Gomes construiu o universo festivo, satírico e político de O Bem-Amado.

Seguindo a mesma linha de teledramaturgia, em 1975, Dias Gomes passou a escrever a primeira versão da telenovela A Fabulosa Estória de Roque Santeiro e de Sua Fogosa Viúva, a que Foi Sem Nunca Ter Sido ou apenas Roque Santeiro. A história, da mesma forma que em O Bem-Amado, seria ambientada numa cidade fictícia interiorana da Bahia, cujo nome seria Asa Branca, fazendo referência ao título da mais famosa música regional de Luiz Gonzaga. Inspirada na peça O Berço do Herói, censurada em 1965. A trama elaborada por Dias Gomes tem como uma das personagens protagonistas Roque Santeiro, ex-sacristão da

60Em 31 de março de 1972, um ano antes da primeira telenovela em cores ir ao ar, o governo militar

inaugurava oficialmente a TV em cores no país, a data tinha o simbolismo de ser o aniversário da chegada dos militares ao poder. A abertura oficial contou com o discurso do Ministro das Comunicações, Higino Corsetti, uma programação de três horas apresentando os filmes Vida, morte e paixão de Cristo e o documentário Conheça o Brasil, em sequência, O presidente Médici falou em cadeia nacional sobre a importância da inovação para a televisão brasileira. TV colorida é inaugura oficialmente com Corsetti contando sua história. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 1. Abr. 1972.

igreja que dezessete anos antes do tempo em que ocorre a narrativa, por volta de 1946, tentou defender solitariamente a cidade de Asa Branca do ataque de um bando de cangaceiros sob a liderança do criminoso Trovoada. Durante o conflito com os cangaceiros Roque Santeiro teria sido atingido mortalmente. A partir de então a cidade de Asa Branca passou a cultuar o martírio e a coragem do seu herói que, de acordo com os fiéis, tem sido responsável por uma série de milagres, fazendo de Asa Branca o destino de uma multidão de romeiros. No entanto, dezessete anos após o ocorrido, Roque Santeiro reaparece, revelando, sem intenção, que o acontecimento em torno do qual gira a vida da cidade não passa de uma farsa, dessa forma, colocando em cheque sua própria existência e ameaçando a prosperidade de alguns habitantes como o coronel Sinhôzinho Malta e a viúva Porcina, suposta viúva de Roque Santeiro que, como diz o título “foi sem nunca ter sido”, que fizeram fortuna às custas dessa história.

No entanto, a censura, mais uma vez, interromperia uma produção do autor. A estreia da telenovela estava programada, inicialmente, para o dia 27 de agosto de 1975, no horário das 20 horas, porém, devido as inúmeras intervenções realizadas pela Censura, a exibição de Roque Santeiro tornou-se inviável. Em nota oficial da Rede Globo, lido no Jornal Nacional, a emissora afirmou que os vinte primeiros capítulos haviam sido submetidos à Censura, “com todos os cortes determinados”, e aprovados “para o horário das 8, condicionados à verificação das gravações para a obtenção do certificado liberatório”. A nota afirmava ainda que, após o envio das gravações para o Departamento de Censura, o órgão responsável realizou novas mudanças nas intervenções, decidindo que “a novela estava liberada, mas só para depois das 10 da noite - assim mesmo – com novos cortes, que desfigurariam completamente a novela”. Desse modo a emissora decidiu por cancelar a exibição de Roque Santeiro, que já tinha trinta e três capítulos gravados e uma cidade cenográfica montada em Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, o que causou “prejuízos em torno de 1 milhão de cruzeiros”61.

A resposta do Departamento de Censura viria dois dias após a Rede Globo ter publicado a nota no Jornal Nacional. Em nota publicada, o órgão responsável pela censura terminou por confirmar partes da versão da emissora, afirmando que “o exame das gravações permitiu uma melhor avaliação da novela”, sendo identificados nos capítulos “aspectos intoleráveis para a faixa das 20h, donde decidir-se classificá-la para maiores de 16 anos, liberando-a após as 22h”, além disso, foram adicionados “vários cortes com o fim de suprimir

cenas e situações inconvenientes”, que no parecer dos censores continham “ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja”62.

A censura a novela Roque Santeiro gerou manifestações da classe artística, política e da imprensa nacional, abrindo o debate em torno de alguns temas importantes na opinião pública, como o peso da censura nas produções culturais, a qualidade da programação televisiva e a importância de se proteger o que seria a “cultura nacional”. Nesse sentido, uma comitiva de vinte três artistas foram até Brasília no intuito de entregar um manifesto ao presidente em exercício Ernesto Geisel. O manifesto destacava a crescente preocupação da classe artística, agravada pelo “exemplo mais recente dessa situação” quando “uma produção de televisão envolvendo 500 profissionais, entre atores, técnicos e figurantes, teve que ser suspensa depois de dezenas de capítulos gravados e anunciados em todo país”. O texto ressaltava ainda, a crescente preocupação da classe artística com “a ação excessivamente rigorosa da censura”, o que gerava uma “triste contradição” na cultura de uma sociedade que se modernizava: ao ser “anacrônica e implacável”, os efeitos da censura na cultura nacional eram de aviltamento, desfiguração e desnacionalização:

No momento em que o governo declaradamente se preocupa com a invasão de valores alienígenas e com a elevação de nível cultural das programações de televisão, 30 milhões de telespectadores ficaram privados de assistir a uma produção brasileira, com tema e ambientes brasileiros, escrita por um autor reconhecido unanimemente como um dos renovadores da narrativa teatral no Brasil63.

A repercussão da censura à novela também chegou até a Câmara dos Deputados, onde o Presidente da Comissão de Comunicação da Câmara, deputado Humberto Lucena, anunciou a criação “de um grupo de trabalho constituído de representantes dos dois partidos” (Arena e MDB), com o objetivo de “estudar e propor a reformulação de toda legislação que trata de censura às diversões públicas”. De acordo com o jornal Tribuna da Imprensa, ainda na mesma sessão, o deputado J.G de Araújo (MDB-RJ) apresentou ao governo uma “notar de

62Censura diz que proibiu a novela em defesa da moral, ordem pública e da Igreja. Jornal do Brasil,

Rio de Janeiro. 29. Ago. 1975.

63Artistas não conseguiram falar ao Presidente Geisel. Correio Braziliense, Distrito Federal. 29. Ago. 1975.

pesar” devido a atuação da censura no caso da novela Roque Santeiro, denunciando a atuação da censura como “uma coação e violência da cultura nacional”64.

Posteriormente, Dias Gomes relatou na autobiografia, que o fator pode ter sido decisivo para a censura de Roque Santeiro, tratou-se de uma conversa entre o autor e seu amigo historiador Nélson Werneck Sodré. De acordo com Gomes, enquanto trabalhava na escrita dos primeiros capítulos da telenovela, teria recebido um telefonema do amigo no qual acabou “confidenciando-lhe” que estava adaptando a peça O Berço do Herói para a televisão. Sodré teria lhe dito que a telenovela não passaria na censura, pois os “milicos” não deixariam, ao que Dias Gomes respondeu que havia realizado algumas mudanças no nome das personagens, no título e na profissão do protagonista, que não seria mais da Força Expedicionária e sim um “fazedor de santos”, no entanto, o sentido da história continuaria o mesmo. Depois dessas informações Sodré teria respondido que “assim é capaz de passar, esses milicos são muito burros”. Porém, de acordo com Dias Gomes, naquele momento o telefone de Nélson Werneck Sodré, um suspeito de ser comunista, estava grampeado pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e toda conversa teria sido gravada pelos agentes do governo, o que teria influenciado no processo de censura (GOMES, 1998, p. 224).

O jornalista Alberto Dines, ao escrever para a Folha de São Paulo, realizou uma