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7 O Supremo Tribunal Federal e o diálogo internacional entre juízes na solução de casos de direitos fundamentais

No documento ISBN 978-85-61990-37-4 (páginas 50-57)

Uma consulta de sabor meramente ilustrativo à jurisprudência constitu-cional do Supremo Tribunal Federal brasileiro revela que, em casos recentes im-portantes relacionados a direitos fundamentais, houve referência expressa ao Di-reito estrangeiro e ao DiDi-reito Internacional. Seria muito conveniente que alguém procedesse a uma análise detida da quantidade e frequência dessa referência e, sobretudo, da influência efetiva que o argumento do Direito “de fora” (o diálogo de fontes e a análise das experiências jurídicas externas) desempenhou nesses casos. Não é, todavia, a proposta da presente abordagem, que apenas enfatiza a importância da comparação para a prática judicial.

Vejam-se alguns casos em que é utilizado o Direito Internacional:

25 RAMOS, André de Carvalho. A expansão do Direito Internacional e a Constituição brasileira: novos desafios. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Org.). Crise e desafios da constituição. Belo

Horizonte: Del Rey, 2004b. p. 291-320.

26 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada.

- a imprescritibilidade do crime de racismo, prevista no art. 5º, XLII, da Constituição brasileira, alcançaria uma publicação tida por antissemita? Ao en-tender que sim, o Supremo Tribunal Federal mencionou:

“6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restri-ções ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descen-dência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, ‘negrofobia’, ‘islamofobia’ e o anti-semitismo.” (HC 82.424-2/RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 17/09/2003);

- ao ser afirmada a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador no contrato de locação (Lei 8.009/1990, art. 3º, VII), invocou-se – não na ementa, mas no voto do Min. Celso de Mello – a Declaração Universal de Direi-tos Humanos, art. 25. 1 (RE 407.688-8/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 08/02/2006);

- na afirmação da necessidade de individualização da pena em face do regime de cumprimento integral em regime fechado, com a declaração de in-constitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990, art. 2º, § 1º), embora não se tenha feito referência na ementa do julgado, o voto do Min. Cezar Peluso alude ao Pacto de São José da Costa Rica, art. 5.6: “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.” (HC 82.959-7/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23/02/2006);

- na proibição da exigência de prisão para recorrer da condenação, existiu referência explícita à Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 7.2 (HC 89.754-1/BA, rel. Min. Celso de Mello, 13/02/2007);

- na validação da utilização de células-tronco embrionárias humanas pro-duzidas por fertilização in vitro, para fins de pesquisa e terapia (art. 5º da Lei 11.105/2005 – Lei da Biossegurança), o Min. Menezes Direito faz referência ao art. 4.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos27; a Min. Cármen Lúcia, aos art. 10 e 11 da Declaração Universal de Direitos Humanos e à Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (UNESCO, 1998)28;

27 “Toda pessoa tem o direto de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitraria-mente.”. Note-se que o Min. Menezes Direito foi voto vencido pela inconstitucionalidade. 28 “Art. 10. Nenhuma pesquisa do genoma humano ou das suas aplicações, em especial nos

campos da biologia, genética e medicina, deverá prevalecer sobre o respeito aos direitos hu-manos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana de pessoas ou, quando aplicável, de

o Min. Ricardo Lewandowski, ao art. 2.4 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2005)29, dentre outros (ADI 3.510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 28-29/05/2008);

- ao decidir a proibição de prisão civil do depositário infiel, em uma inter-pretação jurídica de compatibilização com a Constituição (que prevê a possibi-lidade no art. 5º, LXVII), mas de prevalência pontual do Direito Internacional, consignou o Supremo Tribunal Federal:

“2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Di-reitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos huma-nos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados inter-nacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele confli-tante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. “3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Di-reito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Re-pública Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibi-lidade de prisão civil do depositário infiel.”

(HC 95.967-9/MS, rel. Min. Ellen Gracie, 11/11/2008; des-tacamos);

grupos de pessoas.”; “Art. 11. Não é permitida qualquer prática contrária à dignidade humana, como a clonagem reprodutiva de seres humanos. Os Estados e as organizações internacionais pertinentes são convidados a cooperar na identificação dessas práticas e na implementação, em níveis nacional ou internacional, das medidas necessárias para assegurar o respeito aos princípios estabelecidos na presente Declaração.”. Note-se que a Min. Cármen Lúcia votou pela constitucionalidade.

29 “(A presente Declaração tem os seguintes objetivos:) reconhecer a importância da liberdade de investigação científica e dos benefícios decorrentes dos progressos da ciência e da tecno-logia, salientando ao mesmo tempo a necessidade de que essa investigação e os consequentes progressos se insiram no quadro dos princípios éticos enunciados na presente Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais”. Note-se que o Min. Ricardo Lewandowski votou pela constitucionalidade, porém sob diversos condi-cionamentos.

- no caso da proibição de importação de pneus usados ou remoldados (afronta à saúde e ao meio ambiente: Constituição, art. 170, I e VI, e seu parágra-fo único; art. 196 e art. 225), o autor (Presidente da República) fundamentou-se na Convenção da Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, datada de 1989 (ADPF 101/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 11/03/2009);

- a decisão de demarcação contínua da reserva indígena “Raposa-Serra do Sol” faz referência expressa – não na ementa, mas no voto da Min. Cármen Lúcia – à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007 (Pet. 3.388/RO, rel. Min. Carlos Britto, 19/03/2009);

- também na decisão de não-recepção da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), embora não haja referência na ementa do julgado, o voto do Min. Celso de Mello, por exemplo, alude à jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol e da Corte Europeia de Direitos Humanos (ADPF 130/DF, rel. Min Carlos Britto, 30/04/2009);

- a inconstitucionalidade da exigência de diploma de jornalista foi decla-rada com referência expressa ao art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos e inclusive à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Hu-manos (RE 511.961/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 17/06/2009);

- o reconhecimento da união civil de pessoas do mesmo sexo (art. 1.723 do Código Civil) contou com diversas referências ao Direito estrangeiro, inclusi-ve da União Europeia, nos votos, por exemplo, do relator, do Min. Gilmar Men-des e do Min. Celso de Mello, que cita os Princípios de Yogyakarta – Indonésia, 200630 (ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 04-05/05/2011).

8 Conclusão

O diálogo internacional entre juízes – e entre os diversos profissionais do Direito – é um aspecto do “diálogo de fontes”, em que o Direito de outros países

30 Resultantes de conferência da Comissão Internacional de Juristas e do Serviço Internacional de Direitos Humanos. O Princípio 24 dispõe: “Toda pessoa tem o direito de constituir uma família, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. As famílias existem em diversas formas. Nenhuma família pode ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer de seus membros.

(Direito estrangeiro) e o Direito Internacional constituem dados importantes para a solução adequada de problemas jurídicos. O conhecimento e a utilização do Direito externo e das experiências jurídicas alheias tornam-se uma exigência do trabalho jurídico e funciona como índice de qualidade. O argumento do Di-reito externo é uma ferramenta útil ao debate e à decisão judicial, devendo ser manejado com seriedade e destreza.

Para os direitos fundamentais, essa diversidade de fontes muito contribui, tendo em vista a diretriz interpretativa que orienta para uma aplicação jurídica que melhor contemple os direitos fundamentais.

É cada vez mais frequente e relevante a referência ao Direito estrangeiro e ao Direito Internacional, como pode ser verificado na jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federal.

A desconsideração do Direito estrangeiro e do Direito Internacional re-presentaram um modelo (superado) de desconhecimento ou de menosprezo. A referência meramente ilustrativa ao Direito “de fora” fornece um modelo (des-prezível) retórico ou de reforço. Todavia, a utilização efetiva das fontes e da expe-riência jurídica externas constitui um modelo de aplicação que deve ser adotado.

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