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Articulação entre a avaliação e as teorias curriculares

2. Quadros Teóricos Referenciais

2.3 Articulação entre a avaliação e as teorias curriculares

A evolução das teorias do currículo, fruto dos contributos das teorias da aprendizagem e de outras, no âmbito das ciências sociais e humanas, lança “hoje desafios que vão muito para além da memorização de conhecimentos e de procedimentos rotineiros” (Fernandes, 2005, p.28). Esta questão revela-se de particular importância quando se preconiza a articulação entre avaliação e currículo e entre avaliação, ensino e aprendizagem.

Analisando a evolução histórica no campo curricular, Pacheco (2001) destaca os trabalhos de Dewey e de Tyler como aqueles que permitiram ao “currículo atingir foros de cidadania epistemológica” (p.22). No entanto, o significado de currículo e sistematização das teorias curriculares assumem abordagens distintas no modo como estabelecem relações entre a teoria e a prática e entre a escola e a sociedade.

No sentido a que chamou ‘tradicional’ do termo, Januário (1988) considera que os conceitos de currículo e de plano de estudos (conjunto de áreas disciplinares e de matérias) tendiam a aparecer como sinónimos ou equivalentes, o mesmo acontecendo entre o conceito de programa e de currículo ou até associando todos os conceitos para definir currículo como o conjunto estruturado de matérias e de programas de ensino.

Atente-se, no entanto, nas definições de currículo que se seguem:

Currículo define-se como o conjunto de todas as experiências de aprendizagem, proporcionadas pela escola.

(Ribeiro, 1998, p. 13) Currículo é todo o conjunto de ações desenvolvidas pela escola no sentido de criar oportunidades de aprendizagem.

Zabalza (2000, p. 25) Estas duas definições enfatizam, por um lado, a responsabilidade da escola na organização curricular e, por outro lado, as experiências e oportunidades de aprendizagem que o currículo deverá proporcionar. Ou seja, o conceito de currículo deixa de estar associado a um simples plano de estudos ou programa (fixado à partida e sustentado na crença de que a realidade obedece a princípios de estabilidade e ordem, de causa e efeito), para passar a integrar o

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conjunto de oportunidades de aprendizagem e de experiências formativas, efetivamente proporcionadas aos alunos e experienciadas por eles. O Currículo deixa de ser apenas uma intenção, fruto de uma racionalidade metódica, para passar a algo que se experiencia (Ribeiro, 1998).

Mas, que tipo de experiências proporcionar? O que selecionar ou priorizar? Roldão (1999), ao definir currículo, relança a questão do contexto e da necessidade e consciência social e, de uma forma implícita, a questão da política educativa.

Currículo escolar é – em qualquer circunstância – o conjunto de aprendizagens que, por se considerarem socialmente necessárias num dado tempo e contexto, cabe à escola garantir e organizar.

(Roldão, 1999, p. 24) Pacheco (2001) sistematiza três teorias curriculares que, de uma forma consentânea, determinam uma determinada conceção de currículo (Quadro 3).

Quadro 3 - Teorias curriculares e conceções de currículo segundo Pacheco (2001, pp.35-40)

Teoria curricular Conceção de currículo Teoria Técnica Legitimidade normativa Racionalidade técnica Ideologia burocrática Interesse técnico Discurso científico Organização burocrática Ação tecnicista

Currículo como produto ou conjunto de conteúdos organizados. Currículo como autorrealização dos alunos.

Currículo como meio tecnológico ou plano para a aprendizagem. Teoria Prática Legitimidade processual Racionalidade prática Ideologia pragmática Interesse prático Discurso humanista Organização liberal Ação racional

Currículo como texto. Currículo como projeto. Currículo como hipótese de trabalho. Teoria Crítica Legitimidade discursiva Racionalidade comunicativa Ideologia crítica Interesse emancipatório Discurso dialético Organização participativa Ação emancipatória

Currículo como práxis.

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Ainda segundo o mesmo autor, as teorias curriculares evoluíram em dois sentidos: um que diz respeito a uma postura filosófica na determinação do que é ensinado; e outra que o autor denominou de engenharia curricular que diz respeito às formas de organização curricular (Pacheco, 2001).

Com a assunção e celebração da diferença e do reconhecimento da singularidade das escolas necessariamente associadas a valores que reforçam a dimensão humana tornou-se pertinente perspetivar uma reconceptualização do currículo.

Shepard (2001) enuncia os princípios do que chama Visão Reformada do Currículo, por substituição ao Currículo da Eficiência Social, e, em conformidade, os princípios relativos à avaliação na sala de aula (Quadro 4).

Quadro 4 - Visão Reformada do Currículo (adaptado de Shepard, 2001)

Visão Reformada do Currículo Avaliação na sala de aula

Todos os alunos podem aprender. Os conteúdos desafiam os alunos e estão orientados para a resolução de problemas e para os processos complexos de pensamento.

Igualdade de oportunidades, independentemente da diversidade dos alunos.

Socialização nos discursos e nas práticas das disciplinas académicas Autenticidade na relação entre a aprendizagem dentro e fora da escola Promoção de hábitos e atitudes reflexivas

Exercício de práticas democráticas numa comunidade empenhada.

Tarefas desafiantes de processos complexos de pensamento.

Tem como objeto os processos de aprendizagem assim como os seus resultados.

A avaliação é um processo contínuo, integrada no processo de ensino e aprendizagem.

Avaliação é usada como suporte à aprendizagem (avaliação formativa). As expectativas em relação às aprendizagens são claras para os alunos.

Os alunos têm um papel ativo na avaliação do seu trabalho.

É usada para regular a condução do ensino e as aprendizagens dos alunos.

O desenvolvimento das teorias da aprendizagem e o desenvolvimento das teorias do currículo constituem, assim, duas das razões para mudar a avaliação e as suas práticas nas salas de aula (Fernandes, 2005). Contudo, coloca-se a questão da direção dessa influência: é o currículo que influencia a avaliação ou é a avaliação que influencia o currículo?

A direção dessa influência poderá não ser de sentido único (Harlen, 2007a). A avaliação, o currículo e a pedagogia (esta definida como o conjunto dos métodos de ensino) em interação, referindo que, idealmente, a avaliação e a

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pedagogia deveriam decorrer do currículo, para que os métodos de ensino utilizados e a avaliação da aprendizagem estivessem perfeitamente articulados às metas de aprendizagem definidas. Contudo, apresenta um conjunto de implicações nas aprendizagens dos alunos e no currículo em virtude de, na prática, se verificarem desvios na direção dessa influência. É o que acontece, por exemplo, com a utilização exclusiva dos métodos mais tradicionais de avaliação, restringindo o objeto de avaliação ao avaliar apenas aprendizagens menos complexas ou, como foi analisado por Harlen (2007a), quando a instrução começa a privilegiar o conteúdo e a estrutura dos testes e exames, em vez de se referenciar nos objetivos de aprendizagem.

A mudança de práticas da avaliação, na sala de aula, poderá afetar outras: • As mudanças curriculares podem influenciar as práticas de avaliação; • As práticas de avaliação podem afetar o currículo, a aprendizagem e a

pedagogia;

• Para que as práticas de avaliação mudem, o currículo e a pedagogia devem mudar também (Bell, 2007).

A evolução das teorias de aprendizagem, das teorias do currículo e da avaliação nem sempre decorreu de uma forma articulada e colocam questões não só metodológicas como fundamentalmente epistemológicas. Fernandes (2011) recomenda que a construção do conhecimento nos domínios da aprendizagem, da avaliação e do ensino tem de resultar da reflexão articulada destes domínios. Retomando o que foi sugerido por James (2006), este autor é de opinião de que começa a fazer sentido a conceptualização de uma metateoria que articule num mesmo domínio a aprendizagem, a avaliação e o ensino. Esta Metateoria seria conceptualizada a partir de uma visão holística e integrada de todas as teorias e dimensões, compreendendo profundamente os seus elementos mediadores.

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3. O papel do aluno e do professor na avaliação para a