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1. Cultura, Identidade e Animação Sociocultural

1.4. Animação sociocultural e dinamização axiológica

1.4.2. Origens da Animação Sociocultural

A ASC, tal como a definimos, é um conceito recente, cujas origens são de difícil situação temporal e/ou espacial. Como forma de animar ou de se animar, podemos considerar que sempre existiu a ASC; mas, com a conotação atual, é mais recente. Nas palavras de Lopes:

“não é possível identificar, de uma forma precisa, a origem, menos ainda atribuir uma cronologia àquilo que hoje designamos como Animação Sociocultural. Sabemos, isso sim, que sempre houve diferentes tempos na vida das pessoas. Um tempo para o trabalho e um tempo para o não trabalho, que inclui diferentes espaços e tempos como a festa, o recreio, aquilo que, em sentido lato, podemos chamar Animação” (Lopes, 2008, 135).

Também Ventosa afirma que é muito difícil situar as origens espaciotemporais da ASC, admitindo, no entanto, que, de algum modo, ela tem estado sempre presente na vida do homem. Para reforçar esta ideia recorre a uma passagem de Delorme, onde se lê que

“es muy difícil determinar en qué fechas concretas comenzó (la animación). Indudablemente, siempre existieron fenómenos de animación. A partir del momento en que unas personas viven en grupos, en barrios urbanos, en aldeas, en instituciones diversas, se produce la animación en el sentido de que se organizan y desarrollan unos mecanismos de intercambio y de comunicación y en que unos individuos se convierten especialmente en facilitadores de las manifestaciones sociales de esta comunicación” (Ventosa, 2002, 44).

Citando mais uma vez Lopes (2008, 95), “ Animação Sociocultural é uma forma de intervenção relativamente nova”, com origem em França e nos países francófonos, tendo atingido, em Portugal, a sua “máxima expressão na segunda metade da década de 70, depois da revolução do 25 de abril”. Apesar destas afirmações, este autor reconhece que as origens da animação se perdem no tempo, abrangendo uma enorme variedade de situações e/ou processos de interação, uma vez que surgem motivadas

“… pela necessidade histórica e social da vivência corresponder à convivência e a participação não ser reduzida a um ritual calendarizado, mas antes a uma prática comprometida com o desenvolvimento rumo à autonomia das pessoas e à auto- organização; pela necessidade de o tempo livre não ser ocupado, mas sim

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animado; de se privilegiar a comunicação interpessoal, em vez da distanciação mediatizada; de se promover a criatividade e expressividade humanas e não a robotização; de se favorecer a partilha de saberes em vez de se proclamar um saber unívoco; de se estimular o actor/pessoa em vez do espectador/pessoa, bem como de se valorizar as práticas e as experiências nas dimensões da educação não formal e informal” (Lopes, 2008, 136-137).

Apesar da referida dificuldade em situar cronologicamente a origem da ASC em Portugal, muitos autores concordam que, de forma mais ou menos precisa, mais ou menos concreta, o homem procurou e encontrou sempre formas de se animar e de animar os outros, criando momentos de interação para ocupar os tempos livres, ou os menos ocupados na luta pela sobrevivência ou no auxílio aos outros. Com efeito, entendendo a ASC desta forma, encontramos, ao longo da nossa história, vários registos de atividades/momentos de ocupação e animação dos tempos livres e mesmo dos tempos de trabalho. Não será de somenos importância também a inserção das atividades não ‘trabalho’ no contexto ideológico e cultural das sociedades como forma de poder social. De facto, sobretudo a arte esteve muito associada à vontade de alguém em impor-se socialmente, bem como à afirmação da sua necessidade de ‘trabalhar’. Não será, no entanto, de desprezar outras ‘justificações’ para esta forma de atividade e expressão humana. Na verdade, desde a dimensão gratuita de expressão de ‘dotes’ ou ‘habilidades’ pessoais em favor da comunidade à ‘ridicularização’ ou simples “crítica” de pseudo formas de valorização humana, podem encontrar-se diversas manifestações de ASC. Mas também como modo de publicitar um evento religioso ou político, ou mesmo social, a ASC pode encontrar antecedentes históricos. A pedagogia do agradável, que caracteriza muito da teoria moderna de educação não deixará de socorrer-se das técnicas de ASC para conseguir os seus objetivos. E, de algum modo, tudo o que for incisivo, de fácil ou imediata apreensão, sem esforço imediato especial e que traduza uma perceção globalizante da situação pessoal ou da relação social tenderá a ser melhor aceite e de repreensão mais duradoira.

Em Gil Vicente encontramos um vasto espólio de textos que alegraram e enriqueceram os tempos livres da corte. Este dramaturgo, que muito contribuiu para animar a vida de todos quantos tiveram o privilégio de assistir às suas representações, considerado o “pai do teatro português”, acredita-se que tenha organizado uma companhia de teatro ainda que, como escreve Saraiva (1992, 194), “Nada comprova a existência de uma companhia

24 profissional de atores, embora períodos de intensa atividade cénica, como os de 1523-24 e 1526-26, requeressem uma certa permanência e treino do elenco.” O mesmo autor (1992, 190) acrescenta que Gil Vicente “desempenhou na corte a importante função de organizador das festas palacianas, por exemplo, da receção em Lisboa à terceira mulher de D. Manuel” e que as suas peças foram divulgadas, por ele, que “publicou em vida alguns dos seus autos, em folhetos de cordel que depois foram reeditados”; acrescentando mais adiante, Saraiva

“Ainda que representado nos salões do Paço, Gil Vicente fez sentir a sua influência num círculo muito mais amplo que o da corte. As suas peças (…) corriam impressas pelo autor, em folhetos “de cordel”, e a sua Compilação de 1562 contava sem dúvida com um grande apreço público. É certo, portanto, que se popularizaram; e não se deve excluir a hipótese de terem sido representadas também fora do Paço (hipótese perfeitamente viável, visto que o texto impresso estava ao alcance de muitos) ” (Saraiva, 1992, 214).