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3. Ensaios de Animação Sociocultural na Escola e na Comunidade

3.3. Valor formativo da técnica cénica

3.3.2. Artes cénicas em contexto escolar

As artes cénicas são o conjunto das artes performativas que caraterizam movimentos artísticos ou escolas, segundo determinados padrões estéticos determinados por signos espe- cíficos. Estas artes recorrem a técnicas como luzes, sons, cenários, figurinos, e adereços, mais ou menos elaborados, com vista a facilitar a comunicação imediata de ideias, de pensamentos ou de imagens. A arte cénica é a expressão da verdade poética ou metafórica com recurso simultâneo ao movimento, som e cor, enquadrados num contexto ou cenário de simbolismo adequado. Como toda a arte, mas nela especialmente, a arte cénica representa e responde me- taforicamente a(à) situação existencial e as(às) expetativas e utopias com que o homem pro- cura conduzir-se.

Considerando a arte como a “aplicação dos conhecimentos humanos à execução de um pensamento”, a “execução prática de uma ideia” ou o “saber ou perícia em empregar os meios para conseguir um resultado” (Machado, 1991), tudo o que um indivíduo faz diante de uma plateia – seja ela composta por desconhecidos ou por amigos – com o objetivo de expor as suas ideias com recurso a determinadas técnicas, pode ser considerado arte cénica. Assim, em sentido amplo, sempre que alguém discursa para uma assembleia, procurando expor as suas ideias de modo a mobilizar a multidão ou tentando levá-la a modificar comportamentos, está a praticar a arte cénica. Com efeito, quando um político discursa num comício, quando um padre celebra uma missa, quando um professor25 expõe um conteúdo, há certamente uma preparação prévia, um estudo da melhor forma de comunicar as suas ideias ao público-alvo, podendo então dizer-se que, em tais situações, se está a pôr em prática a arte cénica, ou, por outras palavras, se está a representar.

A arte de ensinar, em contexto escolar, pode ser comparada com a representação na medida em que, professor e aluno ocupam um lugar específico no espaço e desempenham

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No caso do professor, é muito frequente a sua caracterização como ‘ator’: porque ele tem de se expressar cla- ramente, situar adequadamente na sala, cativar a ‘assistência’ ou ‘convencer o público’; porque ele traduz cer- tezas, mesmo que as não tenha, e simula dúvidas para espicaçar a compreensão dos alunos; porque ele se apr e- senta sem problemas pessoais, mesmo que os tenha; e porque nunca deixa de elogiar os sucessos de cada ‘espe- tador’, apesar de sentir frustrações pelo desempenho pessoal ou pelo insucesso alcançado.

77 papéis diferenciados, de acordo com as funções que lhes são atribuídas. A representação, em contexto de sala de aula, pode ser assumida sob a forma de jogo, no qual aluno e professor desempenham um papel determinado e de acordo com regras previamente estabelecidas. O jogo é uma atividade ancestral cuja importância social é tão grande quanto a imaginação abarca, pois permite estados de gozo e de satisfação, associados ao lúdico e que favorecem as condições necessárias à aprendizagem. A experiência lúdica alinha os domínios cognitivo e afetivo, estimulando a autonomia do indivíduo e provocando estados de abertura da sensibili- dade que facilitam a presença em palco (entendido como espaço de representação) e a postura perante o contexto escolar. Esta ideia de jogo pode ser considerada numa dimensão tripartida: o jogo como criação da cena – o aluno participa na criação do texto dramático, na criação de todo o cenário e na encenação da peça; o jogo como ferramenta pedagógica – o aluno canali- za a sua energia e as suas competências para a realização de aprendizagens; o jogo como es- petáculo – o prémio final do trabalho desenvolvido será a representação final, perante um público que, certamente, dará como recompensa fortes aplausos.

À medida que o jogo alcança o entusiasmo e a satisfação dos intervenientes e atinge, como ponto culminante, o espetáculo perante um público, então poder-se-á avançar para uma forma artística um pouco mais séria, na medida em que se rege por normas e técnicas mais precisas e variadas – o teatro.

O teatro surge como uma manifestação da arte de todos os tempos, uma verdadeira mina a ser explorada em contexto escolar, nomeadamente no que se refere aos valores huma- nistas – objetivando o desenvolvimento das qualidades essenciais do homem, como a bonda- de. O teatro, visto como uma arte transversal, é um campo pedagógico por excelência que pode dar fortes contributos para a educação. Ele permite desenvolver importantes capacida- des nos alunos, em vários domínios da sua formação, tais como:

No domínio cognitivo: a leitura e compreensão de textos; a escrita; o sentido estéti- co; o conhecimento do património literário, dramatúrgico, cultural e etnográfico; a capacida- de de abstração; a capacidade de argumentar; a expressividade; a concentração; a memória; a dicção; a criatividade; etc.

No domínio atitudinal: a confiança em si e nos outros; a compreensão dos outros; a capacidade de trabalhar em grupo e a responsabilização perante terceiros; respiração; o estar em público; o falar em público; etc.

78 Pode-se dizer que o teatro é a arte em que um ator interpreta uma história com o au- xílio de técnicos especializados, com o objetivo de apresentar uma determinada situação e de despertar sentimentos e emoções no público. Na base do teatro está sempre a tríade ator/palco/plateia, isto é, aquele que interpreta/onde interpreta/quem vê e aprecia. Entende-se que o ator é aquele que cria, que interpreta e representa uma ação dramática, baseando-se em textos, em estímulos visuais, sonoros ou outros, previamente concebidos por um autor ou criados através de improvisações individuais ou coletivas; serve-se de recursos vocais, corpo- rais e emocionais, apreendidos ou intuídos, com o objetivo de transmitir, ao espectador, o conjunto de ideias e ações dramáticas propostas; pode servir-se, ainda, de recursos técnicos para manipular bonecos, ou outros objetos; pode interpretar sob a imagem ou voz de outrem; ensaia tentando aliar a sua criatividade à do encenador.

O facto de ter consciência de representar em relação a um grupo determinado de es- pectadores faz com que um conjunto de símbolos adquira uma forma distante do natural. A concentração exigida num ato teatral não está apenas no próprio ator, mas no próprio encon- tro, pois a representação envolve um conjunto de atividades preparatórias, exige um esforço acrescido, uma dedicação por inteiro, para que o resultado final seja positivo. Quando atua, o ator tecnicamente preparado proporciona momentos em que o espectador apela às suas expe- riências pessoais, (re)vivendo-as. Nesse encontro entre o ator e o espectador, que é sustentado por um ato de entrega, de doação do ator, podem ocorrer choques percetivos, ocasionando, naturalmente, uma aprendizagem ao espectador. No encontro entre ator e espectador, cada um no seu espaço e com as suas vivências pessoais, são criadas condições para que cada um deles reavive conhecimentos adquiridos e/ou adquira novas aprendizagens.