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Articulação entre avaliação e teorias da aprendizagem

2. Quadros Teóricos Referenciais

2.2 Articulação entre avaliação e teorias da aprendizagem

Diz-me como avalias (…) e dir-te-ei a tua verdadeira conceção de aprendizagem.

(De Ketele, 1993, p.15)

Se a avaliação formativa é central no processo de ensino e aprendizagem, se deve ser orientada para a melhoria da aprendizagem e se o aluno e professor podem assumir papéis e responsabilidades diferenciadas, revela-se pertinente questionar, neste momento, sobre o modo como se perspetiva o ato de aprender.

James (2006) estabelece algumas questões teóricas sobre o modo como a avaliação e a aprendizagem são conceptualizadas e sobre a sua articulação. Esta autora, apesar de considerar que as fronteiras entre as várias teorias da aprendizagem são difíceis de delinear, sistematiza três visões diferentes de ‘olhar’ a aprendizagem e sua articulação com a avaliação. Também Fernandes (2005) estabelece a relação entre a evolução do significado do que é ‘aprender’ com a forma como a avaliação se organiza e se desenvolve nas salas de aula. De uma forma breve, estes autores (Fernandes, 2005; James, 2006) sistematizam três grandes famílias (Quadro 2), no âmbito das teorias da aprendizagem (behavioristas, construtivistas e socioculturais), identificando e caracterizando, em cada uma delas, a forma particular do ato de aprender, os seus processos mediadores, os resultados dessa aprendizagem e o modo como, articuladamente, a avaliação é observada.

No quadro 2 sistematizamos as ideias principais das três teorias referidas por Fernandes (2005) e James (2006) e, de uma forma articulada, a forma como a avaliação se caracteriza.

Foi no âmbito da evolução das teorias da aprendizagem que o conceito de avaliação para a aprendizagem surgiu, como reação ao paradigma psicométrico e com a emergência das teorias construtivistas (Hay, 2006; James, 2006; Shepard, 2001).

O conceito de aprendizagem, associado às teorias construtivistas, assume que o aluno constrói ativamente a sua aprendizagem através da interação dos processos cognitivos, emotivos e sociais. Neste contexto, Illeris (2003)

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sistematiza quatro níveis de aprendizagem que são ativados em contextos diferentes e que implicam diferentes tipos de resultados da aprendizagem. Com base numa adaptação do original, interpretamos do seguinte modo os 4 níveis de aprendizagem sistematizados por Illeris (2003): aprendizagem cumulativa (mecânica e isolada); aprendizagem assimilativa (aditiva, associada a estruturas já existentes); aprendizagem acomodativa (reconstrutiva ou transcendente); e aprendizagem transformativa (reestruturadora das dimensões cognitiva, emocional e social).

Quadro 2 - Teorias da aprendizagem e avaliação (adaptado de James, 2006)

Teoria Aprendizagem Avaliação

B eh av io ris ta s

Aprendizagem é a resposta condicionada estímulos externos.

O conhecimento decompõe-se em pequenos elementos.

A aprendizagem ocorre através da acumulação sequencial e hierárquica desses elementos.

As aprendizagens só se transferem para contextos semelhantes.

Alunos são meros recetores e não participam no processo.

A aprendizagem limitada aos conhecimentos (saberes).

Baseada em testes característica de uma racionalidade técnica.

Tem como finalidade classificar, hierarquizar e normalizar.

Pressupõe que é possível quantificar com rigor as aprendizagens pois o resultado dessa

aprendizagem é sempre um comportamento diretamente observável.

A avaliação é apenas da responsabilidade do professor.

Avalia apenas resultados.

Acontece apenas em momentos de balanço. Avaliação descontextualizada. C on st ru tiv is ta

s A aprendizagem é um processo ativo de construção individual.

A metacognição, o autocontrolo e autorregulação das aprendizagens são indispensáveis.

Alunos são sujeitos ativos.

O objetivo da aprendizagem é promover o desenvolvimento de competências.

Avaliação contextualizada.

A avaliação é um meio privilegiado de promover o sucesso escolar dos alunos (avaliação formativa). Os resultados da aprendizagem (competências) exigem a diversificação de estratégias,

instrumentos e intervenientes.

A avaliação permite aos alunos a demonstração do que podem e sabem fazer.

Avaliação partilhada pelos alunos. Autoavaliação é uma meta pedagógica.

S oc io cu ltu ra is

Professor dá o suporte: cria um clima onde se possa estimular o pensamento, a reflexão e a atividade de acordo com a ZPD (zona de desenvolvimento proximal), através do trabalho em grupo. A aprendizagem é um processo ativo, social, colaborativo e interpessoal.

A aprendizagem ocorre na interação entre o indivíduo e o social: o pensamento é conduzido através de ações que mudam a situação que, por sua vez, altera o pensamento.

Aprender envolve participação e a colaboração interpessoal.

O conhecimento não pode ser excluído do contexto, mas observado na sua relação com ele.

Avaliação integrada no processo de aprendizagem e ensino.

Avaliação através de ‘tarefas autênticas’ (Wiggins, 1998) e colaborativas.

Alunos e professores envolvidos na avaliação desde a conceção dos problemas à sua resolução.

Juízo holístico e qualitativo sobre os progressos na aprendizagem.

Utilização de métodos como a observação etnográfica e avaliação por inferência.

O Portefólio e os registos áudio e visual podem ser formas de recolher evidências dos resultados da aprendizagem.

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Também no âmbito das teorias sociais construtivistas, a ‘teoria da atividade’, sustentada originalmente nos trabalhos de Vygotsky, Leont'ev e Luria e mais tarde sistematizada e reformulada por Engestrom (1987) o indivíduo é rejeitado como unidade de análise singular por se considerar que o seu comportamento ou ação surge da interação entre ele, o objeto e a comunidade.

A aprendizagem envolve, nesta perspetiva, não só o pensamento, mas ação em contexto, tornando-se uma atividade social e colaborativa onde as aprendizagens individuais são externalizadas para a comunidade que a coloca em ação, sendo posteriormente internalizada pelo indivíduo naquilo que James (2006) intitula de “expansive learning cycle” (p.57).

Nesta linha de análise, a teoria da atividade (Fernandes, 2009; 2011), ao considerar a sala de aula como um “sistema em atividade, obtém uma visão mais holística e integrada da multiplicidade de relações entre os chamados elementos mediadores que a integram (alunos, professores, artefactos e regras) e, consequentemente, é possível compreendê-las melhor”. (p. 88).

Também James (2006) argumenta que a aprendizagem observada pela lente das teorias socioculturais, onde a teoria da atividade se pode incluir, determina uma visão particular da avaliação.

Independentemente das questões epistemológicas de fundo, James (2006) argumenta que, na tentativa de desenvolver uma teoria da avaliação formativa, talvez se perspetivem possibilidades de, um dia, emergir uma metateoria que sintetize ou articule elementos chave das teorias apresentadas, de modo a compreender e a dar resposta efetiva à diversidade dos contextos educativos.

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