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6 Interpretação dos tribunais

No documento ISBN 978-85-61990-37-4 (páginas 129-135)

Cabe trazer à colação alguns exemplos de decisões proferidas pelo Judici-ário, a fim de se ter uma visão panorâmica, ainda que breve, do posicionamento jurisprudencial atualizado nas hipóteses de demandas que versam sobre o direi-to à assistência à saúde.

11 YOSHINAGA, Juliana Yumi. Judicialização do direito à saúde: a experiência do Estado de São Paulo na adoção de estratégias judiciais e extrajudiciais para lidar com esta realidade. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, n. 24, p. 1-21, dez./fev. 2011.

O STJ tem decidido, de forma reiterada, que o Judiciário pode exercer o controle das políticas públicas e que o Poder Público deve ser compelido, excep-cionalmente, a fornecer medicamentos em caso de necessidade, não sendo opo-nível o princípio da reserva do possível ao mínimo existencial (STJ, 2ª. Turma, Agravo Regimental no Recurso Especial 1136549, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 21/06/2010).

Ainda no STJ, a obrigação do Estado no fornecimento gratuito de medica-mento também foi reconhecida em caso de moléstia grave, com fundamedica-mento no direito à vida e à saúde. O paciente pleiteou medicamento de que não dispunha o SUS; tendo esse ofertado uma segunda opção, inexiste a possibilidade de esco-lha, salvo demonstrada a imprestabilidade da opção oferecida (STJ, 2ª. Turma, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 28.338, Rel. Min. Eliana Cal-mon, DJe 17/06/2009).

Foi decidido pela obrigação do SUS em fornecer medicamentos, sem ha-ver falar em violação ao princípio da separação dos Poderes, bem como pela legitimidade dos entes federados no polo passivo da lide (TRF da 3ª. Região, 4ª. Turma, Apelação e Reexame Necessário n. 1410119, Rel. Des. Fed. Marli Ferrei-ra, DJF3 26/08/2011, p. 1031).

Em pleito para a realização de cirurgia ortopédica, restou afirmado que o princípio da reserva do possível não significa a impossibilidade de judiciali-zação de direitos sociais. Porém, a falta de recursos orçamentários, de um lado, e os custos das demandas, de outro, devem ser considerados em cotejo com as necessidades dos titulares dos direitos sociais. Destarte, apresenta-se o confron-to entre o direiconfron-to fundamental individual à vida saudável e o direiconfron-to coletivo de a sociedade arcar com custos que se afiguram realmente indispensáveis. Ao se fazer a ponderação entre esses direitos é imperioso que se aplique o princípio da precaução, em benefício da vida, de modo que restou mantida a sentença que julgara procedente a demanda, relativamente ao reconhecimento da obrigação do Estado quanto ao fornecimento do medicamento necessário, independente-mente de o mesmo constar ou não do rol das listas oficiais. (TRF da 4ª. Região, 3ª. Turma, Apelação Cível n. 2008.72.00.012395-4/SC, Rel. Des. Fed. Carlos Luiz T. Lenz, j. 10/11/2009).

Também há julgado no sentido da impossibilidade de condenação da União Federal, Estado-membro e Município em custear, de maneira definitiva, a

internação do paciente em instituição ao alvitre da família. Os entes estatais fo-ram compelidos a providenciar vaga no sistema público municipal da localidade onde os familiares tinham domicílio, com o custeio das despesas da internação, a tempo parcial, porquanto não havia sido demonstrado que a instituição pre-tendida na ação seria a única apta ao tratamento (TRF da 3ª. Região, Apelação e Reexame Necessário n. 0006899-90.2007.4.03.6000/MS, Rel. Des. Fed. Carlos Muta, j. 04/08/2011).

O STF negou seguimento a recurso do Estado, em face de decisão que o obrigou a fornecer medicamentos e insumos para tratamento de doença rara, de natureza grave e com indicação da incurabilidade. Considerando-se a existência de laudos médicos, nos autos, a Suprema Corte autorizou o fornecimento de medicamentos, com o custo anual de R$1 milhão, para os pacientes entre 14 e 19 anos de idade, ao fundamento dos princípios da proteção à infância e à juventu-de (art. 227 da CF), citando precejuventu-dentes (STA 244, 175 e 178) (STF, Suspensão juventu-de Tutela Antecipada – STA, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 13/09/2011).

Ainda, cumpre referir a demanda em que a União Federal requereu ao STF a suspensão da decisão do Tribunal de origem, ao argumento da ilegitimidade ativa do MPF e da ilegitimidade passiva da União; grave lesão à ordem pública, uma vez que o medicamento não contava com a aprovação da ANVISA e não constava da Portaria n. 1.318, do Ministério da Saúde; grave lesão à economia pública, em razão do custo mensal, R$52.000,00, além da possibilidade negati-va do efeito multiplicador. A Corte Suprema suspendeu a decisão hostilizada, porque a Agência Europeia havia indicado que o processo de avaliação contara com parecer negativo do Comitê de Medicamentos Para Uso Humano – CHMP, dado que o medicamento apresentara benefícios limitados (STF, Suspensão de Tutela Antecipada – STA 175, Agravo Regimental/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 06/06/2009, DJe-117, 25/06/2009).

Não se poderia deixar de mencionar o recurso de que deu azo à Repercus-são Geral n. 566.471/RN, no Pretório Excelso. De efeito, na apelação, o Tribunal de origem decidiu pela inocorrência de litisconsórcio passivo necessário e a im-possibilidade do Estado recusar-se a fornecer medicamento de alto custo, o que afrontaria direitos insculpidos na Constituição Federal (TJRN, Apelação Cível n. 2007.003192-7, Rel. Des. Anderson Silvino, j. 10/07/2007).

res-tou assentado o posicionamento de que o custeio para a realização de cirurgia e fornecimento de medicamento é responsabilidade das três esferas do Poder Executivo, de sorte que podem os interessados aforar demanda em face de qual-quer dos três entes da Federação (art. 198, par. 1º da CF), não se havendo afirmar a solidariedade passiva e, portanto, o litisconsórcio passivo necessário. No mérito, restou mantida a sentença de primeira instância. As razões do Recurso Extraor-dinário do Estado do Rio Grande do Norte se fundamentaram, em resumo, no princípio da reserva do possível, dado que os recursos orçamentários do Estado são finitos e a política de saúde pública é universal, sem contar a existência de outras despesas com educação, segurança etc. Ademais, esse fornecimento deve dar-se consoante a discricionariedade da Administração, mediante programa ela-borado pelos entes estatais, em conjunto. O Judiciário não pode adentrar o mérito administrativo. Os gastos do Rio Grande do Norte, apenas para cumprimento de decisões judiciais para fornecimento de medicamentos de alto custo, fora do Pro-grama de Dispensação do Ministério da Saúde, de janeiro a julho de 2007, alçaram quase dois milhões de reais, ou seja, mais de 76% dos gastos com saúde.

Referido recurso originou a Repercussão Geral no Recurso Extraordiná-rio n. 566.471/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe. 07/12/2007, ainda pendente de solução, sob o fundamento de que possui repercussão geral a controvérsia sobre a obrigatoriedade do Poder Público fornecer medicamento de alto custo, no âm-bito do direito à assistência à saúde.

Disso resultou a Proposta de Súmula Vinculante n. 4, no STF, formulada pelo Defensor Público Geral da União, em maio de 2009, com os seguintes argu-mentos, em síntese: em virtude da competência administrativa comum (art. 23, II, da CF e art. 7º, VI da Lei 8.80/90) e a jurisprudência do STF, existe a respon-sabilidade solidária dos entes políticos no fornecimento de medicamentos e de tratamentos médicos aos hipossuficientes, desde que demonstrada a imprescin-dibilidade dos mesmos, devendo ser rechaçada a alegação de ilegitimidade pas-siva das pessoas jurídicas de direito público; é possível o bloqueio de valores do Poder Público para custeio do fornecimento de medicamentos e de tratamentos médicos aos carentes, não podendo ser acatada a alegação de descompasso com o artigo 100, caput e par. 2º, da Constituição Federal.

Cabe trazer à luz a apontada Repercussão Geral no encaminhamento submetido pelo Exmo. Min. Marco Aurélio ao Egrégio STF, em 25/10/2007, ao

sustentar que o tema diz com a assistência estatal à saúde, de cariz coletivo. De modo percuciente, abordou o cerne do problema que atinge a vida e a saúde de muitas pessoas, os recursos orçamentários dos entes políticos e o Poder Judici-ário, que tem sido constantemente chamado a prestar a jurisdição em milhares de feitos sobre o assunto.

Nessa esteira, asseverou o eminente referido Ministro que “o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte desproveu apelação assentando a obrigatoriedade de o Estado fornecer medicamento de alto custo. Este tema tem-se repetido em inúmeros processos. Diz respeito à assistência do Estado no tocante à saúde, inegavelmente de conteúdo coletivo. Em outras palavras, faz-se em jogo, ante limites orçamentários, ante a necessidade de muitos considerada relação de medicamentos, a própria eficácia da atuação estatal. Em síntese, ques-tiona-se, no extraordinário, se a situação individual pode, sob o ângulo do custo, colocar em risco o grande todo, a assistência global a tantos quantos dependem de determinado medicamento, de uso costumeiro, para prover a saúde ou mini-mizar sofrimento decorrente de certa doença. Aponta-se a transgressão aos arti-gos 2º, 5º, 6º, 196, 198, par. 1º, 2º, da Carta Federal. Impõe-se o pronunciamento do Supremo, revelando-se o alcance do texto constitucional (...)”.12

Conclusão

Indubitavelmente, as controvérsias que permeiam o assunto ora enfocado, da judicialização do direito à saúde, são de grande complexidade, a exemplo das seguintes questões: se a responsabilidade dos entes políticos é solidária, para a definição do polo passivo dessas demandas; se o fornecimento de medicamentos pelo SUS, por vezes, de alto custo, colidem com o princípio da reserva do possí-vel; se medicamentos fora das listas oficiais devem ser fornecidos, para quem e de que maneira deverão se ministrados; se o deferimento judicial desses pedidos viola os princípios da separação de Poderes, da isonomia etc.

O assunto em tela tem importância para cada pessoa e para toda a comu-nidade, porque diz respeito à saúde, à vida, enfim, ao bem-estar dos indivíduos

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral em Recurso Extraordinário 566.471-6, Rio Grande do Norte. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 24 de outubro de 2007. Dados da publicação.

e da coletividade, motivo pelo qual deve ser objeto de aprofundados estudos e debates por parte de toda a sociedade brasileira, para que se possam encontrar as melhores soluções pelos Poderes constituídos, cabendo ao Judiciário relevante papel nessa ingente missão, especialmente na orientação a ser tomada no Pre-tório Excelso, na Proposta de Súmula Vinculante n. 4, o que se espera ocorra o mais breve possível.

Referências

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GOMES, Luiz Flávio. Judicialização da saúde: até onde pode o juiz interferir no orçamento público. Disponível em: <www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/ news/389207/?noticia=JUDIC>. Acesso em: 08 nov. 2011.

BRAZ, Kallini Vasconcelos et al. Efetivação do direito à saúde e concessão de medicamentos via ação judicial. Temas de Direito e Saúde, Brasília: Publicações da Escola da AGU, p. 39-55, 2010.

CAVALCANTI, Hylda. Quando o Judiciário contribui para a melhoria da saúde dos cidadãos. 2011. Disponível em: <www.cnj.jus.br/noticias/materias-especiais/15671: quando-o-judiciario-contribui-para a melhoria-d>. Acesso em: 12 set. 11.

GAZETA DO POVO. Notícias. Disponível em: <www.parana-online.com.br/canal/ direito-e-justica/news/389207/?noticia=JUDIC>. Acesso em: 08 set. 2011.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral em Recurso Extraordinário 566.471-6, Rio Grande do Norte. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 24 de outubro de 2007.

No documento ISBN 978-85-61990-37-4 (páginas 129-135)