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A articulação dos mundos material, vivo e humano na direção de unanimidades crescentes: a excepcionalidade do mundo humano

GABRIEL TARDE E O PLANO DE COMPOSIÇÃO PROGRESSIVA DA NATUREZA

3.3. A articulação dos mundos material, vivo e humano na direção de unanimidades crescentes: a excepcionalidade do mundo humano

Retomemos brevemente as analogias que Tarde reconhece entre os mundos material, vivo e humano. As leis gerais que regem a repetição imitativa são para a sociologia o que as leis da hereditariedade são para a biologia, o que as leis da gravitação são para a astronomia e o que as leis da ondulação são para a física. Todas essas leis decorrem de um princípio superior, a tendência de um “exemplo” – contorno ou aspecto antropológico da tese neo-monadológica segundo a qual tudo se forma a partir de um ponto, da imposição de um elemento-chefe – propagar-se segundo uma progressão geométrica de acordo com a homogeneidade relativa de seu meio. Toda repetição fenomênica, todas “essas belas uniformidades” (TARDE, 1890b, p. 68) – o hidrogênio idêntico a si mesmo na multidão dos átomos dispersos entre todos os astros do céu, a expansão da luz de uma estrela na imensidão do espaço, o protoplasma idêntico a si mesmo de um lado a outro na escala do vivo, a sequência invariável de incalculáveis gerações de espécies, a transmissão fiel de elementos sociais quase inalteráveis durante séculos – procedem de uma inovação. O mundo se move por repetições infinitesimais de uma inovação que produz um plano de similitude determinado, material, vital e humano. É desse modo que se formam, invariavelmente, “os grandes planos de similitudes do cosmos” (MONTEBELLO, 2003, p. 140). Donde a célebre definição tardiana dos três grandes planos que compõem a natureza, com a qual já nos encontramos familiarizados.

superior, seus progressos não se explicam pelas leis dos primeiros, ao passo que estes devem ser tomados como “o estribo do princípio superior” (BOUTROUX, 1895b, p. 134).

1º Todas as similitudes que se observam no mundo químico, físico, astronômico (átomos de um mesmo corpo, ondas de um mesmo raio luminoso, camadas concêntricas de atração das quais cada globo celeste é o centro, etc.) têm por única explicação e causa possíveis movimentos periódicos e principalmente vibratórios. 2º Todas as similitudes de origem viva, do mundo vivo, resultam da transmissão hereditária, da geração seja intra seja extra-orgânica. É pelo parentesco das células e pelo parentesco das espécies que se explicam hoje em dia as analogias e as homologias de todos os tipos reveladas pela anatomia comparada entre as espécies e pela histologia entre os elementos corporais. 3º Todas as similitudes de origem

social, que se observam no mundo social, são o fruto direto ou indireto da imitação sob todas as suas formas (TARDE, 1890b, p. 78).

Dos mundos vivo e social já nos ocupamos. Vimos os mistérios que presidem as elaborações que se passam em um cérebro individual e em um óvulo fecundado, nos quais se encontram, respectivamente, raios imitativos e hereditários distintos. Vimos como nesses recônditos nos quais reside todo o poder de variação que fomenta a vida social e biológica elementos infinitesimais se afirmam e se entre-modulam na constituição de uma novidade que, enquanto produto de um encontro fortuito, são harmonias destinadas a se repetir. Cabe observar que se não demos a mesma atenção ao mundo material é devido ao fato de que este, ainda mais que as invenções e repetições biológicas, é marcado por uma obscuridade que contrasta diametralmente com a observação dos fatos sociais humanos. Caso um dia um físico ou químico publicasse “A origem dos átomos”, afirma Tarde (1890b, p. 73), essa obra seria

destinada ao mesmo sucesso que A origem das espécies de Darwin, pois “A origem dos átomos é muito mais misteriosa que aquela das espécies, a qual ainda é muito mais que aquela das civilizações”. Se com o recurso à analogia Tarde pôde lançar alguma luz no esclarecimento dos fenômenos biológicos em sua dimensão criadora e repetidora, o mesmo não se passará com a análise dos fenômenos materiais, nos quais a analogia se limita à constatação de uma mesma operacionalidade (variação-repetição-variação), sem entrar nos detalhes dos termos assim mobilizados. Isso, contudo, não anula a verificação segundo a qual no universo tudo se repete. Eis o que Tarde (1897a, p. 41) pôde observar em “uma caminhada do espírito através do mundo, com um binóculo especial em mãos que me permitiu tudo perceber sob um mesmo ângulo tão preciso quanto variado, sob o ponto de vista de uma universalidade estranha”.

Essa universalidade do modo pelo qual se constituem os fenômenos em qualquer andar da natureza esconde uma questão mais profunda. Não se trata mais de saber “como” acordos e harmonias se constituem lá onde o sujeito do conhecimento não tem acesso direto. Não se trata mais de recorrer à clareza dos fatos sociais para descrever o que nos é desconhecido, mas que sabemos responder ao mesmo desígnio de uníssono que anima a vida

do espírito em sua universalidade. Trata-se, agora, de saber “ao que” responde a realização, segundo gêneros diferentes, desse mesmo processo repetidor. Ora, o que manifesta essencialmente as obras da natureza senão um esforço preciso, um esforço de “harmonização progressiva”? Nessa tendência, nesse “problema” que anima as constituições fenomênicas em todas as suas dimensões, encontramos gêneros distintos que, na qualidade de soluções divergentes, assumem uma “forma” própria – periodicidade, hereditariedade, imitação – que vem responder a um mesmo intento. Se com as analogias que Tarde estabelece entre esses fenômenos podemos reduzi-los a uma unidade em termos do modo de sua composição e em termos da natureza da solução que colocam à heterogeneidade que cabe resolver em fenômenos (repetições), podemos já entrever, no caráter “progressivo” desse processo, que uma evolução se desenha no interior dessas exigências e soluções que inauguram cada qual um “mundo”.

Temos então de nos ocupar agora não simplesmente da universalidade da repetição, mas da continuidade entre esses mundos, tomando como fundamento que se trata de uma evolução progressiva e ascendente, que os andares da natureza manifestam, no interior dessa evolução, diferenças em termos do alcance dos acordos neles estabelecidos, e que podemos estabelecer entre eles distinções em termos de harmonias inferiores e superiores. Temos de nos ocupar agora, em suma, de questões caras à filosofia da natureza tardiana: o problema da diferença e da passagem entre os andares e, por fim, da maneira pela qual na vida humana em sociedade o vago ideal de unidade espiritual que anima a natureza encontra sua forma a mais compreensiva, a mais eficaz. Reconhecidos distintos estratos, na ponta dos quais se encontram o psiquismo e o mundo social humano, é preciso saber, para além de seu funcionamento análogo, como se operam a passagem e a integração entre esses mundos distintos, e como podemos ver nelas a realização de um esforço que atravessa a natureza. Se há uma relação necessária entre os andares do universo, resta saber qual a natureza de sua dependência, se um pode se passar do outro, e de que modo, por uma integração que é ao mesmo tempo uma emancipação, o estrato inferior é interiorizado e transfigurado pelo seguinte. Comecemos pelo trato das diferenças em termos da dependência recíproca desses distintos mundos que se entrelaçam no interior de uma mesma evolução ascendente.

A solidariedade entre as três formas de repetição é unilateral e não recíproca. A geração não pode se abster da ondulação (como vimos com a nutrição e a geração, que integram os elementos tomados do meio físico na manutenção da forma viva e que utiliza as moléculas para transmitir o tipo específico destinado a repetir-se), ao passo que o contrário

não é verdadeiro, a ondulação existe independentemente da geração. A imitação, por sua vez, depende das duas outras55, que não dependem dela. O termo o mais complexo é servido pelos termos que o são menos; a desigualdade dos termos sob esse aspecto é manifesta. Se o termo superior, no caso, a imitação, emancipando-se por sobre o meio orgânico e desenvolvendo-se segundo suas leis próprias se utiliza, faz uso, serve-se dos meios inferiores, essa apropriação é bastante específica. Ela é tributária de uma emancipação na direção de um gênero de acordo superior, que se apoia sobre o material e o vital, já interiorizados na constituição do acordo relativo que é a espécie humana saída do mundo vivo. Como se agindo imitativamente o homem deixasse de ser uma espécie apenas organicamente constituída, servindo doravante de veículo a um desígnio de expansão e de assimilação que, liberto dos quadros da hereditariedade, alça voo em direções inalcançáveis pela memória vital que se prolonga nas repetições orgânicas que a humanidade, não obstante, ajuda a propagar.

Deparamos assim com as seguintes operações ao longo do plano de engendramento representado pela natureza tardiana: integração e emancipação entre os andares. Enquanto as ondas se encadeiam isócronas e contíguas os seres vivos, de duração mais ampla, separam-se e se destacam uns dos outros, mais independentes quanto mais elevados na cadeia dos seres. A geração se configura assim “como uma ondulação livre cujas ondas fazem um mundo à parte” (TARDE, 1890b, p. 94). Ela inaugura um potencial de assimilação inacessível ao puro encadeamento ondulatório. Mas a imitação vai mais longe ainda. Ela se exerce não somente a grandes distâncias, mas também durante grandes intervalos de tempo. Ela estabelece uma relação fecunda entre um inventor e um copista separados por milhares de anos. Nesses termos “A imitação é uma geração a distância”. Um exemplo nos ajudará a compreender a natureza e a direção dessa ascensão que é sinônimo de complexificação em termos de “conquistas pacificadoras” e geradoras de uníssonos progressivamente compreensivos.

(...) comparemos um furacão, uma epidemia, uma insurreição. Um furacão se propaga pouco a pouco, e nunca observamos uma onda se destacar dele para ir mais longe, omisso medio, o vírus da tempestade. A epidemia procede rigorosamente de outro modo, ela golpeia à direita e à esquerda, poupando tal casa, ou tal cidade entre outras, muito distantes, que ela atinge quase ao mesmo tempo. Mais livremente ainda se espalha a insurreição de capital em capital, de usina em usina, a partir de

55 Tomemos um exemplo um pouco engenhoso, mas que esclarece essa dependência. Manuscritos de Cícero

foram encontrados após dois mil anos, afirma Tarde (1890b, p. 94), e, uma vez impressos, continuamos a tomá- los hoje em dia como inspiração. Uma imitação póstuma dessa natureza não teria sido possível caso as moléculas do pergaminho original “não tivessem durado e vibrado”, tampouco “se a geração humana não tivesse funcionado sem interrupção de Cícero até nós”.

um novo anúncio pelo telégrafo. Às vezes o contágio vem do próprio passado, de uma época morta (TARDE, 1890b, p. 95).

Não podemos nos esquecer de que essa potência contagiosa que guarda, por exemplo, uma insurreição, encontra-se na própria definição da imitação – ação “a distância” (a incomensuráveis distâncias, como podemos ver) de um espírito sobre outro. O que não suspeitávamos quando da definição do fenômeno era que essa “voracidade” de uma ideia ou desígnio que se espalha imitativamente é um diferencial na comparação de sua efetividade assimiladora com relação à geração e à ondulação. Espécie de memória social, a imitação gozaria de uma “eternidade de ação” que carece, por exemplo, ao mundo vivo. Neste, quando um organismo chega ao mais elevado grau de aquisição voluminosa que comporta seu tipo via nutrição, ele continua a se propagar no exterior pela geração, pela reprodução, modo pelo qual a vida atesta “seu sonho de tudo dominar” (TARDE, 1897a, p. 165). Porém, esse mesmo organismo que é como que a fortaleza a partir da qual a memória vital pode se prolongar imprimindo sua marca no universo, acaba inevitavelmente encontrando a morte. Ora, com as ideias e necessidades que circulam socialmente e que independem, ao menos de direito, de meios tais como um organismo que tenha de se reproduzir, não vemos uma duração maior assegurada à assimilação que move sua propagação? Começamos a observar de que maneira Tarde reconhecerá no mundo social e na ação a distância de um espírito sobre o outro uma eficácia inigualável. Mas digamos ainda algumas palavras das relações que guardam os diferentes estratos da natureza.

Afirmar que a geração é uma ondulação livre significa que ela se libertou dos limites do mundo físico: ela constitui, assim, ainda que por meio dos elementos químicos e de uma memória que depende de moléculas que assegurem sua transmissão, um mundo à parte. Nele grandes distâncias são vencidas sob a forma de individualidades autônomas destinadas a melhor colonizar o espaço. Não obstante, “a inovação vital é freada pelo fato que ela tem de levar em conta a geração e a memória da vida” (MONTEBELLO, 2003, p. 137), freio que a imitação não possui. Ela é uma geração à distância, “que ocupa ainda mais livremente o espaço”. O que Tarde sublinha ao comparar desse modo o tempo isócrono das ondulações físicas, o tempo embrionário e filogenético da vida e o tempo social das civilizações, é a “aceleração56 ascendente do ritmo das transformações” (MONTEBELLO, 2003, p. 139). As

56 Uma obra é socialmente imitada em seu estado de desenvolvimento completo, ela não passa pelas tentativas e

esboços, por exemplo, de um primeiro artesão que é seu autor. É um procedimento superior, em rapidez, ao procedimento vital, “ele suprime as fases embrionárias, a infância, a adolescência” (TARDE, 1890b, p. 95) de suas produções. A vida possui também sua arte própria de abreviações, prosseguirá Tarde. A série das fases

forças que se manifestam no mundo são progressivamente integradas em uma organização mais complexa, eficaz e compreensiva, começando pelo meio físico, passando pelo mundo orgânico até a edificação das civilizações sociais. Que uma vibração sonora do ar se repita indefinidamente sem se deformar, eis algo “já maravilhoso”, reconhece Tarde (1902a, p. 36). Mas isso não é nada diante do “milagre da hereditariedade viva” que, durante séculos, reproduz fielmente em seus detalhes as características e as funções de uma espécie. Mas ainda mais prodigioso é fenômeno imitativo, “memória social” que “ressuscita e multiplica aquilo que a própria hereditariedade é impotente em reproduzir”: estados íntimos, ideias, vontades. Tarde pode então afirmar algo central na elucidação do sentido da evolução ascendente da natureza, estabelecimento de acordos que traduzem uma unanimidade crescente nas formas que imprimem ao mundo.

Da primeira à segunda, da segunda à terceira dessas três formas de repetição, vemo- las crescer ao mesmo tempo em compreensão e penetração, em exatidão e liberdade. A geração é uma ondulação mais complicada e mais profunda cujas ondas são destacadas; a imitação é uma geração sem nenhum contato, uma fecundidade a distância, que dissemina os germes de ideias e de ações ainda muito mais longe que o mundo vivo, e permite ao modelo morto, após longos períodos de enterramento, de suscitar ainda exemplares de si mesmos, agentes, animados, capazes de revolucionar o mundo (TARDE, 1902a, p. 37).

Compenetração e penetração, exatidão e liberdade, eis critérios importantes na delimitação da marcha ascendente das repetições produtoras dos acordos universais. Como se da matéria ondulatória ao homem imitativo, independente do meio próprio sobre o qual os acordos exercem seu império pacificador, sua orquestração, víssemos um maior desprendimento para com as condições de seu exercício, para com a distância e o tempo que presidiriam a imposição de um gênero unívoco de repetição ao mundo. A imitação, emancipando-se da necessidade de prolongar seu intento harmonizador através de moléculas que carregariam os tipos do futuro, utilizando-se de espíritos ou cérebros que agem “a distância” em uma conversão que é, por assim dizer, imediata, carregaria uma força em termos de alcance e compreensão dos termos que mobiliza em uma direção determinada que a

embrionárias repete a série zoológica das espécies anteriores e dos pais, de modo que por meio da geração há um resumo individual e suscinto, sem dúvida, da lenta história das elaborações vitais. Mas comparando a sequência de desenvolvimento das gerações com as fabricações que se espalham no mundo social, a rapidez de difusão é bastante distinta. “Quanto à ondulação, em qual medida infinitesimal ela participa dessa faculdade de aceleração!”. As ondas, seguindo-se rigorosamente isócronas, levariam o mesmo tempo para nascer, desenvolver-se e morrer, caso sua temperatura permanecesse constante. Ainda que sua agitação tenha por efeito aquecer seu meio, o que acaba por acelerar sua sucessão, “se ganha muito pouco tempo desse modo” ao passo que se ganha “infinitamente mais pelos mecanismos repetidores próprios à vida, e, sobretudo, à sociedade”: as obras da imitação, por sua vez, “são inteiramente liberadas da obrigação de atravessar, ainda que abreviadamente, as etapas dos progressos anteriores”.

vida não seria capaz de atingir. Ocupada em reproduzir os itinerários os mais complicados de sua evolução, “o clichê dessas reproduções” (TARDE, 1902a, p. 37), clichês moleculares e não cerebrais, que se perpetuam adormecidos através de gerações sucessivas até que um dia tornem a despertar no óvulo fecundado, a vida não dispõe dos meios de uma ação expansiva e assimiladora como aquela que, pela imitação – ação a distância entre espíritos –, pretende converter a humanidade na direção uma sociedade única.

Afinal esse é o termo ao qual tende a ação imitativa. O que os fatos sociais que podemos observar ao longo da história apresentam é uma “socialidade relativa” que, por sua vez, permite a Tarde (1890b, p. 130) imaginar uma “socialidade absoluta e perfeita”. Tratar- se-ia de uma vida social tão intensa que a transmissão a todos os cérebros de uma cidade ou nação de uma ideia que aparece em algum lugar seria instantânea. Hipótese análoga àquela dos físicos que afirmam que “caso a elasticidade do éter fosse perfeita, as excitações luminosas ou outras nele se transmitiriam sem intervalo de tempo”. É para esse ideal de uma comunicação instantânea, absolutamente livre de entraves, que caminha a série de invenções sociais imitadas que vão, pouco a pouco, se universalizando, até uma virtual Comunidade humana universal.

A homogeneização de seu meio próprio de exercício e de expansão assimiladora (vontades individuais, uma memória hereditária que deseja povoar com seus produtos o globo, a elasticidade de um suposto éter), se é verdade que se apresenta em graus distintos em termos de sua eficácia, não deixa de ser uma tendência que não é privilégio das comunicações e acordos socialmente estabelecidos. Ela permite o reconhecimento de algo mais profundo, algo sobre o que já insistimos: o esforço que anima as constituições da natureza, independente do meio próprio que ela criou para exercer seus ideais de expansão e assimilação. Afirmar que esse esforço é “retomado” a cada nova modulação de forças heterogêneas, a cada nova acomodação repetitiva característica de um andar do cosmos, quer dizer que já em seu primeiro plano de manifestação, no mundo material, encontramos aquilo que, no mundo humano, encontrará uma expressão mais acabada, mais penetrante e compreensiva.

Diríamos que essas três formas da Repetição são três retomadas de um mesmo esforço para estender o campo em que ela se exerce, para fechar sucessivamente toda saída a rebelião dos elementos sempre prontos a romper o jugo das leis, e para obrigar sua multidão tumultuosa, por procedimentos cada vez mais engenhosos e poderosos, a marchar conjuntamente em multidões cada vez mais fortes e melhor organizadas (TARDE, 1890b, p. 94).

Formas distintas de um mesmo desígnio, de uma mesma inclinação que fez do universo isso que conhecemos dele, aquilo por sobre o que, na qualidade de fenômenos, a ciência pode se debruçar, as três principais formas da Repetição universal apresentam uma identidade fundamental. Cada uma dessas formas, na sequência da anterior que foi superada por uma repetição mais complexa que integra aquela de onde saiu, realiza a inclinação cósmica de convergência e unanimidade, de harmonização progressiva. A superfície terrestre é o domínio aberto à expansão da vida, do mesmo modo que o espaço é o domínio aberto de expansão do calor e da luz. De modo semelhante, a espécie humana – na qualidade de espécie viva – é o domínio aberto à expansão do gênio inventivo. Se um andar apoia-se sobre o outro, Tarde (1890b, p. 439) pode facilmente afirmar que a assimilação cosmopolita e democrática “é uma queda inevitável da história, pela mesma razão que o povoamento uniforme e completo do globo e a calorificação uniforme e completa do espaço são os desígnios do Universo vivo e do Universo físico”.

Estamos diante de uma evolução que apresenta um sentido, uma tendência, cujas formas se “complexificam”. Ainda que nenhum nível seja mais complexo que o outro em termos de sua heterogeneidade essencial, em termos do conteúdo múltiplo ao qual se trata

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