• Nenhum resultado encontrado

5 Superando o argumento da peculiaridade da forma de implementação dos direitos sociais como justificativa para o

No documento ISBN 978-85-61990-37-4 (páginas 174-177)

enfraquecimento de sua proteção

Os que se opunham à proposta de um único Pacto recorriam ao argu-mento da diversidade das formas de implementação de cada uma das categorias de direitos e alegavam que os direitos econômicos, sociais e culturais não são justiciáveis, ou seja, passíveis de cobrança jurídica. Sustentavam, ainda, que os mecanismos internacionais de supervisão e monitoramento aplicáveis aos direi-tos civis e políticos não seriam apropriados para o acompanhamento do cum-primento das obrigações relativas aos direitos econômicos, sociais e culturais. Prevaleceu, assim, a posição de que deveriam ser adotas duas técnicas de moni-toramento40.

No caso dos direitos econômicos, sociais e culturais, não foram previstos os mecanismos de comunicação interestatal e a sistemática das petições indivi-duais, como ocorre com os direitos civis e políticos. O sistema de monitoramen-to e implementação do Pacmonitoramen-to Internacional dos Direimonitoramen-tos Econômicos, Sociais e Culturais ficou restrito à apresentação de relatórios pelos Estados-Partes ao

39 Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral nº 03 (1990), UN Doc. E/1991/23, Annex III, apudSTEINER, Henry; ALSTON, Philip. International human rights in context, law, politics and morals. New York: Oxford University Press, 1996. p. 284. 40 Sobre o assunto ver PIOVESAN, Flávia C. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max

Secretário-geral da ONU que deverá encaminhar cópia ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) sobre as medidas - legislativas, admi-nistrativas e judiciais, dentre outras - adotas para a promoção de tais direitos. Os relatórios também deverão registrar os principais obstáculos enfrentados no processo de implementação das obrigações decorrentes do Pacto41.

Embora por ocasião da elaboração dos Pactos Internacionais tenham pre-valecido medidas que refletem uma visão fragmentária dos direitos humanos, a partir de 1968, com a Conferência de Direitos Humanos de Teerã de 1968 e a Resolução 32/130 de 1977 da Assembleia Geral da ONU (início de uma série de sucessivas resoluções da própria Assembleia e da Comissão de Direitos Huma-nos da ONU na mesma linha), houve uma reação significativa àquela concepção, por meio da proclamação solene da indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos, à luz da unidade fundamental de sua concepção42.

A Declaração e o Programa de Ação de Viena43 foram enfáticos ao assina-lar a necessidade de reduzir as disparidades de procedimento de implementação entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, assegurando a exigibilidade de pelo menos alguns deles44. Recomendam,

con-41 Em 1987, foi estabelecido um Comitê para os Direitos Econômicos Sociais e Culturais, composto de dezoito membros, com a incumbência de examinar os relatórios nacionais em sessão pública. 42 Cf. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos:

fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991.p. 40.

43 Na visão de Celso Lafer: "A Conferência de Viena foi a maior concentração de representantes de estados e entidades da sociedade civil em matéria de direitos humanos. Reuniu delegações de 171 Estados, teve 813 organizações não governamentais acreditadas como observadoras da Conferência e mobilizou 2000 organizações não governamentais no Fórum Paralelo da ONG's. Neste sentido explicitou (I) a globalização da temática dos direitos humanos [...] e (II) reconhe-ceu diplomaticamente a existência axiológica de um consensus omnium gentium a respeito da universalidade dos direitos humanos. [...] Com efeito, a Conferência de Viena, dada a sua rep-resentatividade, conferiu abrangência inédita aos direitos humanos, ao reafirmar, por consenso, sua universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relacionamento. Superou, assim, resistências derivadas do 'conflito de civilizações', aceitando a unidade do gênero humano no pluralismo das particularidades das nações e das regiões, e de seus antecedentes históricos, cul-turais e religiosos [...] Aceitou, e este é um ponto-chave, os direitos humanos como tema global e, portanto, como ingrediente de governabilidade do sistema mundial, ao reconhecer a legiti-midade da preocupação internacional com a sua promoção e proteção. Neste sentido, afastou a objeção de que o tema dos direitos humanos está no âmbito de competência exclusiva da sober-ania dos Estados e poderia ser excluído do temário internacional com fundamento no princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados". (LAFER, Celso. Prefácio.In: ALVES, Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. XXXIII). 44 Essa possibilidade já está prevista no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre

Dire-itos Humanos em Matéria de DireDire-itos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salva-dor de 1988), em relação ao direito de associação e liberdade sindical e ao direito à educação.

cretamente, a incorporação do direito de petição individual ao Pacto Internacio-nal dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, mediante protocolo adicioInternacio-nal, projeto em fase de elaboração na ONU. Com o escopo de fortalecer a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, a Declaração de Viena recomenda, além do direito de petição às instâncias internacionais e da adoção dos mecanis-mos de comunicações interestatais, a elaboração de um sistema de indicadores técnico-científicos para medir o progresso atingido na realização dos direitos previstos no Pacto de 196645.

No âmbito regional, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pro-tocolo de San Salvador)46 prevê, de forma explícita, a possibilidade de aplicar o sistema de petição individual no caso de violação de direitos sociais, notadamen-te no que se refere ao direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e filiar-se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses (art. 8º, alínea “a”) e ao direito à educação (previsto no art. 13).

No caso do direito à educação, o art. 13 retoma, em grande parte, os ter-mos do também art. 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, abaixo analisado. A grande novidade consistiu em anunciar, expres-samente, a possibilidade de justiciabilidade desse direito. De fato, conforme dis-posto no art. 19, inciso VI do documento, na hipótese de violação aos direitos ali mencionados, por ação imputável diretamente a um Estado Parte do Protocolo, mediante a participação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, quando cabível, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, autoriza-se a aplicação do sistema de petições individuais regulado pelos artigos 44 a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

A adoção do sistema de petições individuais em caso de violação de di-reitos sociais – recomendada pela Declaração de Viena e prevista expressamente no Protocolo de San Salvador para assegurar o direito à educação e a liberdade

45 Sobre as recomendações da Declaração e Programa de Ação de Viena, ver TRINDADE, Antô-nio Augusto Cançado. O legado da Declaração Universal e o futuro da proteção internacional dos direitos humanos. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do; PERRONE-MOISÉS, Cláudia (Orgs.).

O cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 85 et. seq.

46 O Protocolo de São Salvador foi adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 17 de novembro de 1998 e ratificado pelo Brasil em 21 de agosto de 1996.

sindical – mostra como a natureza dessa categoria de direitos não é incompatível com o estabelecimento desse tipo de mecanismo de monitoramento. Assim, fica demonstrado que o argumento da necessária diversidade de formas de imple-mentação dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos sociais e cultu-rais não é absoluto.

O Protocolo de San Salvador assume ainda outras medidas para superar a tese da incompatibilidade entre direitos civis e políticos e direitos econômicos sociais e culturais. Ao retomar, em seu Preâmbulo, o objetivo previsto na Con-venção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de “firmar, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social fundado nos direitos essenciais do homem [...]” con-sidera, explicitamente “a estreita relação que existe entre a vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais e a dos direitos civis e políticos, porquanto as diferentes categorias de direitos constituem um todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, pelo qual exigem uma tutela e promoção permanente, com o objetivo de conseguir sua vigência plena, sem que jamais possa justificar-se a violação de uns a pretexto da realiza-ção de outros”.

No documento ISBN 978-85-61990-37-4 (páginas 174-177)