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O Brasil é Asa Branca: imagens do espaço nacional na telenovela Roque Santeiro de Dias Gomes (1985)

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Academic year: 2021

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O BRASIL É ASA BRANCA: IMAGENS DO ESPAÇO NACIONAL NA TELENOVELA

ROQUE SANTEIRO DE DIAS GOMES (1985)

LEONARDO CRUZ PESSOA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇO

LINHA DE PESQUISA: LINGUAGENS, IDENTIDADES & ESPACIALIDADES

O BRASIL É ASA BRANCA: IMAGENS DO ESPAÇO NACIONAL NA TELENOVELA

ROQUE SANTEIRO DE DIAS GOMES (1985)

LEONARDO CRUZ PESSOA

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LEONARDO CRUZ PESSOA

O BRASIL É ASA BRANCA: IMAGENS DO ESPAÇO NACIONAL NA TELENOVELA

ROQUE SANTEIRO DE DIAS GOMES (1985)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História, Área de Concentração em História e Espaços, Linha de Pesquisa: Linguagens, Identidades e Espacialidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação do Prof. Dr Durval Muniz de Albuquerque Júnior.

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LEONARDO CRUZ PESSOA

O BRASIL É ASA BRANCA: IMAGENS DO ESPAÇO NACIONAL NA TELENOVELA

ROQUE SANTEIRO DE DIAS GOMES (1985)

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:

____________________________________________

Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Junior ( UFRN)

__________________________________

Prof. Dra. Meize Regina de Lucena Lucas

______________________________________________

Prof. Dr. Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior

____________________________________

Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha

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AGRADECIMENTOS

Foram muitas as pessoas que passaram pela minha vida nessa trajetória do mestrado deixando, de alguma forma, suas contribuições. Quero agradecer primeiramente a meus pais, Olavo e Terezinha, pois nada do que ocorreu de bom na minha vida teria sido possível sem eles. Foram o amor e o apoio em todas as formas possíveis.

Sou grato ao professor Durval Muniz pela orientação, paciência e sensibilidade que a todo momento emanou de sua personalidade durantes nossas reuniões e nas orientações a distância. Sempre um mar de tranquilidade e conhecimento, onde pude encontrar a calma para escrever, inclusive, nos momentos de ansiedade.

Quero agradecer também aos amigos da turma 2017.1 e aos frequentadores da sala 812, que foram fundamentais para atravessar os momentos mais pesados com toda a leveza, cumplicidade, café e almoço: Thais, Janaína, Magda, Arthur, Malu, Sérgio, Giovanni, Luana, Jéssica, Jeffinho e Leandro.

Não poderia esquecer Gabriela, amiga, companheira de luta e irmã que me orientou na elaboração do projeto e há dez anos vem fazendo parte da minha vida, parceria nos altos e baixos.

Ao professor André Martinello que veio de Santa Catarina para contribuir com nossa turma. Com certeza, foi fundamental para minha escrita, um exemplo de humanidade e de professor.

Por último, mas não menos importante, quero agradecer a todos que fazem o samba no Beco da Lama, pelo preenchimento de cultura e alegria durante o processo da escrita, proporcionando um escape entre as tensões da caminhada. Muitos anos de vida para o samba no beco.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objeto de pesquisa a telenovela Roque Santeiro, exibida em 1985 pela Rede Globo, considerada um dos maiores fenômenos de audiência da televisão brasileira. Tomando como ponto de partida a trajetória de vida e obra do seu principal autor Dias Gomes, o objetivo é analisar como a telenovela narrou, a partir de sua narrativa, personagens típicos, diálogos e uma série de outros elementos, uma imagem do Brasil como espaço nacional, ressaltando-a como um produto televisivo propício para difusão imagético-discursiva de uma ideia de nação, direcionada a uma comunidade imaginada, de acordo com o conceito elaborado por Benedict Anderson. Para isso, será necessário compreender a atmosfera política e cultural na qual estava inserido Dias Gomes, entre as décadas de 1950 e a primeira metade da década de 1960 quando, filiado ao Partido Comunista Brasileiro, aproximou-se da geração de artistas e intelectuais de esquerda que pensavam suas produções culturais a partir de um viés nacionalista e popular, procurando visibilizar o que seria a “essência nacional” através da arte engajada e revolucionária. Partindo dessa relação entre autor e obra, utilizaremos como fontes peças teatrais escritas por Dias Gomes, a autobiografia do autor, manifestos de movimentos culturais como os Centros Populares de Cultura e o Cinema Novo, impressos de revistas e jornais, a sinopse original de Roque Santeiro e a própria telenovela que foi ao ar em 1985, para entendermos a brasilidade apresentada por Roque Santeiro e o porquê de tamanha identificação do imaginário nacional com a telenovela.

Palavras-Chave: Dias Gomes; Roque Santeiro; comunidade imaginada.

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RESUMEN: Esta disertácion tiene como objeto de investigación la telenovela Roque

Santeiro, emitida em 1985 por Rede Globo, considerada uno de los fenómenos de mayor audiencia de la televisión brasileña. Tomando como punto de partida la trayectoria de vida y trabajo de su autor principal, Dias Gomes, el objetivo es analisar cómo se construye la telenovela, a partir de su narrativa, los personajes típicos, los diálogos e una série de outros elementos, una cierta imagen de Brasil como espacio nacional, enfatizándolo como un producto televisivo conducente a la difusión imaginaria discursiva de una idea de nación, dirigida a una comunidad imaginada, de acuerdo con el concepto elaborado por Benedict Anderson. Para esto, será necesario compreender el ambiente político y cultural en el que se insertó Dias Gomes, entre la década de 1950 y la primera mitad de la década de 1960 cuando, afiliado al Partido Comunista Brasileño, se acercó a la generación de artistas e intelectuales de izquierda quienes pensaron sus producciones culturales desde un sesgo nacionalista y popular, buscando hacer visible lo que sería la “esencia nacional” a través del arte comprometido e revolucionario. Partiendo de esta relación entre autor y obra, utilizaremos como fuentes piezas de teatro escritas por Dias Gomes, la autobiografia del autor, manifestaciones de movimientos culturales como los Centro Populares de Cultura e Cinema Novo, impresos em revistas e periódicos, la sinopsis original de Roque Santeiro e la telenovela que se emitió em 1985, para compreender el carácter brasilenõ presentado por Roque Santeiro e por qué tal identificación de la imaginación nacional con la telenovela.

Palabras clave: Dias Gomes; Roque Santeiro; Comunidad imaginada.

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Sumário

INTRODUÇÃO...10

CAPÍTULO 1: A TRAJETÓRIA DE DIAS GOMES: CAMINHOS DE UM “SUBVERSIVO” PELO NACIONAL-POPULAR ...24

1.1. Forças nacionalistas e o debate do nacional na década de 1950...24

1.2. Arte e política na vida de Dias Gomes...30

1. 3. O nacional-popular na trajetória de Dias Gomes...39

CAPÍTULO 2 – A CULTURA NACIONAL CENSURADA? A PELEJA DE ROQUE SANTEIRO COM A CENSURA DO REGIME MILITAR ...54

2.1. O nacional-popular integrado: cultura, televisão e o governo militar pós-64...54

2.2. A peleja de Roque Santeiro com o regime militar: a cultura nacional em disputa...74

CAPÍTULO 3 – O ESPAÇO NACIONAL ASABRANQUENSE DE ROQUE SANTEIRO...91

3.1. Telenovela como “comunidade imaginada”...91

3.2. O Brasil é Asa Branca: Roque Santeiro, a “Nova República” e a “Carnavalização”...98

3.3. Roque Santeiro entre o arcaico e o moderno...112.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES...131

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INTRODUÇÃO

Através da tela da TV, a cidade tipicamente interiorana saiu do escuro e mergulhou no dia, era o início de uma série de imagens. Neste momento de transição do céu, com sua cor ainda meia-noite, meio-dia, enquanto sobe o sol, surgiu a figura emblemática do galo a cantar, clássico marcador do tempo na representação do mundo rural. Uma visão panorâmica com o distanciamento da câmera, exibiu de cima a cidadezinha rodeada de serras, como uma mancha urbana salpicada pela natureza. Aos poucos surgiam imagens das ruas da cidade e suas rotineiras movimentações. Numa visão meio recuada, um homem numa carroça margeou a praça, enquanto outro a cavalo, também se aproximava. Uma pessoa, talvez um funcionário da prefeitura, varria o chão da praça, enquanto dois bancos esperavam vazios. As ruas de pedra e suas casas continuavam surgindo. Ao fundo, numa casa de esquina, a bandeira do Brasil pendurada para fora da varanda. O complexo espacial praça-igreja apareceu, revelando um traço recorrente nas cidades do interior do país.

As imagens continuavam, seguia o amanhecer. Com o sol já totalmente visível, uma banca de artigos religiosos foi aberta e exibiu seus crucifixos pendurados. O cego cantador da cidade, com andar vacilante, óculos escuros e viola nas costas, trafegava pela rua, numa mão a bengala, na outra, a mão do seu menino guia. Outro pequeno comércio se abre, dessa vez expondo folhetos de cordéis. A figura solitária e peculiar de um louco erra por uma rua: camisa de militar aberta, cabelo desgrenhado e uma flor em uma das mãos. Mais uma banca comercial aparece, dessa vez repleta de artesanatos com temas diversos. Um cachorro decrépito surge se coçando. Um rapaz com chapéu de sertanejo andava se espreguiçando. Outra venda repleta de artigos religiosos e por trás uma baiana carregando seu tabuleiro por sobre a cabeça. Uma mulher com um vestido rosa típico de uma dona de casa sai na varanda, como quem buscava receber aqueles primeiros raios de sol. Dois senhores sentados preparavam-se para iniciar o jogo de dominó, próximo a um muro onde se podia ler: “diretas já”. Artesanatos de barro representam homens sertanejos cabisbaixos. O sino da igreja toca e na praça o guindaste sobe uma espécie de estátua, a silhueta do monumento mostra um homem segurando uma cruz. Cruzando essa série de imagens, a música “Aquarela do Brasil” faz sua moldura em melodia.

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No dia 24 de junho de 1985, às vinte horas da noite, quem sintonizou na Rede Globo de televisão, pôde visualizar a sequência de cenas narradas acima, era a introdução do primeiro capítulo da telenovela Roque Santeiro. Nesse momento, a fictícia cidade de Asa Branca foi apresentada aos telespectadores pela primeira vez, e nos oito meses seguintes, 209 capítulos seriam transmitidos até o último dia de exibição, em 22 de fevereiro de 1986. Esta alegoria do Brasil, que “não figura nos mapas oficiais” e está “localizada no coração do país”1, foi o cenário em que se desenvolveu a trama de um dos maiores fenômenos culturais que a TV brasileira já produziu, objeto historiográfico do presente trabalho.

A história da fictícia cidade de Asa Branca é a história de Roque Santeiro. Há dezessete anos, quando ainda era uma vila, Asa Branca estava ameaçada de ser invadida pelo bando de facínoras liderado por Navalhada. Luís Roque Duarte ou Roque Santeiro, ex-sacristão e artesão fazedor de santos, foi o único cidadão asabranquense a permanecer na cidade no exercício de mediação entre a população e os bandidos, que exigiam uma enorme quantia em dinheiro para não iniciar o saque, inclusive da igreja, repleta de valiosos objetos sacrossantos. Após a negociação falhar, Navalhada decide invadir a vila, sendo Roque Santeiro o único a resistir frente ao ataque, primordialmente na defesa da igreja. O ex- sacristão morre às portas do templo, em confronto desigual, seu sagrado martírio passando a ser reconhecido, se torna o maior evento histórico da pequena Asa Branca.

Dezessete anos depois do acontecimento, a morte heroica de Roque Santeiro se fez santa e objeto de comemoração. Asa Branca, agora uma cidade em processo acelerado de modernização, tornou-se destino diário de turistas e romarias, cenário de uma movimentada cultura religiosa popular, que fervilha em torno do mito do Santeiro. Esta movimentação, sagrada e econômica, beneficia boa parte da população, mas principalmente alguns privilegiados, como o principal comerciante de artigos religiosos da cidade, Seu Zé das Medalhas (Armando Bógus), só menos próspero que o coronel Sinhôzinho Malta (Lima Duarte), rico fazendeiro e exportador de carne bovina que se tornou o homem mais poderoso da cidade, responsável pelo ambicioso projeto de construção de um aeroporto em Asa Branca. Em seguida, na hierarquia do poder está a Viúva Porcina (Regina Duarte), sempre vestida de modo luxuoso e extravagante, é a viúva de Roque Santeiro, recebe romeiros que vão em sua casa conhecê-la e tem um relacionamento com o coronel Sinhôzinho Malta. Outro personagem importante é o prefeito Florindo Abelha (Ary Fontoura), responsável político

1 Essas definições de Asa Branca podem ser encontradas na sinopse original da telenovela. O dramaturgo Marcílio Moraes, que colaborou com o roteiro de Roque Santeiro, disponibilizou o documento no site: http://marciliomoraes.com.br/wp-content/uploads/1985/10/Sinopse-original-RS.pdf .

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pela inauguração da estátua de Roque na praça central da cidade. Nesse grupo de poderosos, apenas o Padre Hipólito (Paulo Gracindo) aparentemente não busca sucesso individual, mas sua igreja está prestes a ser reformada para o casamento entre a Viúva Porcina e Sinhôzinho Malta.

Escrita por Dias Gomes em parceria com Aguinaldo Silva, Roque Santeiro ou A fabulosa estória de Roque Santeiro e sua fogosa viúva. A que era sem nunca ter sido, entrou para a história da teledramaturgia brasileira devido aos picos de audiência nunca antes alcançados2. Porém, sua trajetória histórica começou dez anos antes, quando em 1975 foi mutilada pela censura do governo militar de tal forma, que a Rede Globo declarou ser inviável sua exibição naquele ano. Seu retorno aconteceu no período em que o Brasil passava por importantes transformações políticas, pois, no mesmo ano em que a novela pôde finalmente ser exibida, foi eleito, em eleições indiretas, o primeiro presidente civil do país após vinte e um anos de Ditadura Militar.

Nesse contexto, a sensação quase unânime, era de que a telenovela, com seus personagens típicos e enredo farsesco, estaria a exibir uma representação da autêntica brasilidade, tal impressão pode ser percebida pelas palavras do ator Lima Duarte, protagonista da novela, ao expor sua opinião acerca do fenômeno Roque Santeiro: “Fico pensando num operário, num torneiro mecânico do ABC, por exemplo, que passa oito horas em cima de uma máquina e, ao ligar a televisão de sua casa, vê um mundo que na cabeça dele só pode existir na Suécia. Esse operário gostaria de se ver nos vídeos. Está aí um dos truques de Roque Santeiro: coloca-o em cena, bem canhestro, o brasileiro típico”3. Através deste trecho da entrevista podemos perceber a interpretação do ator referente ao que seria o “autêntico brasileiro”, este estaria bem representado no operário, homem do povo. Era a imagem da nação refletida no popular que Dias Gomes soube identificar através da linguagem da teledramaturgia, resultando desta identificação o enorme sucesso junto ao público.

Tal interpretação parecia fazer parte da proposta do próprio autor Dias Gomes, que em entrevista para o jornal Folha de São Paulo destacou que “[…] a novela propunha a inovação de utilizar a linguagem fundamentada em raízes autenticamente brasileira4”. Tanto na fala do ator como na do dramaturgo, observa-se o intento de, a partir da telenovela, trazer para

2 De acordo com reportagem do Jornal do Brasil do dia 07 de julho de 1985, em seu segundo dia de exibição, a novela teria alcançado 83% no índice de audiência e uma média semanal de 73% em sua primeira semana no ar, algo inédito na televisão brasileira até ali.

3 LAGE, Miriam. O homem brasileiro na pele de Sinhôzinho. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 ago. 1985. Caderno B, p.7.

4 GONÇALVES, Filho. Roque Santeiro: a novela conquista o país. Folha de São Paulo, São Paulo, 31 jul. 1985. Ilustrada, p. 40.

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televisão a brasilidade, o brasileiro autêntico, do povo. Essa ânsia pela identidade nacional que perpassa a telenovela, tem relação com a trajetória de vida e da produção dramatúrgica do seu principal autor Dias Gomes, quando de sua inserção entre artistas, intelectuais e movimentos culturais nacionalistas posicionados à esquerda do campo político que, entre meados da década de 1950 e a primeira metade da década de 1960, pensavam estar a caminho da revolução popular e colocavam o engajamento político, a busca pela “essência da nação” e a aproximação com o “povo”, como fundamental para disseminação da consciência antiimperialista e revolucionária canalizada pela arte.

Tomando como ponto de partida essa busca por uma determinada “essência nacional”, por uma linguagem autêntica que crie identidade com a totalidade da nação, podemos entender a telenovela Roque Santeiro a partir do conceito comunidade imaginada (ANDERSON, 2008). Esta noção de pertencimento a uma determinada Nação, passa por um processo de imaginação difundido em um território soberano e delimitado por fronteiras. Seria imaginada pois “mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão ou sequer ouviram falar da maioria dos seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles” (ANDERSON, 2008, p.32). Nesse sentido, como um produto da televisão, ao permitir o compartilhamento amplo de seu repertório imagético-discursivo, através da rede televisiva, a telenovela capilariza-se por todo território nacional numa comunhão de telespectadores em constante atividade de imaginação. No caso de Roque Santeiro, podemos observar, que esse processo de comunhão e identificação, atingiu uma culminância como nunca antes vista, chegando em certos episódios a marca de 100% dos televisores ligados durante sua exibição5.

Além da importância dada a imaginação e delimitação, Anderson sublinha a simultaneidade como um elemento-chave na constituição de uma nova temporalidade na sociedade moderna, fator fundamental para a composição do sentimento nacional. Tal mudança de mentalidade com relação ao tempo, surge no contexto das profundas transformações culturais trazidas pelo modo de produção capitalista a partir do século XVIII, como o consumo massificado de jornais impressos, especificamente em países da Europa, impulsionado pelo capitalismo editorial e seu princípio mercadológico. Nesse sentido, atrelado a massificação da leitura diária dos jornais, surgiu o que Anderson denomina de vínculo imaginário, a comunidade pode então ser imaginada através da demarcação

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cronológica da distribuição dos impressos e na incorporação de sua leitura no cotidiano do cidadão leitor, em uma língua domesticada:

Ela é realizada no silêncio da privacidade, nos escaninhos do cérebro. E, no entanto, cada participante dessa cerimônia tem clara consciência de que ela está sendo repetida simultaneamente por milhares de pessoas cuja existência lhe é indubitável, mas cuja identidade lhe é totalmente desconhecida. Além disso, essa cerimônia é incessantemente repetida em intervalos diários, ou duas vezes por dia, ao longo de todo o calendário. Ao mesmo tempo, o leito do jornal, ao ver réplicas idênticas sendo consumidas no metrô, no barbeiro ou no bairro em que mora, reassegura-se continuamente das raízes visíveis do mundo imaginado da vida cotidiana.” (ANDERSON, 2008, p. 68)

O meio televisivo brasileiro, acentuadamente a telenovela, que se tornou carro-chefe das programações de TV a partir da década de 1960 (ORTIZ; BORELLI, 1991) expandiu sua rede de transmissões pelo território do país, a partir do sistema de integração nacional aprimorado tecnologicamente pelos investimentos privados6 e estatais em infraestrutura, durante a vigência do Regime Militar que se instaurou no Brasil após o golpe de 1964. Medidas estratégicas como a criação da Rede Nacional de Televisão pela EMBRATEL (Empresa Brasileira de Telecomunicações), instalação de transmissão de sinais televisivos via satélite, a expansão do crédito para a população e do mercado de televisores, que permitiu o aumento do número de aparelhos de TV nos domicílios (HAMBURGER, 2011), foram fatores relevantes para a ampliação do alcance dos programas de TV, as imagens e sons da rede televisiva, diárias e simultâneas, cada vez mais englobavam diferentes localidades e classes sociais a partir de um “repertório comum” (LOPES, 1996). A simultaneidade e massificação que Benedict Anderson identificou na produção editorial capitalista de impressos no século XVIII podem ser percebidos em processo semelhante no caso da televisão a partir do aprimoramento das emissoras com os insumos estatais, o modelo comercial e a capacidade que a telenovela, como produto da televisão, teve em expandir a audiência através de suas tramas.

Dessa forma, a partir dessa estrutura em rede que permite o compartilhamento de um repertório comum, a força da ficção televisiva na sociedade brasileira esta relacionada aos gêneros e conteúdos que as narrativas das telenovelas são capazes de mobilizar, entre eles, o melodrama como gênero narrativo recorrente somado a herança da matriz folhetinesca que

6 No caso específico das telenovelas os primeiros investimentos, que proporcionaram a telenovela diária, partiram de empresas da área de sabão e creme dental, como Colgate Palmolive, que logo visualizaram o potencial publicitário e mercadológico do setor. Para aprofundamento sobre esse processo ver ORTIZ, Renato, RAMOS, José, BORELLI, Helena Simões. Telenovela: história e produção, São Paulo: Brasiliense, 1991.

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surge nos jornais da França nas primeiras décadas do século XIX, quando as histórias dos folhetins eram divididos em capítulos contados em sequência a cada edição (KORNIS, 2008, p. 50). Ao analisar a relação entre cinema, televisão e história, Kornis (2008) aborda o melodrama como um gênero que se estabeleceu com profundidade no imaginário moderno a partir do século XIX, apesar de, devido sua origem popular, ter sido considerado como uma subcultura durante muito tempo. Para ela o apelo emocional que perpassa as histórias melodramáticas carregam esquemas narrativos facilmente identificáveis:

“Após uma sucessão de conflitos e ações violentas, reaparece a virtude no momento em que o erro é reconhecido e o mal expulso. O momento máximo do melodrama, que se dá numa situação de perplexidade, é exatamente o da evidência ética e do seu reconhecimento, o momento da revelação catártica. A tônica do gênero é o exagero, a recusa da nuança”. (KORNIS, 2008, p. 49).

No Brasil, telenovelas como o Direito de Nascer de 1964, o primeiro grande fenômeno da teladramaturgia nacional, serviu para mostrar este potencial que o gênero possui. O “dramalhão” histórico foi baseado na radionovela do cubano Félix Cagnet e trazia no enredo o drama familiar do médico Albertinho Limonta (Amilton Fernandes), que abandonado na infância pela família biológica e criado pela empregada da família, busca respostas sobre o paradeiro dos seus pais. No dia 15 de Agosto de 1965 o último capítulo de O Direito de Nascer foi exibido ao vivo para 45 mil pessoas em forma de show no Maracanãzinho, com a presença de todo elenco da novela7, pela primeira vez uma telenovela fez materializar a fração da “comunidade imaginada” composta por seus telespectadores.

Essa identificação do público é reveladora de como a telenovela brasileira, com o impulso da modernização conservadora implementada pelo governo militar, tornou-se central para o debate em torno da cultura brasileira e identidade nacional, tal processo foi aprofundado por Lopes ao tratar sobre a relação entre identidades e a telenovela:

A novela dá visibilidade a certos assuntos, comportamento, produtos e não a outros; ela define uma certa pauta que regula as interseções entre a vida pública e a vida privada. Vendo a telenovela a partir dessas categorias, podemos dizer que durante o período de 70 e 80, ela se estruturou em torno de representações que compunham uma matriz capaz de sintetizar a formação social brasileira em seu movimento modernizante. (LOPES, 2002, p.3)

7 Parece que nesse dia a nação decidiu resolver algumas “questões familiares” do seu imaginário. De acordo com o jornal Última Hora, durante o espetáculo houve o sorteio de um beijo do “Dr. Albertinho Limonta” e “uma vaia unânime” para o candidato udenista Flexa Ribeiro presente no evento. Ultima Hora, 16 ago. 1965. Zero Hora, p.2.

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Stuart Hall (2006), ao analisar o que comumente é definido como o “descentramento” das identidades culturais na pós-modernidade, toma como exemplo principal a questão da “Nação” erigida através de representações. Para o autor, o poder da nação em gerar sentimento nacional está no processo constante de “narrar a nação” produzindo sentidos, dos quais as pessoas que compartilham de uma mesma “comunidade imaginada” se identificam. A telenovela Roque Santeiro, assim como muitas outras da geração pós-1970, que passou a se preocupar com narrativas que incluíssem a realidade nacional, é apenas um dos múltiplos agentes que aglutinaram representações simbólicas na construção da brasilidade. As figuras típicas apresentadas pela narrativa farsesca de Roque Santeiro remetem a discursos imagéticos que construíram visibilidades e dizibilidade sobre o que é ser brasileiro, o que nos identifica enquanto “Nação”. Personagens como o padre, o coronel, o cantador cego, as beatas; a ênfase na religiosidade e cultura popular, no folclórico, no mundo rural que parece estranhar a aproximação da modernidade, e no messianismo escatológico são representações que emergiram da interiorana Asa Branca e, de variadas formas, parece ter sido muito bem recebida naquele momento pela “comunidade imaginada” que a assistia.

Assim como a mídia impressa ou televisiva pode difundir determinadas representações da identidade nacional através de suas narrativas, a telenovela brasileira também pode ser percebida como um meio de difusão de brasilidades. Em O Brasil antenado: a sociedade da novela, a pesquisadora Esther Hamburger define o gênero como o espaço em que, ao longo da recente história nacional, foi fonte de interpretação e reinterpretação da nacionalidade. Na análise empreendida pela autora, além da interpretar a nacionalidade, outra característica da telenovela, pela perspectiva do telespectador, é propiciar comparações entre padrões de comportamento da vida cotidiana.

Ao trabalhar com uma série de telenovelas exibidas entre as décadas de 1970 e 1990, Hamburger refaz o percurso histórico das diversas interpretações que se fez sobre o Brasil e o brasileiro, a partir das ficções exibidas pela TV Globo, como também, pela TV Manchete. Durante esse caminho histórico, a autora identifica um denominador comum em algumas novelas que é a oposição entre o Brasil tradicional e o moderno, representação que mobilizou a geração de intelectuais e artistas que nos anos 1950-1960, através de suas manifestações culturais, deram forma a uma brasilidade específica, anti-imperialista e nacional-popular, geração essa da qual fez parte Dias Gomes, antes de ser chamado para produzir sua teledramaturgia na TV Globo.

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A importância de captar a geração da qual o dramaturgo Dias Gomes emerge, é trazida na discussão que Maria de Lourdes Motter elabora em A telenovela: documento. Neste trabalho, além de buscar perceber a telenovela brasileira como um documento histórico, que “registra no decurso do tempo, o processo de transformação da sociedade brasileira” (MOTTER, 2001, p. 76) a autora identifica-a como gênero único, percebendo uma brasilidade no próprio fazer do folhetim eletrônico e concebe os enredos da teledramaturgia produzidos a partir das vivências do autor, de acordo com ela, este constrói sua narrativa a partir do mundo do qual tem familiaridade.

Essa busca por entender e captar a brasilidade autêntica tem perpassado o pensamento de inúmeros agentes sociais no Brasil desde meados do século XIX quando a ideia de nação passa a ser elaborada por instituições governamentais. Dessa forma, a noção de identidade nacional que será aqui trabalhada, percebe-a como um campo de disputa ideológica (ORTIZ, 2012, p. 9) no qual se cruzam diferentes representações simbólicas legitimadas por instituições diversas, governamentais ou não, partidos políticos e grupos de intelectuais tradicionais ou ditos progressistas como os integrados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1955 durante o governo de Juscelino Kubistchek, para pensar a questão do desenvolvimento nacional em suas dimensões econômicas, sociais e culturais

Cabe destacar, dentre tais noções elaboradas a respeito da cultura nacional, e das representações simbólicas do que seria uma “identidade autêntica” brasileira que melhor nos definiria enquanto povo (ORTIZ, 2012), a instrumentalização da formação discursiva nacional-popular, que esteve presente, por exemplo, nas produções artísticas do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, criado em 1962 e presidido primeiramente pelo isebiano Carlos Estevam Martins. Por meio do teatro, da literatura e do cinema, o CPC buscava produzir uma “arte popular revolucionária”, antiimperialista, nacional e popular, objetivando a aproximação entre o artista e o “homem do povo” e a conscientização de sua realidade através da arte.

Foi essa radicalização à esquerda, que caracterizou a geração de artistas e intelectuais da qual Dias Gomes, na época um dramaturgo em busca da estabilização profissional, estava inserido, entre as décadas de 1950-1960, quando uma série de discursos-imagéticos confluíram para o nacional-popular, onde o elemento popular era tido como expressão genuína do caráter nacional. Como identificar a brasilidade caudatária do nacional-popular em Roque Santeiro? Teria a brasilidade expressa na obra de Dias Gomes, membro do Partido Comunista Brasileiro durante anos, sido algo decisivo no processo de censura que

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inviabilizou a exibição de Roque Santeiro em 1975? O retorno de Roque Santeiro para Asa Branca tornou-se uma ameaça para a ordem das coisas, o que significou o retorno da telenovela no período da redemocratização, dez anos após ser censurada?

Desde que a expansão da rede televisiva tornou-se um projeto de integração nacional a partir de meados da década de 1960, houve o aprofundamento da influência social adquirida pela teledramaturgia, principalmente com os aperfeiçoamentos técnicos e de conteúdos promovidos pela Rede Globo propiciados, também, pela boa relação entre a emissora e o governo a partir de 1964. Em reportagem especial de 15 anos da emissora, o Jornal do Brasil destacou que em 1980 a Rede Globo estava consolidada como a maior emissora do país, dominando 75% da audiência nacional e 70% dos investimentos em propaganda feitos na televisão. O país era o sexto do mundo em número de televisores com 15 milhões e já exportava produções para pelo menos 50 países8. Na medida em que um novo espaço público se expandiu, ampliou-se o acesso à informações e produtos culturais antes reservados a grupos privilegiados, restritamente socializados por instituições tradicionais: igreja, escola, família e partidos políticos (HAMBURGER, 1998). O atravessamento social da ficção seriada televisiva, repercutindo em variados setores e atingindo todas as frações da sociedade, fica evidente ao analisarmos as reportagens de alguns jornais impressos no ano de 1985, que repercutiram de alguma forma o exemplar sucesso de Roque Santeiro.

Entre as inúmeras menções à telenovela Roque Santeiro nos mais diversos jornais e periódicos espalhados pelo país, o exemplar do jornal Folha de São Paulo em reportagem do dia 23 de fevereiro de 1986, pode servir para dimensionarmos a força social que a telenovela teve durante o período que esteve no ar, movimentando e dando sentido às discussões em torno de determinados valores, preconceitos e tabus no campo da opinião pública nacional. De acordo com o noticiário, uma semana antes da publicação, aconteceu na cidade de Salvador o 7o Encontro Nacional do Movimento de Padres Casados, que atingiu o número máximo de cento e dois casais presentes durante o evento. Tal encontro poderia ter passado despercebido pelo periódico não fosse à exibição, naquele mês, dos capítulos finais de Roque Santeiro, que trouxe o desfecho de um dilema vivido pela personagem do “progressista” Padre Albano (Cláudio Cavalcanti). A questão consistia em se a personagem deveria ou não terminar em par romântico com Tânia (Lídia Brondi), a filha do coronel Sinhôzinho Malta.

Naquele período a audiência histórica da telenovela e a possibilidade do par romântico reacendeu o debate sobre o celibato na opinião pública nacional. A notícia do peculiar

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encontro de padres compôs a reportagem em paralelo com as diversas opiniões de artistas, populares e políticos acerca de qual seria o melhor final para o casal Tânia e padre Albano, fazendo com que personalidades como Jorge Amado, também declarasse publicamente sua preferência: “Ele deveria ficar com as duas, Tânia e a Igreja”, disse o escritor na época.

Devido a esse caráter que o folhetim eletrônico brasileiro possui de referente universal (MOTTER, 2001), em que aglutina gêneros e múltiplas formas de linguagens, que se entrecruzam na reprodução e repercussão das diferentes questões trazidas pelo conteúdo do produto televisivo, fluindo entre diferentes tipos de discursos, seja editoriais de jornais, reportagens, artigos, revistas especializadas e os próprios programas televisivos que a retoma, podemos apreender a telenovela como documento, uma forma de memória (MOTTER, 2001) que deixa vestígios cognoscíveis para o entendimento de uma determinada época e os processos de transformações na sociedade, sejam eles culturais, políticos ou sociais:

Assim, ao lado de funções ligadas a recuperação da memória, a telenovela atua como um produtor e uma fonte de armazenamento de dados do presente atuando na composição da memória coletiva como uma vertente de grande potência pelo seu poder de abrangência e reiteração (MOTTER, 2001, p.78)

Apesar dessa possibilidade como objeto da historiografia, potencial documento de um tempo, a telenovela tem sido pouco aproveitada nesse sentido. Em sua maioria as pesquisas que se debruçam sobre este produto cultural partem do campo da Comunicação, principalmente a partir da década de 1980, enquanto os historiadores relegam a ficção televisiva ao plano de menos “historiável” configurando no “desligamento da História com a TV” (BUSETTO, 2010). As causas dessa pouca atenção passam por vários aspectos, desde a questão da aproximação temporal, à natureza fluida, caótica, híbrida das produções televisivas ou explicações em torno da dicotomia que o semiólogo Umberto Eco (1986) denominou apocalípticos e integrados, entre aqueles analistas que concebiam a indústria cultural como decadência cultural e estes que estariam imersos, integrados nas produções advindas de desse modelo industrial.

Além dessas questões, outras também são colocados como problemas enfrentados pelos historiadores que se aventuram por entre essa “selva de telas”. Como Busetto indica, antes do surgimento do videotape, as primeiras produções televisivas eram todas realizadas ao vivo, porém, de acordo com o autor, mesmo entre as já inseridas na era do videotape, ocorria a reutilização das fitas já gravadas para registro de outras produções, o que implica a ausência de muitos conteúdos para a memória historiográfica da televisão desse período, a partir da década de 1950 no Brasil.

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Outro fator relevante está relacionado com o acesso do historiador aos arquivos que contém as produções televisivas. No caso do Brasil, o modelo das concessões de canais de TV fomentado pelo Estado, concentra-se na iniciativa privada, a ausência do serviço público nesse campo, consequentemente desemboca na ausência de um arquivo público televisual. A Rede Globo que dispõe do maior arquivo de audiovisual o país, de acordo com Busetto (2010), tem a prática de dificultar o acesso aos seus arquivos, de acordo com o historiador, ter um bom trânsito entre os próprios profissionais pode facilitar o acesso aos arquivos globais.

Além desses obstáculos a nível material, que surgem entre o pesquisador e a telenovela como objeto de pesquisa, Hamburger (2011) destaca o distanciamento temporal como elemento facilitador do desligamento da História em relação a TV. O “excesso de proximidade” seria reconhecidamente um empecilho pelos historiadores acostumados às fontes mais tradicionais e distantes temporalmente, a esta concepção adiciona-se a resistência em trabalhar com o que há de mais comercial na indústria cultural brasileira, bloqueio alimentado pela concepção de que toda a produção televisiva, além de meramente comercial, apenas reproduziu a ideologia do governo autoritário pós-1964 (HAMBURGER, 2011), visão simplista que impediu a análise mais profunda por parte dos historiadores dos mecanismos internos nos processos de criação dos produtos televisivos.

Desse modo, para o desenvolvimento da pesquisa foi de fundamental importância o suporte da internet, principalmente no que se refere ao acesso às fontes. Como destaca Busetto (2010), devido às dificuldades encontradas pelo historiador que toma os produtos televisivos como objeto e fonte de pesquisa, sites como o YouTube podem ser aproveitados como um vasto arquivo que contém reportagens de telejornais antigas, fragmentos de capítulos e até mesmo capítulos inteiros de telenovelas, caso de Roque Santeiro. Essa dimensão característica da internet torna-a um campo de tensões entre o veículo e as emissoras, como aponta Busetto:

Ao disponibilizar o material das emissoras atuantes – tanto o veiculado no passado como o veiculado no presente, e ainda que fragmentados –, o YouTube promove uma tensão no poder – quase inconteste – dos concessionários em dificultar ou mesmo impedir o acesso aos arquivos de audiovisuais produzidos por suas emissoras, ainda que as pressões das emissora e dos autores dos audiovisuais sejam intensas e tenham provocado a retirada de parte do material até há pouco disponibilizado. (BUSETTO, 2010, p.172)

Dessa forma, através do YouTube, especificamente do canal Teco Oliveira, foi possível ter acesso aos cinquenta primeiros capítulos da novela Roque Santeiro exibida em 1985, capítulos estes que foram escritos por Dias Gomes, já que boa parte dos seguintes

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passou para a mãos de Aguinaldo Silva. Esses episódios foram suficientes para compreendermos a tipicidade das principais personagens, extrair diálogos entre as personagens que possibilitaram identificar os aspectos relevantes para a pesquisa, enfim, narrar o espaço nacional contado pela telenovela a partir de sua trama e discursos imagéticos. Além do YouTube, como ferramenta fundamental, o exercício da intertextualidade entre a telenovela e os jornais impressos, que repercutiram Roque Santeiro em grande quantidade durante os meses em que a novela esteve em exibição, foi realizada a partir da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional Digital do Brasil organizada pela Fundação Biblioteca Nacional, que disponibiliza gratuitamente um considerável acervo digitalizado de impressos datados de 1740 a 2019, abrangendo todos os estados da federação.

No primeiro capítulo da presente dissertação, denominada A trajetória de Dias Gomes: caminhos de um “subversivo” pelo Nacional-Popular, realizaremos um estudo acerca da trajetória de vida e obra do dramaturgo Dias Gomes inserido na geração anti-imperialista de artistas e intelectuais de meados da década de cinquenta e primeira metade da década de sessenta que, tematizava em suas produções o elemento nacional a partir do que seria popular, compartilhando formações discursivas como Nacional-Popular, concepções como anti- imperialismo e a desalienação, com movimentos culturais e instituições culturais como o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes e o Cinema Novo. Para isso será necessário compreender as transformações econômicas e políticas pelas quais passava o Brasil entre 1955-1964, em que circulavam as ideias do nacional-desenvolvimentismo e, posteriormente, do reformismo revolucionário do governo João Goulart que colocaram em debate a situação nacional em suas dimensões econômicas, políticas e culturais. Vale ressaltar nesse contexto, a importância do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado no ano de 1955, que aglutinava intelectuais em torno de questões como o desenvolvimento nacional, cultura brasileira e identidade nacional.

Nesse capítulo, serão utilizadas como fontes reportagens de jornais e revistas que repercutiram a conjuntura política e as produções culturais em as décadas de cinquenta e sessenta, a autobiografia Dias Gomes – Apenas um subversivo; as peças teatrais O Pagador de Promessas (1961) e A Revolução dos Beatos (1962), ambas de autoria de Dias Gomes, escolhidas por trazerem em suas narrativas elementos como a religiosidade popular, messianismo e personagens típicas do “homem do povo”, que se aproximam do universo da telenovela. Os manifestos inaugurais do Centro Popular de Cultura da UNE e do Cinema Novo com sua Estética da Fome, artigos e entrevistas da revista Encontros com a Civilização

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Brasileira, da qual Dias Gomes era colaborador junto a outros de sua geração, no intuito de perceber as aproximações e distanciamentos de tais produções com relação às representações simbólicas sobre a identidade nacional brasileira e outras questões importantes como as relacionadas ao engajamento da arte com a política, que perpassavam os debates culturais durante o período que precedeu a ingresso de Dias Gomes como escritor de telenovelas, entre 1955 e 1964.

No segundo capítulo, A cultura nacional censurada? A peleja de Roque Santeiro com a censura do regime militar, será realizada uma análise do processo de censura que atingiu a primeira versão de Roque Santeiro em 1975. Durante o período em que se processou a censura, jornais como a Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil9 repercutiram o acontecimento. A partir desses fragmentos jornalísticos analisados à luz da bibliografia, a autobiografia do autor e entrevistas do mesmo, será possível compreender a complexa relação entre o governo militar, a Rede Globo e o grupo de dramaturgos e escritores que, assim como Dias Gomes, foram filiados ao Partido Comunista Brasileiro e ingressaram na área da teledramaturgia obtendo sucesso significativo. As justificativas difusas, peculiar dos processos censórios da época, quando analisados conjuntamente com os boletins do Conselho Federal de Cultura, órgão criado pelo governo pós-1964 para a função de fomentar as políticas culturais de acordo com as concepções ideológicas dos militares, permitem compreender como o governo militar entendia as questões relacionadas à cultura brasileira e identidade nacional.

No terceiro capítulo, O espaço nacional asabranquense em Roque Santeiro, será aprofundada a análise da telenovela Roque Santeiro a partir do seu enredo, narrativa, personagens típicos e temas abordados, identificando as representações atribuídas à determinadas noções de brasilidade, na busca por uma brasilidade dita “autêntica” que se estabelece na relação frequentemente abordada a partir de elementos simbólicos como o regional, ligado ao mundo rural, e o nacional, que aparece na telenovela entre o arcaico e moderno. Para isso algumas questões são determinantes: a partir das representações simbólicas agenciadas pela telenovela Roque Santeiro, como podemos entender o espaço nacional narrado por esta ficção televisiva? O que significou a enorme repercussão da telenovela naquele período para a nação brasileira? Por que o Brasil enquanto nação se identificou com Asa Branca, a religiosidade popular, o mito e a farsa de Roque Santeiro? Para

9 Todas as reportagens, artigos e opiniões de jornais aqui trabalhadas como fontes durante essa dissertação, foram acessados através da Biblioteca Nacional Digital e do acervo digital da Folha de São Paulo disponível nos sites: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx e https://acervo.folha.com.br/index.do.

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atingir o objetivo serão indispensáveis fontes como a sinopse original, a análise de conteúdo de alguns capítulos essenciais para o entendimento mais totalizante, artigos e reportagens publicados entre 1985 e 1986 em jornais impressos como Folha de São Paulo, Jornal do Brasil além de uma entrevista do autor Dias Gomes dada para a TV na época. Visualizaremos a telenovela como uma forma de linguagem específica, englobando os vários elementos de sua produção, sua recepção frente ao público e repercussão na imprensa do período, um referente universal que fornece elementos para serem abordados em outros tipos de linguagens.

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CAPÍTULO 1: A TRAJETÓRIA DE DIAS GOMES: CAMINHOS DE UM “SUBVERSIVO” PELO NACIONAL-POPULAR

1.1 – Forças nacionalistas e o debate do nacional na década de 1950

Os anos iniciais da década de 1950 foram marcados historicamente com acontecimentos e mudanças decisivos nas dimensões política e cultural no Brasil, como também, a nível global. Em escala mundial o período era de reajustamento, com a crise que se abatia sobre os países imperialistas da Europa Ocidental, a exemplo de França, Grã-Bretanha e Holanda, a partir da expansão dos processos de descolonização no chamado “terceiro mundo”, principalmente no que se refere à libertação das colônias asiáticas10. Paralelamente a esse processo, que o historiador Eric Hobsbawn chamou de “Fim dos Impérios”, estava se processando a reconfiguração da geopolítica mundial pós-segunda guerra, através da disputa pela hegemonia mundial, polarizada entre dois sistemas e seus representantes antagônicos: o lado capitalista, campo de influência dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, e o outro, comunista, com a liderança da União Soviética e demais países sob sua influência.

O confronto ideológico entre estas duas superpotências colocou o mundo no xadrez geopolítico da chamada “Guerra Fria”, uma guerra intensa e indireta pelo controle econômico e político mundial que perdurou por mais de quarenta anos. Entre o final da década de 1940 e a primeira metade de 1950, teve início, por parte dos Estados Unidos e depois da União Soviética, o processo de expansão na produção de armas nucleares, ao mesmo tempo em que se concretizava uma espécie de pacto implícito, entre as duas potências globais, firmado a partir do medo da “destruição mútua inevitável”, colocando o mundo em expectativa para o caso de um confronto nuclear direto, o que poderia ocasionar uma catástrofe mundial.

De acordo com Hobsbawn (1995), o que ele vai chamar de histrionismo anti- comunista norte-americano, se baseava na ameaça trazida pelos grandes problemas do pós- guerra, que deixaram os países beligerantes em ruínas, comprometendo assim a estabilidade mundial e os valores “democráticos liberais”, pela propensão, desses países, à radicalização revolucionária sob o comando da União Soviética. Contudo, este sentimento de uma possível ameaça “anti-democrática” comunista e suas consequentes tensões, não se restringiram apenas ao continente europeu, estendendo-se, também, em direção ao sul da América.

10 Em A Era dos Extremos, Hobsbawn descreve o processo de descolonização no pós-segunda guerra: “Não surpreendentemente, os velhos sistemas coloniais ruíram primeiro na Ásia. A Síria e Líbano (antes franceses) se tornaram independentes em 1945; a Índia e o Paquistão em 1947; Birmânia, Ceilão (Sri Lanka), Palestina (Israel) e as índias Orientais holandesas (Indonésia) em 1948. Em 1946, os EUA concederam status formal de

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Apesar da destruição material da segunda guerra não ter atingido de forma direta os países da América Latina, o clima da Guerra Fria, com a complexificação geopolítica da época, tornava a região campo de atuação em torno de interesses estratégicos geopolíticos. No caso específico do Brasil, a União Soviética tinha o Partido Comunista Brasileiro como seu principal aliado, enquanto a União Democrática Nacional, de forma difusa, pode ser entendida como um exemplo de organização “anticomunista”, que, geralmente, se posicionava ao lado dos interesses norte-americanos no campo da disputa ideológica.

Um exemplo em que este acirramento ideológico tornou-se visível, foi a discussão em torno da Guerra da Coréia iniciada no ano de 1950, confronto entre os Estados Unidos e, uma ainda não dividida, Coréia, aliada da União Soviética. Tal episódio, no contexto brasileiro, foi narrado pelo militar e historiador Nelson Werneck Sodré, que destacou o papel do Clube Militar, associação composta por militares do exército de posicionamento “nacionalista”, da qual o mesmo fez parte, na campanha contra o envio de tropas brasileiras para a guerra no país asiático. Sobre o imbróglio internacional, a opinião do historiador era de que os Estados Unidos “pretendiam utilizar o conflito para submeter à sua vontade os países de sua órbita em que surgiam resistências à ação imperialista”11.

Dessa forma, a polarização mundial entre os dois blocos, se refletia nas disputas políticas externas e internas que fizeram movimentar a opinião pública no Brasil. Para partidos políticos, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), organizações sociais e movimentos culturais emergentes na década de 1950, que apesar de alguma heterogeneidade em suas composições compartilhavam o sentimento de serem “forças nacionalistas” (SODRÉ, 2010), os interesses nacionais precisavam ser protegidos do imperialismo e da “invasão” do capital estrangeiro, inclusive no que se refere às produções culturais, pois além da força externa, havia, internamente, os defensores dos interesses internacionais, infiltrados em grupos políticos e organizações brasileiras chamadas “entreguistas”.

Um exemplo de indivíduo público da época comumente chamado de “entreguista”, pelos seus opositores “nacionalistas”, era o dono do conglomerado “Diários Associados”, Assis Chateaubriand. Como podemos observar em reportagem publicada em 1952 pelo jornal Ultima Hora, “porta-voz”, na imprensa, do governo Vargas, iniciado em 1951, a denúncia em forma de reportagem, falava em “assaltos contínuos aos cofres da nação” por parte de

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Chateaubriand, reforçando, em outro trecho, que “Chatô continuava com o mesmo ímpeto devorador, farejando negócios por toda parte. Ainda agora participa, a seu modo, da “batalha do petróleo”, na defesa mais escancarada do mais despudorado entreguismo”12.

Foi exemplar dessa atmosfera conflituosa, no final da década de 1940 e início de 1950, o que o jornal denominou a “batalha do petróleo”. No centro do conflito, estava a forma adotada para a exploração das reservas petrolíferas descobertas em território nacional. A contenda também foi testemunhada e narrada pelo historiador Nelson Werneck Sodré, que a partir de sua perspectiva militar nacionalista, vislumbrou duas correntes opostas, identificando seus representantes que, de acordo com ele, seriam:

[…] a dos que pretendiam a entrega pura e simples das jazidas brasileiras aos trustes, e a dos que pretendiam reservar tais jazidas a uma exploração em beneficio do país. A primeira foi encabeçada principalmente pelo general Juarez Távora, que se bateu bravamente pela entrega, e pelo Sr. Odilon Braga, responsável maior pelo Estatuto do Petróleo; a segunda encontrou seus maiores defensores no General Horta Barbosa, antigo presidente do Conselho Nacional do Petróleo. (SODRÉ, 2010, p.366).

Com esse mesmo tom nacionalista, a revista Fundamentos: Revista de Cultura Moderna, ligada ao Partido Comunista Brasileiro, trouxe em sua primeira publicação no mês de junho de 1948, o artigo denominado A luta pelo Petróleo Brasileiro, em que o engenheiro Fernando Luiz Lobo Carneiro, “especializado em assuntos de petróleo”, abordava a importância do petróleo para a economia mundial e a necessidade da defesa nacional do produto contra a ofensiva imperialista. A revista destacava ainda, em sua nota de apresentação, o surgimento no cenário internacional de um “novo equilíbrio de forças entre as grandes potências” e consequentemente a invasão da “tendência anti-nacionalista” nos países emergentes de economia atrasada, caso do Brasil13.

Entre 1951 e 1954, o governo de Getúlio Vargas, que retornou por via eleitoral após anos da ditadura do Estado Novo, de 1937 a 1945, é atravessado por esse debate acirrado entre dois campos opostos. O campo composto, não só pelos militares nacionalistas, mas por organizações como o Partido Comunista Brasileiro e a União Nacional dos Estudantes, que

12Última Hora, Começa a iluminar-se a caverna de Ali Babá, Rio de Janeiro: 8. Jul. 1953, p. 3.

13Fundamentos: Revista de cultura moderna, São Paulo: Jun. 1948. n. 1, Vol. 1, p. 4. Acesso em

<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=102725&pasta=ano%20194&pesq=nacional%20p op ular>

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aderiram ao slogan nacionalista “O petróleo é nosso”, e os que preferiam a forma mista de exploração aberta ao capital estrangeiro.

Podemos perceber a constante referência, no debate público, ao slogan nacionalista “O petróleo é nosso”, quando entramos em contato com reportagens da imprensa no período, como, por exemplo, a que trouxe o jornal Última Hora do dia 1 de agosto de 1951, a respeito da realização do XIV Congresso dos Estudantes acontecido na Bahia. A reportagem trazia, além do conflito entre os estudantes ligados a UDN e os “esquerdistas”, estes favoráveis à ligação entre a União Nacional dos Estudantes e a União Internacional dos Estudantes, com sede em Praga na comunista Tchecoslováquia, relatos que se referiam ao clima polarizado do evento, e a recorrência de temas políticos em detrimento da discussão em torno de demandas concretas mais básicas para os estudantes, como destacou o estudante de engenharia Celso Juarez de Lacerda ao enfatizar que “A balbúrdia que se verifica decorre daí. Estamos discutindo o Regimento Interno, mas quando se menos espera entra alguém a dizer que o nosso petróleo é nosso”

Em 3 de outubro de 1950, a acalorada discussão a respeito do pertencimento do petróleo, desembocou num dos marcos do período democrático da Era Vargas: a criação da Petrobrás, empresa estatal que, a partir de então, teria como finalidade a exploração a do petróleo nacional. Porém, a criação da estatal, não foi suficiente para a estabilização política do governo, que continuou marcado pelo acirramento dos ânimos e pela instabilidade provocada por uma campanha representada pela expressão “mar de lama”, referência à suposta corrupção no Palácio do Catete. A ferrenha campanha oposicionista, era liderada por um dos principais inimigos políticos de Vargas, o deputado Carlos Lacerda, do partido União Democrática Nacional.

Em 5 de agosto de 1954, ocorreu o incidente que ficou conhecido como “O atentado da Rua Toneleros”, quando o deputado Carlos Lacerda foi vítima de uma tentativa de assassinato na entrada do edifício em que morava. Durante a ação, o deputado estava acompanhado de seu filho e se despedia de Rubens Florentino Vaz, major da aeronáutica e seu segurança particular, quando um grupo se aproximou e efetuou os disparos que atingiu o pé do deputado e feriu fatalmente o Major Rubens atingido no coração. O atentado recrudesceu a crise no governo, que logo foi acusado, pelos seus opositores, de ter sido o mandante do crime. No dia 6 de Agosto, o jornal Tribuna da Imprensa, do próprio Carlos Lacerda, dizia que “O mistério, no caso, é inadmissível. As fontes do crime estão no Catete.”

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A instabilidade atingiu seu ápice em 24 de agosto de 1954, quando o presidente Vargas cometeu suicídio, após sua insustentável situação política.

O desdobramento político e eleitoral do ato extremado do presidente Vargas desembocou, em 3 de outubro de 1955, na conturbada eleição de Juscelino Kubitschek para presidente da república, não sem antes, o processo ter passado por uma tentativa de deslegitimação do resultado eleitoral por parte de grupos contrários a seus posicionamentos político-ideológicos, a exemplo do jornal Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda. O episódio teve como um dos protagonistas o Ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott que agiu militarmente de forma a garantir a posse de Kubitschek14.

Nesta conjuntura política efervescente e polarizada, movimentada pelo confronto entre “forças nacionalistas” e “anticomunistas”, estavam mergulhados os movimentos culturais da época, dos quais o dramaturgo baiano Dias Gomes compartilhava concepções artísticas e políticas. No campo político, o autor estava posicionado entre as forças nacionalistas de esquerda ligadas ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), próximo aos integrantes do Instituto Superior de Estudos Brasileiro (ISEB), criado em 1955, como o já citado aqui historiador Nelson Werneck Sodré15. A partir do início de 1960, Dias Gomes se aproximou dos cineastas do Cinema Novo16, dos artistas do Teatro Opinião, e daqueles que integraram os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, a exemplo do poeta Ferreira Gullar, com quem escreveu a peça “Dr. Getúlio, sua vida e sua glória”, encenada em 1968.

14O extinto jornal Última Hora realizou uma ampla cobertura dos graves momentos ocorridos no dia 11

de novembro de 1955, quando o General Lott antecipou-se aos grupos conspiradores pondo fim ao movimento que tentava destituir o presidente eleito antes de sua posse. Em reportagem, o jornal do dia 12 de novembro deste mesmo ano, trouxe a manchete “Estes Homens Salvaram a República” e destacou o papel de Lott ao afirmar que “Foi sua espada a primeira a erguer-se para salvar a República, neste terrível transe, quando a marcha da tenebrosa conspiração golpista ameaçava mergulhar o País no caos e na guerra civil.”

15Em entrevista ao programa Roda Viva que foi ao ar em 12/06/1995, Dias Gomes relata o episódio em

que uma conversa sua com o “amigo” historiador Nelson Werneck Sodré foi grampeada pelo

departamento de censura da Ditadura em 1975. O grampo da conversa, acontecida no momento em que o autor escrevia a primeira versão da novela Roque Santeiro, teria sido a causa principal da censura do folhetim. Acesso em <https://www.youtube.com/watch?v=y9MydY702io>.

16Na autobiografia Dias Gomes relata que o “rótulo” Cinema Novo foi criado numa reunião em sua casa

em que participavam os cineastas: Leon Hirschman, Alex Vianny, Joaquim Pedro, Glauber Rocha e Anselmo Duarte. GOMES, Dias. Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 184.

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Ao analisar as produções desta geração de artistas engajados, a partir da aproximação deles com o PCB e com organizações culturais, a exemplo dos CPCs da UNE, o trabalho de Marcelo Ridenti aponta como elemento comum nas produções desses artistas, a construção de uma determinada “estrutura de sentimento” ou brasilidade, compartilhada e identificada com ideias, partidos e movimentos de esquerda, que o autor vai chamar “Brasilidade revolucionária”17. Atravessando as décadas de 1950 e 1960, o sentimento compartilhado por essa geração, era de que o Brasil estaria na iminência de uma revolução “nacional-democrática” que “permitiria realizar as potencialidades de um povo e de uma nação” (RIDENTI, 2010, p. 10). Porém, antes de adentrar nas análises da relação entre Dias Gomes e essa geração “revolucionária” de artistas, intelectuais e políticos das décadas de 1950 e 1960, será necessário mergulhar na trajetória de vida do dramaturgo e sua relação com o momento político e cultural da época, o que se fará a seguir.

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1.2 – Arte e política na vida de Dias Gomes

Nascido na cidade de Salvador, no bairro da Canela, em 19 de outubro de 1922, Alfredo de Freitas Dias Gomes era filho do engenheiro Plínio Alves Dias Gomes e de Alice Dias Gomes. Sendo o mais novo de dois filhos, em autobiografia chamada Apenas um subversivo, destacou que seu irmão, Guilherme Dias Gomes, embora estudasse medicina era poeta, contista e romancista, sendo seu modelo de pessoa em sua adolescência, pois teria sido a partir do desejo de igualar-se ao irmão que o dramaturgo começaria a escrever aos nove anos de idade.

Aos quinze anos, já residindo com sua mãe no Rio de Janeiro, Dias Gomes escreveu sua primeira peça A Comédia dos Moralistas, premiada no ano seguinte em um concurso patrocinado pelo Serviço Nacional do Teatro e pela União Nacional dos Estudantes. Segundo o dramaturgo, ao escrever esta peça teria sido “levado por um impulso inexplicável”, pois, “além das óperas, nada mais conhecia de teatro, nunca havia assistido a uma comédia ou um drama” (GOMES, 1998, p.39).

Após uma experiência desastrosa na Escola Preparatória de Cadetes, em que teve prova de sua inaptidão para a carreira militar e, posteriormente, a desistência do curso complementar de engenharia no Colégio Universitário, foi aceito como redator de um programa de rádio-teatro na Rádio Vera Cruz que só foi ao ar um dia, pois o produtor “pegou o dinheiro dos anunciantes e se mandou sem pagar a ninguém” (GOMES, 1998, p.54). Teria sido o primeiro de uma série de trabalhos que iriam se alternar ao longo de sua vida no entrecruzamento entre o teatro, o rádio e posteriormente a televisão.

No início da década de 1940, Dias Gomes escreveu a peça Ludovico, que lhe teria aberto as portas do teatro. A peça chegou ao conhecimento do autor teatral Henrique Pongetti e logo foi enviada para o ator-empresário Jayme Costa que de acordo com Dias Gomes “rivalizava com Procópio Ferreira em popularidade” (GOMES, 1998, p. 61). Jayme Costa teria dito que encenaria a peça, contanto que o autor realizasse algumas mudanças, porém não foi o que aconteceu.

Apesar de Ludovico não ter sido encenada, o contato inicial com Jayme Costa, um grande nome do teatro da época, o incentivou a continuar produzindo. Logo em seguida, imerso no clima da segunda guerra mundial, Dias Gomes escreveu a peça “antinazista” Amanhã vai ser outro dia, encenada pela Comédia Brasileira após o Brasil ter declarado guerra ao eixo. Nesse período, o autor, a pedido de Procópio Ferreira, ainda escreveria as

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peças João Cambão, Doutor Ninguém, Um Pobre Gênio, Eu Acuso o Céu e Zeca Diabo, esta última seria revivida, em parte, dentro de outra peça do autor que trazia o cangaceiro Zeca Diabo como personagem: O Bem Amado, que inspirou décadas depois a telenovela de mesmo nome.

Nesse período, Procópio Ferreira decidiu ensaiar o que foi a primeira peça de sucesso de público e crítica do dramaturgo Dias Gomes: Pé de Cabra. No entanto, o país vivia sob a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e a peça teve sua estreia atrasada em uma semana pela censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão censor das produções artísticas no Estado Novo. O motivo era que o Estado Novo havia considerado o texto “marxista” (GOMES, 1998). Destacar esse momento de sua trajetória na autobiografia, pode ser entendido como uma operação de narrativa empreendida por Dias Gomes para o entendimento de que sua adesão ao Partido Comunista Brasileiro, ocorreu devido ao que seria essa primeira censura sofrida pelo autor, como podemos observar nesse trecho da autobiografia:

Juro por Deus que até então não havia lido uma só linha de Marx ou de qualquer discípulo seu. (Veio daí meu interesse posterior pelo marxismo). Não foi fácil absorver essa primeira estocada vibrada contra mim pela censura. Muitas outras eu absorveria mais tarde. Senti-me, pela primeira vez, no papel do cidadão indefeso diante do poder castrador do Estado, descobrindo o quanto era importante uma expressão denominada liberdade de pensamento e todo significado de lutar por ela. (GOMES, 1998, p. 67)

Ao analisar a relação entre o PCB e os artistas e intelectuais que, filiados ou não, estavam na órbita do partido durante as décadas de 1940 e 1950, Ridenti (2010) revela a complexidade referente às causas dessa aproximação, superando a corrente crítica que privilegia o suposto caráter “ornamental” que o partido relegava aos artistas, resumindo-os a “instrumentos para fins políticos”. Para o autor, essa concepção é a caricaturização de um processo complexo, que não leva em conta as contrapartidas, como a rede de proteção, a solidariedade internacional comunista e a sensação de pertencimento a uma comunidade que “se imaginava na vanguarda da revolução mundial”, através do imaginário corrente de que o mundo avançava em direção ao socialismo (RIDENTI, 2010, p. 62).

O caso de Dias Gomes parece indicar essa complexidade de causas, se levarmos em consideração, que o momento de inflexão na trajetória artística do dramaturgo ao ser atingido pelo autoritarismo estatal, parece ter sido o gatilho que o aproximou do Partido Comunista Brasileiro. O que antes, na formação da sua personalidade, parecia ser apenas uma rebeldia

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descompromissada, vai se transformando no engajamento político característico da figura do “intelectual orgânico”.

Carlos Nelson Coutinho ao abordar a relação entre cultura e sociedade no Brasil, vai identificar, a partir da década de 1930, com o recrudescimento do capitalismo industrial, a emergência, ainda que debilitada, de uma “sociedade civil” e de “organizações culturais” que são intermediárias entre os “indivíduos atomizados no mundo da produção” e o Estado (COUTINHO, 2011, p, 17). Para o autor, no rastro deste processo, surge fenômenos desconhecidos de outras épocas como o do intelectual orgânico, o intelectual de partido, ligado ao sindicato, que produz para jornais ou editoras em conexão com sindicatos, que não mais se ligam necessariamente ao Estado, que pode, inclusive, passar a contestá-lo como aconteceu com Dias Gomes.

Porém, ao abordar o surgimento da sociedade civil no Brasil, Coutinho traz a “debilidade” como um elemento presente neste processo. Tal sintoma adviria do fenômeno da “Via Prussiana” quando nas transformações sociais e políticas ocorridas na história do país, estaria a ausência de “movimentos provenientes de baixo para cima”, em detrimento da participação popular o que se estabelece são conciliações entre os grupos opositores dominantes, que ao constituir a hegemonia política realiza também a “cooptação” dos intelectuais, enfraquecendo a pluralização cultural e a autonomia das produções. A partir desse processo o que se tem é a debilidade da sociedade civil incipiente, a exemplo do caso brasileiro:

O escasso peso dos aparelhos privados de hegemonia e dos partidos políticos de massa na formação social brasileira – em que “o Estado era tudo e a sociedade civil era primitiva e gelatinosa” - condenou os intelectuais que se recusavam à cooptação pelo sistema dominante à marginalidade no plano cultural e, para nos expressarmos com certa vulgaridade, a seríssimos problemas no plano da subsistência econômica (COUTINHO, 2011, p. 48).

Um ano antes de se filiar ao Partido Comunista do Brasil, em 1944, o sucesso de Pé de Cabra chegou ao conhecimento do diretor Oduvaldo Viana (pai) que acabara de fundar, em São Paulo, a emissora Rádio Pan-Americana. Ele fez um convite a Dias Gomes para ingressar no quadro de redatores da emissora, na qual o dramaturgo radiofonizou centenas de peças, contos, novelas da literatura universal, alternando seu trabalho na rádio com o prazer proporcionado pelas leituras de “sociologia, de filosofia, de marxismo, principalmente” (GOMES, 1998, p. 93).

No fim de 1944, após Oduvaldo Viana decidir se desfazer da Rádio Pan-Americana, a permanência de Dias Gomes e a de outros escritores que trabalhavam na rádio como Mário

Referências

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