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GABRIEL TARDE E O PLANO DE COMPOSIÇÃO PROGRESSIVA DA NATUREZA

3.2. As composições harmônicas no campo da natureza: o caso do mundo vivo

3.2.2. A constituição dos acordos no mundo vivo

Tomemos novamente o antropoide de que Tarde falava acima. Levemos em consideração a “noite” – tomando uma vez mais palavras de Bataille (1955) – que precede a “aurora da humanidade”. Noite essa na qual as constituições orgânicas dotaram o homem daquilo que lhe seria necessário para que, por meio de uma série de objetivações criadoras (as categorias fundamentais à atividade do espírito individual e social que essa humanidade original preparava em segredo nas profundezas de cérebros individuais), um mundo relativamente à parte se constituísse. Tarde (1895b) se pergunta se nessa fase pré-categorial, que antecede a via dos acordos superiores preparados pelo pensamento e pela ação uma vez apoiados nas categorias, encontramos acordos que merecem esse nome se comparados às harmonias sociais que conhecemos ao examinar os progressos do homem vivendo em sociedade. Sua resposta é instrutiva a respeito do lugar que o mundo da vida ocupa no plano de composição da natureza, nesse engendramento e encadeamento de harmonias que se

sucedem e que aspiram ao mais elevado acordo, que conspiram à constituição de um Espírito único.

Um sistema solar, por exemplo, não é uma conspiração das partes para um fim comum; tudo nele se explica por sua mútua atração, e a maravilha consiste no fato que essa contrariedade infinita de fins semelhantes se resolve no mais majestoso dos equilíbrios móveis. Mas o prodígio da organização, mesmo vegetal, é de uma ordem distintamente elevada. Parece que as células de uma planta não se contentam em perseguir seus pequenos fins egoístas e em manter boas relações de vizinhança, mas que elas conspiram para um mesmo ideal botânico, difícil de precisar que, seguramente, não consiste somente em se reproduzir. Assim a vida, independente mesmo do pensamento, seria já uma colaboração. E como isso é manifesto na medida em que gravitamos seus escalões até o cérebro humano! A vida, portanto, a mais alta e última produção da natureza, parece ser apenas a realização gradual do acordo lógico e teleológico o mais perfeito, termo último de nossa série (TARDE, 1895b, p. 245).

O cérebro humano é o resultado dos acordos instituídos no mundo da vida. É sobre ele, a partir dele, que se operarão as harmonias superiores, categoriais e imitativas. Mas Tarde foi claro ao demonstrar que, se com os acordos lógicos e teleológicos que se produzem em um mundo humanamente engendrado encontramos um termo que pode ser chamado de último, o intento que anima esse plano de composição não é estranho à vida47 por sobre a qual esse novo gênero de repetição vem exercer seu poder de harmonização. Esse fato pode ser observado tanto nas relações exteriores entre os vivos e dos vivos com o meio quanto no momento da criação de uma nova espécie. Observamos no mundo da vida, afirma Tarde (1897a, p. 137) a “ação de uma originalidade inventiva e construtiva constantemente em obra, seja no momento da fecundação, seja ao longo da vida pela acomodação ao meio”. Na origem de uma nova espécie ou na vida concreta de uma espécie uma vez constituída observaremos o mesmo intento de harmonização progressiva que Tarde observara exaustivamente na vida humana em sociedade (em sua ciência dos fatos sociais) e no campo da natureza em geral (em sua monadologia renovada). Mas o que há de específico na vida tomada como “etapa” interior ao processo de constituição de harmonias progressivas, o que caracteriza o vital como “gênero” particular de acordos ou repetições que caracterizam todo e qualquer fenômeno, da matéria ao homem? Em suma, como se operam as criações e os acordos, as variações e as

47 Vida esta que se apresenta a Tarde (1893a, p. 101), no interior da evolução geral da natureza, como “grande e

generosa empresa de salvação, de redenção dos elementos encadeados nos laços estreitos da química”. Assim como o mundo humano inaugura um novo gênero de acordos por sobre o universo da vida, o mundo orgânico faz o mesmo com relação ao universo material que ele interioriza e marca com seu selo próprio: ou seja, arrasta- lhe em uma modulação harmônica que a matéria, sozinha, não alcançaria. Como dissemos alhures, esse modo de encarar a evolução geral do cosmos contrasta com o modo bergsoniano. Matéria, vida e homem são etapas que se enxertam em um grande plano de composição expressando, cada qual, uma tendência que é a mesma por toda parte. Ao passo que para Bergson as origens de cada um dos mundos são unidas por um laço genético, por um ato temporal cujas tensões e distensões darão conta de explicar o surgimento da vida e da matéria.

repetições no mundo vivo? Comecemos pela fecundação para então depois tratar das repetições orgânicas, a nutrição e a geração ou hereditariedade.

A fecundação, encontro da vida com a vida, ato que pode dar origem a uma nova espécie ou simplesmente repetir a modulação vital prolongada hereditariamente, é a interferência ou encontro de dois raios hereditários: “linhas que, se entre-alterando, esforçam- se em se colocar em acordo sobre um novo plano de vida específico” (TARDE, 1897a, p. 136). O que encontramos no germe fecundado no interior do qual se operam as variações futuras do mundo vivo são duas séries diferentes de gerações (ou seja, repetições biológicas) sucessivas que, juntas, produzem uma “harmonia nova”, uma nova modulação do tipo comum. Essa nova modulação propagar-se-á igualmente pela geração, suscitando novos encontros e novas possibilidades de vida. Repetição e variação se ligam para Tarde, portanto, no mundo vivo, no germe fecundado. Nesse encontro da vida com a vida no óvulo fecundado – análogo ao cérebro individual no qual duas correntes imitativas se encontram dando origem a uma invenção48 – cada uma das duas vidas é com relação à outra um meio “não exterior, mas íntimo, que a outra tenta adaptar ao seu fim, e a dificuldade se resolve pela descoberta de uma via ainda não aberta (fata viam inveniunt) que lhes permite se utilizarem reciprocamente” (TARDE, 1897a, p. 137).

Cada nova criação do mundo vivo é, portanto, uma adaptação entre repetições que se entrecruzam no momento da fecundação. E, prossegue Tarde, o encontro, o acidental – repetições biológicas que se entrecruzam no ato sexual que coloca frente a frente linhas hereditárias sucessivas, uma memória que a vida depositara no interior dos organismos – “é apenas a condição da colocação em exercício e do despertar de um princípio harmonizador que nenhuma coincidência fortuita explicará”. Do cruzamento de duas diferenças uma necessidade se impõe: a constituição de um acordo, a supressão da contradição. Se nessa dimensão da vida cósmica representada pelo orgânico não deparamos com categorias e deduções silogísticas que conduzem vontades e inteligências a um uníssono, não deixa de

48 Não podemos esquecer quão caro é a Tarde o recurso à analogia com o que se passa na vida do homem em

sociedade na elucidação do campo da natureza. Uma invenção humana não se caracteriza como uma síntese de ideias e necessidades que se encontram no cérebro de seu autor, onde uma nova harmonia se produz entre elementos que, tomados em sua circulação social, poderiam se contradizer? “Ora, o que é socialmente análogo a um tipo específico? É um sistema ou programa, uma teoria ou uma empresa, uma religião ou uma sociedade industrial, em uma palavra, um feixe harmonioso de tendências e de ideias” (TARDE, 1897b, p. 192). “Se nos deixarmos guiar pela analogia da tendência à progressão geométrica dos exemplares de cada espécie com a tendência sociológica correspondente à propagação crescente dos exemplos de cada tipo”, prossegue Tarde (1902a, p. 11), veríamos que uma mesma condição essencial que se encontra na origem de uma invenção humana se faz presente na origem de uma espécie: no fundo de cada nova espécie que surge haveria algo de comparável a um traço de gênio ou de engenhosidade. Uma invenção humana que inaugura um novo gênero de imitação é, para a sociologia, como já pudemos observar, o que o surgimento de uma nova espécie vegetal ou animal é para a biologia (TARDE, 1890a).

haver aí, igualmente, um intento harmonizador. Pelo momento sabemos qual é sua expressão: ou a repetição de uma modulação biológica específica pela geração ou a criação de uma nova modulação igualmente destinada a repetir-se hereditariamente. Detenhamo-nos por um momento no argumento tardiano em torno da variação das espécies.

Tarde (1902a, p. 10) reconhece os méritos de Darwin em mostrar “o alcance desconhecido da tendência dos vivos à sua multiplicação indefinida, e de seguir as consequências que disso decorre, tais como a concorrência vital e o cruzamento das espécies”. No entanto, prossegue Tarde, a esperança em explicar a gênese das espécies pela seleção natural se dissipou. Isso não quer dizer que Tarde não seja partidário de um postulado essencial do darwinismo, aquele que reconhece que as espécies tendem a se multiplicar por uma progressão geométrica, e que afirma que elas “ocupariam rapidamente todos os lugares nos quais elas seriam capazes de viver” (DARWIN, 1859, p. 117). Não há nenhuma exceção à regra segundo a qual, afirma Darwin (1859, p. 115), “todo ser organizado se multiplica com tanta rapidez que, se ele não é destruído, a terra seria rapidamente coberta pela descendência de um único casal”. Na mesma direção, Tarde (1893a, p. 95) afirmou que toda espécie, “multiplicando-se segundo uma progressão geométrica, logo cobriria o globo inteiro caso ela não se chocasse com fecundidades concorrentes”. Devemos nos perguntar então quais as inversões que Tarde opera a partir desse postulado que compartilha com Darwin, que, nos parece, conduzem-lhe a relativizar o aspecto belicoso da natureza, espécie de catalisador da constituição de harmonias superiores.

Seu erro, se me é possível apreciar esse grande homem me autorizando de outros grandes naturalistas, parece ter sido apoiar-se muito mais sobre a concorrência vital, forma biológica da oposição, do que sobre o cruzamento e a hibridação, forma biológica da adaptação e da harmonia. Uma função tão importante quanto a produção de uma nova espécie não poderia ser uma função contínua e cotidiana, ao passo que a simples produção de um novo indivíduo, a geração, é uma função intermitente. Um fenômeno excepcional, e não um fenômeno corriqueiro, deve se encontrar na base dessa novidade específica. Sou da opinião de Cournot, uma hibridação fecunda, por exceção, é muito mais própria que uma acumulação hereditária de pequenas variações vantajosas, pela concorrência e pela seleção, para explicar a formação de novos tipos vitais. Seria ainda preciso reconhecer que com isso indicamos as condições somente do maravilhoso fenômeno, e não suas causas, que permanecem o segredo dos óvulos fecundados onde ela se opera. Darwin não pareceu se dar conta que as variações individuais que ele postula como os dados e os materiais com os quais a seleção construiria novas espécies são elas próprias pequenas criações, pequenas readaptações do tipo antigo, cuja gênese não é menos maravilhosa que aquela de um tipo novo, ao qual cada uma delas visa, e que é da mesma ordem no fundo. De modo que a gênese das inovações vitais é, por assim dizer, postulada por aquilo mesmo que ela é destinada a explicar (TARDE, 1902a, p. 11).

A crítica tardiana se volta ao estatuto das criações do mundo vivo tal qual decorrente da tese darwiniana. Darwin coloca a plasticidade dos organismos como fato indiscutível. Suas variações, acidentais e insensíveis, de causas múltiplas e na maior parte dos casos desconhecidas por parte do naturalista, essas “diferenças individuais”, afirma Darwin (1859, p. 95), possuem a mais elevada importância: “elas fornecem os materiais sobre os quais pode agir a seleção natural e que ela pode acumular do mesmo modo que o homem acumula, em uma direção dada, as diferenças individuais de seus produtos domésticos”. A ação da seleção natural conserva as variações individuais favoráveis ao organismo em uma situação na qual há uma desproporção entre a propagação de uma espécie em variação e a quantidade dos meios de subsistência, ou seja, em um quadro de concorrência vital. São os quadros da luta pela sobrevivência que elevam uma variação qualquer ao estatuto de útil ao organismo que é seu portador. Marcada pelo selo da seleção natural ela é destinada a transmitir-se hereditariamente, acentuando então uma variação originariamente acidental em uma direção determinada, acentuação na origem da qual pode se encontrar uma nova espécie: “uma variedade fortemente acentuada é o começo de uma nova espécie” (DARWIN, 1859, p. 103).

Podemos dizer que a seleção natural escruta a cada instante, e no mundo inteiro, as variações as mais ligeiras; ela afasta aquelas que são nocivas, ela conserva e acumula aquelas que são úteis; ela trabalha em silencio, insensivelmente, por toda parte e todo o tempo, uma vez que a ocasião se apresenta a ela, para melhorar todos os seres organizados relativamente às suas condições de existência orgânicas e inorgânicas (DARWIN, 1859, p. 137).

Essa espécie de onipresença silenciosa, de ação contínua da seleção natural, é o que, aos olhos de Tarde, não pode explicar a aparição de uma nova espécie: isso porque ela não se ocupa da explicação da variabilidade que lhe preside. De seu ponto de vista esse é um fato marcadamente excepcional, que não pode se encontrar suspenso em uma ação cujos efeitos são sentidos sem que, contudo, ela possa ser localizada de modo preciso. Vimos que admitindo uma variabilidade absoluta dos organismos e a ação da seleção natural Darwin, aos olhos de Tarde, postulava o que deveria ser explicado. A saber, “como” se criam novas espécies, como se operam as variações do mundo vivo. A acumulação de diferenças acidentais que vão sendo acentuadas no curso do tempo é a solução darwiniana ao problema. Tarde não se satisfaz com ela. De seu ponto de vista a seleção natural, em vez de ser o agente

verdadeiramente ativo do processo de criação específica, trabalha com a criação já eclodida; eclosão essa que cabe, justamente, explicar49.

Pois a menor variação individual, caso examinemo-la com cuidado, é uma harmonia original, uma modificação total que, sem ser radical, cunha de uma marca nova todos os órgãos ao mesmo tempo. O que há de maravilhoso no mundo vivo é precisamente essa exuberância de criações harmoniosas e de originalidades veladas que, por se apresentarem dissimuladas sob a libré da espécie e se sujeitar ao seu ritmo antigo e sagrado, não são menos verdadeiras e profundas; é essa potência exuberante de acordos e de efeitos improvisados; é essa prodigiosa imaginação não menos própria a nos confundir de assombro que a prodigiosa memória chamada por Darwin hereditariedade. Mas na verdade tomar por ponto de partida, por postulados biológicos inexplicados, essas variações individuais e a hereditariedade, essa imaginação e essa memória, como faz o grande naturalista, não seria admitir no fundo o caráter subsidiário e secundário, eliminador e não criador, do princípio de seleção? (TARDE, 1884, p. 630).

Tarde não deixa de admitir que, uma vez uma espécie criada, repetindo-se indefinidamente através das gerações, um quadro de luta e de concorrência se insinue no campo da natureza. O problema de seu ponto de vista é localizar nesse quadro secundário, resultado de variações que se determinam alhures, o essencial na gênese de novas espécies. O que é preciso explicar é o acordo, a adaptação ou readaptação que se opera no óvulo fecundado a partir de uma hibridação fecunda, esta sim origem de uma nova espécie. E aqui podemos observar que se a luta e o aborto se fazem ainda presentes, não se trata de um mecanismo que serve à elevação de uma variação que se pretende acidental e insensível ao estatuto de útil, oferecendo-se assim à acentuação operada pela seleção. Trata-se de uma luta interior ao óvulo fecundado, uma decisão misteriosa que se opera nos recônditos do ato de fecundação. E se bem conhecemos o estatuto da “luta” na filosofia da natureza tardiana, podemos suspeitar de que se trata de uma conversão espiritual aos moldes de potências que querem afirmar seu “plano cósmico” – nesse caso, seu “plano específico” – por sobre outras potências, por sobre outras linhas hereditárias que, no encontro da vida com a vida, querem conformar o mundo vivo aos seus desígnios.

(...) suponhamos que existam oposições biológicas especiais, desconhecidas em sua natureza própria, mas que podemos definir dizendo que seus termos x e y são entre eles biologicamente como são entre elas psicologicamente a afirmação e a negação de um mesmo princípio, a vontade de realizar e de não realizar uma mesma ação. Partindo daí, diremos que um tipo específico qualquer, ao mesmo tempo em que ele é uma afirmação ou uma vontade determinada, implica uma infinidade de negações

49 Na verdade talvez Darwin ele próprio não tenha desconhecido esse fato quando admite que as variações, de

causas múltiplas e desconhecidas, se apresentam como o “material” da seleção. Talvez não fosse sua preocupação explicar o que Tarde acreditar ser o essencial do fenômeno, preferindo tomá-lo como dado absoluto, ainda que não decifrável.

e de nolontés reveladas sucessivamente por seu contato com os tipos estrangeiros (TARDE, 1897b, p. 198).

Mas não podemos deixar de observar que Tarde foi claro ao dizer que se os “segredos” da vida se localizam no interior do germe fecundado e dependem, assim, do cruzamento de dois raios de expansão hereditários (do mesmo modo que uma invenção social depende do encontro, no cérebro do gênio individual, de duas correntes imitativas que circulam socialmente), isso não nos fornece em sua pureza original as operações que se passam nos recônditos do germe fecundado, mas apenas as “condições” nas quais elas se operam. Ora, sabendo do recurso à clareza dos fatos sociais na explicação do que há de fugidio no campo da natureza, nada de estranho em recorrer ao velho modelo da conversão espiritual pela relação entre potências de afirmar e de negar, de desejar e de afastar, afirmações e negações de “vontades biológicas”. O crescimento de um embrião individual não é nada além, dirá Tarde (1902a, p. 11), do que a refundação do tipo específico por um óvulo fecundado (ou seja, nascido de um cruzamento entre potências biológicas que querem conformar o mundo vivo à sua imagem) que se apropria desse tipo modificando solidariamente todas as suas partes “em virtude de uma correlação das mais íntimas e das mais profundas, onde reside o próprio mistério da criação das espécies”.

Diante do reconhecimento do mistério do qual não podemos ir muito além da descrição das condições nas quais ele se opera – encontro de linhas distintas de repetições biológicas seguida de uma modulação harmônica ou adaptação do que estaria condenado à contradição fora da colocação em uníssono dos termos mobilizados no óvulo fecundado, verdadeira “invenção biológica” – Tarde não se exime de recorrer à analogia. No mais, poderíamos nos perguntar se Tarde não acabou por assumir com isso a incapacidade daquilo que o levara a estabelecer uma crítica ao transformismo darwiniano. Não nos cabe julgar em termos da validade ou não do procedimento tardiano. Mas, de seu ponto de vista, se o mistério se conserva, segredo íntimo da vida, a analogia com os fatos sociais lhes explica de certo modo, ou ao menos é o que se pretende recorrendo à analogia. Com efeito, as analogias na descrição dos segredos da vida, da assimilação das moléculas de azoto, de hidrogênio, de oxigênio e de carbono que são “iniciadas de alguma maneira em seus mistérios particulares” (TARDE, 1884, p. 636), são marcadas por certa engenhosidade. Nada de novo em se tratando do pensamento tardiano. Vimos como cabe à analogia iluminar as criações, associações, possessões ou conversões espirituais que se desenrolam no campo da natureza. E o mundo da vida, “segredo que se transmite de molécula a molécula” (TARDE, 1897a, p. 163), sobretudo

em sua dimensão criadora, participa dessa obscuridade: é no “no mundo infinitesimal que se realiza o misterioso fenômeno no que ele tem de essencial”.

(...) façamos ato de modéstia e sinceridade. A vida é o segredo das moléculas, talvez dos átomos que a transmitem, que se passam uns aos outros um legado tradicional, incessantemente, mas lentamente aumentado, de ideias específicas50, de artes e de

virtudes características, monopolizadas pelos elementos da mesma espécie viva. Isso se realiza sob nossos olhos, em uma esfera de ação separada da nossa por uma

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