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3 DIREITOS SOCIAIS À SERVIÇO DA “EXISTÊNCIA DIGNA DO SER

3.4 ARTIGO 62 DA CLT FRENTE AO DIREITO AO LAZER

Denota-se até o presente momento, que quando se trata de jornada de trabalho, a legislação trabalhista possui especial relevância no que concerne as limitações da carga horária do trabalho, posto que tende a resguardar a saúde do trabalhador e, consequentemente, a saúde pública.

O descanso auxilia a reintegração do trabalhador a sociedade, já que o trabalho de certa forma o afasta do convívio social, tendo em vista que quando da dedicação exclusiva, sem limite de jornada o trabalho, há inevitável segregação do ser humano, causando-lhe fadiga e estresse.

Todavia, o artigo 62 da Consolidação das Leis Trabalhistas prevê hipóteses em que empregados são excluídos da proteção normal do trabalho, admitindo-se que estes não possuam direito a horas extraordinárias e adicionais.123

Dentre os referidos empregados, tem-se os gerentes, diretores e chefes de departamento, sob a justificativa de estarem investidos de poderes de gestão e por possuírem padrão mais elevado de remuneração em relação a seus subordinados.124

Tendo em vista, porém, que o texto normativo trabalhista remonta as necessidades do ano de 1943, quando foi outorgado, seu conteúdo sofreu muitas alterações até então, sendo que quanto ao aludido dispositivo legal, sua última alteração se deu 1994, já na vigência da Constituição de 1988, restando a seguinte redação:125

123

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 124

Ibid., 2008.

125

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm> Acesso em: 27 jun. 2014.

Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Por oportuno, ressalta-se que tais empregados, principalmente aqueles do inciso II, continuam possuindo subordinação e sujeito a modificações e/ou extinção da relação empregatícia como qualquer outro empregado, muito embora não aparente, devido a grande liberalidade de decisões que possui dentro da empresa.126

Nesse sentido, dentre os doutrinadores há grande discussão quanto a constitucionalidade do referido dispositivo, haja vista que ante as limitações constitucionais impostas à jornada trabalhista não há ressalva a qualquer grupo de trabalhadores, sendo, portanto, de aplicação geral e isonômica.127

Contudo, denota-se da jurisprudência que o artigo 62 da CLT vem sendo aplicado ao caso concreto, apesar da aparente contradição com a Constituição, havendo, portanto, a nosso ver, evidente violação aos Direitos Fundamentais desse grupo de empregados.

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 62, II, DA CLT. VIA DE EXCEÇÃO OU DEFESA. INOCORRÊNCIA. O art. 62, II, da CLT não obriga os gerentes a extrapolarem a jornada diária declinada pelo inciso XIII do art. 7º constitucional, mas apenas lhes retira o direito de receber horas extras, já que, acometidos de encargos de gestão, podem determinar seu próprio horário, não se submetendo ao poder diretivo do Empregador. De outra parte, a Lei Fundamental trata apenas genericamente da jornada de trabalho, não impedindo a legislação infraconstitucional federal de regulamentar especificamente o tema (CF, 22, I). Não há que se cogitar, portanto, da inconstitucionalidade do citado preceito consolidado,

recepcionado em forma e conteúdo pela atual Constituição.128

126

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

127

Ibid., 2010.

128

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 400267/1997. Relator Juiz Convocado: Marcio Ribeiro do Valle, 2ª Turma. Brasília, DF, 7 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&hi ghlight=true&numeroFormatado=E-RR%20-%20400267-

57.1997.5.09.5555&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAambAAB&dataPublicacao=07/12/2000&l ocalPublicacao=DJ&query=> Acesso em 3 jun. 2014.

Não obstante o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, novos estudos estão em voga no sentido de afirmar a inconstitucionalidade do atual artigo 62 da CLT com base a ofensa ao direito ao lazer do trabalhador, e por conseguinte, o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme se denota:

Os Direitos Sociais [...] detêm o escopo de permitir aos indivíduos a possibilidade de inserção plena na vida em sociedade e gozar de modo efetivo da dignidade humana ao ter a possibilidade de dedicarem-se a si mesmos. O Direito do Trabalho deve posicionar-se de modo que respeite os primados insculpidos pela Constituição Federal Brasileira quando estes forem mais favoráveis ao trabalhador. Neste diapasão, revela-se que a dignidade da pessoa humana que norteia os princípios constitucionais deve ser respeitada em plenitude. Logo, o artigo 62 previsto na CLT apresenta-se com clarividente violação aos ditames Magnos, na medida em que promove

ações que tolhem o trabalhador do gozo do direito ao lazer.129

Ademais, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

(ANAMATRA), aprovou o enunciado número 17 que estabelece a

inconstitucionalidade do referido artigo, proposta por Jorge Luiz Souto Maior:

17. LIMITAÇÃO DA JORNADA. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO A TODOS OS TRABALHADORES. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 62 DA CLT. A proteção jurídica ao limite da jornada de trabalho, consagrada nos incisos XIII e XV do art. 7o da Constituição da República, confere, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação da jornada de trabalho, tendo-se por inconstitucional o art. 62 da CLT.130

Nesse sentido, muito embora o enunciado supra não possua poder normativo, demonstra nova tendência do judiciário trabalhista, assim como a preocupação de fazer valer os Direitos Fundamentais de todos os trabalhadores, permitindo a fruição de seu tempo de descanso e lazer.

129

MACIEL, Álvaro dos Santos. O art. 62 da CLT e a ofensa ao direito ao lazer do trabalhador:

uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ id=6221>. Acesso em: 02 jun. 2014.

130

Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Enunciado, ANAMATRA. 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho. Enunciado nº 17. Disponível em: <http://www2.trt3.jus.br/cgi-

bin/om_isapi.dll?clientID=32492655&infobase=sumulas.nfo&jump=Enunciado%20079%2fAnamatra% 2fJornadaJTrabalho&softpage=Document42>. Acesso em 2 jun. 2014.