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6 As alternativas de diálogo de fontes no Direito brasileiro

No documento ISBN 978-85-61990-37-4 (páginas 47-50)

O Direito brasileiro insere-se no contexto jurídico internacional e fica sujeito à compatibilidade de seu ordenamento. Nessa medida, o critério da so-lução mais favorável aos direitos fundamentais permite superar eventuais diver-gências entre as fontes. Com o reconhecimento da estatura supralegal (embora

18 JACKSON, Vicki C. Progressive constitucionalism and transnational legal discourse. In: BALKIN, Jack M.; SIEGEL, Reva B. The constitution in 2020. New York: Oxford University Press, 2009. p. 292.

19 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direit-os fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 27-32.

infraconstitucional) dos tratados e convenções em geral pelo Supremo Tribunal Federal (RE 466.343-1/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 03/12/2008), ficou reforçada a alternativa do controle de convencionalidade, em que se verifica se o Direito interno infraconstitucional está conforme ao Direito Internacional. O diálogo de fontes autoriza um filtro duplo, que tem como parâmetro a norma mais favo-rável aos direitos fundamentais, seja constitucional (interna), seja convencional (internacional).

Está aqui uma “saída honrosa” para o caso da Lei de Anistia brasileira, em que o Governo pode cumprir a decisão da CIDH que decidiu pela invalidade (e os profissionais do Direito podem aplicar essa decisão), sem desrespeitar o jul-gamento do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a constitucionalidade da Lei 6.683/1979.20 A propósito, a diversidade de fontes apresenta uma nova pau-ta aos operadores jurídicos internos: o exame do cumprimento das condenações internacionais por violação de direitos fundamentais.21 As instituições nacionais devem promover a apuração e responsabilização de tais violações, quem sabe com uma especialização funcional da Magistratura, do Ministério Público e agora tam-bém da Defensoria Pública da União (cuja Lei Complementar 80/1994 – com a redação dada pela Lei Complementar 132/2009 – preceitua, no art. 4º, VI, dentre as funções institucionais da Defensoria Pública, a de “representar aos sistemas in-ternacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos.”).

A responsabilidade internacional dos Estados por violações de direitos fundamentais deve implicar em “satisfação”, que – segundo André de Carvalho Ramos – é “um conjunto de medidas de declaração da infração cometida e de ga-rantias de não-repetição”, que compreende as seguintes modalidades: a) “declara-ção da infra“declara-ção cometida e possível demonstra“declara-ção de pesar pelo fato”; b) “fixação de somas nominais e indenização punitiva”; c) “atos que visem a persecução dos agentes responsáveis pelos atos imputados ao Estado violador”; d) “diversas

obri-20 ROTHENBURG, Walter Claudius. Constitucionalidade e convencionalidade da Lei de Anis-tia brasileira. Revista Direito GV, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 681-706, jul./dez. 2013. p. 700-702. 21 O dever de investigar e punir os crimes contra a humanidade em âmbito internacional

en-contra fundamento na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. WEICHERT, Mar-lon Alberto; FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. A responsabilidade por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura militar. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo (Coord.). Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 511-568.

gações de fazer”, tais como reabilitação; “estabelecimento de datas comemorativas em homenagem às vítimas”; inclusão, em manuais escolares, de “textos relatando as violações de direitos humanos”.22 Veja-se a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Justiça no caso Damião Ximenes Lopes (04/07/2006).23

A relevância do Direito Internacional foi objeto de reforma constitucional (Emenda Constitucional nº 45/2004), que estabeleceu, no art. 5º, § 3º, da Consti-tuição, a possibilidade de internalização de um tratado sobre “direitos humanos” sob forma de emenda à Constituição.24 O mecanismo confere pontualmente ao Direito Internacional a categoria de norma constitucional e tende a uma unifica-ção normativa que realça os direitos fundamentais, embora não elimine o pro-blema de interpretações divergentes entre o Supremo Tribunal Federal e cortes internacionais.

Essa mesma reforma da Constituição brasileira instituiu o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal (art. 109 § 5º), em que o Procurador-Geral da República pode solicitar ao Superior Tribunal de Justiça que transfira para a competência do Poder Judiciário federal um caso de “grave violação de direitos humanos... com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte”. Embora seja um incidente judiciário de âmbito interno, têm-se como referência normas jurídicas de Direito Internacional.

Existe uma tendência contemporânea de reconhecimento expresso do Direito Internacional pelas Constituições. Nesse aspecto, o Direito Constitucio-nal de diversos Estados assemelha-se e tende a caminhar de mãos dadas com o Direito Internacional, cuja generalidade sugere certa primazia. Esse diálogo preferencial é facilitado por cláusulas de recepção contidas em Constituições contemporâneas, que André de Carvalho Ramos considera “‘cláusulas abertas’ de

22 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos hu-manos: seus elementos, a reparação devida e sanções possíveis: teoria e prática do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004a. p. 270-285.

23 O Decreto 6.185, de 13/08/2007, “[a]utoriza a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República a dar cumprimento à sentença exarada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”.

24 Como primeiro exemplo temos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova Iorque, 2007), aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto 6.949/2009.

compatibilização com os mandamentos internacionais”.25 Almeja-se uma com-patibilização sem hierarquização.

A Constituição portuguesa de 1976 preceitua, no art. 16.2 (sobre o âm-bito e sentido dos direitos fundamentais”): “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de har-monia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”. A Constituição espanhola de 1978 preceitua, no art. 10.2: “Las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la Constitución reconoce se interpretarán de conformidad con la Declaración Universal de Derechos Humanos y los tra-tados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificados por Es-paña.”. Trata-se do “princípio da interpretação em conformidade com a Declara-ção Universal”, segundo Canotilho e Moreira.26

A prevalência não deve orientar-se por um critério formal, conforme o âm-bito da norma jurídica (se de Direito interno ou de Direito Internacional), mas sim materialmente, conforme a regulação mais adequada aos direitos fundamentais.

7 O Supremo Tribunal Federal e o diálogo internacional entre

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