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AS ANTIGAS FAZENDAS NACIONAIS, HOJE ESTADUAIS E A

CAPÍTULO IV: LATIFÚNDIO E CONFLITO AGRÁRIO

2 AS ANTIGAS FAZENDAS NACIONAIS, HOJE ESTADUAIS E A

As antigas Fazendas Nacionais, pelo art.7º, das Disposições Transitórias da Constituição de 1946, passaram a se denominar de Fazendas Estaduais, cuja posse se deu por força deste artigo. Boa parte da formação econômica do Piauí está ligada às antigas Fazendas Nacionais. Estas fazendas eram localizadas, principalmente, nas regiões de Oeiras e Floriano, que eram em número de trinta. Primeiramente, pertenceram a Domingos Afonso Mafrense e, depois, em 1711, mediante legado deste à Companhia de Jesus, ou seja, aos padres Jesuítas. Tempos depois, foram confiscadas pelo Marquês de Pombal, Conde de Oeiras, D. Sebastião de Carvalho e Mello, por decreto de D. José I, Rei de Portugal, passando a pertencer à Coroa Portuguesa140.

Durante o período Colonial, as referidas fazendas eram chamadas de Fazendas do Fisco ou Fazendas Fiscais. Depois que o Brasil se separou de Portugal, em 1822, ditas terras passaram a pertencer ao Império do Brasil, passando a se chamarem de Fazendas Nacionais. A partir de 1946, receberam a denominação de Fazendas Estaduais. Sob a administração dos Jesuítas, as ex-fazendas de Mafrense experimentaram grande prosperidade, ampliando o seu número para trinta e nove. Em 1852, foi feito um inventário dessas fazendas, sendo constatado que abrangiam uma área de 145 léguas de extensão, por 75 ditas de largura, contendo 773 escravos, 49.214 cabeças de gado vacum e 11.906 bezerros, 3.598 cavalos e 908 poldros. Mais tarde, o rico patrimônio legado por

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GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 202-203.

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Mafrense, alternadamente administrado pelo governo ou arrendado a particulares, começou a definhar141.

Até 1971, as Fazendas Nacionais sempre foram objeto de contrato de arrendamento a particulares. A partir daí, todo esse patrimônio passou a sofrer novas e violentas mutilações, sendo transferido a particulares. Só na década de setenta do século passado, período mais voraz da entrega das fazendas a particulares, estima-se que mais de sessenta por cento de suas terras foram transferidas, a preços simbólicos, a título de incentivo, para grupos empresariais do Piauí e de fora do Estado, além de receberem a terra praticamente de mão beijada, ganharam também vultosos financiamentos da Sudene a juro baixo e para longo prazo de carência, para aplicar no desenvolvimento agropecuário dessas terras. Muitos desses grupos não tinham qualquer afinidade ou vocação com o setor agrário e desviaram o dinheiro recebido da Sudene para outras atividades. Sabe-se para onde foi o patrimônio mobiliário remanescente das Fazendas Estaduais, mas se desconhece o destino do gado vacum e cavalar. Alguns municípios nasceram das Fazendas Estaduais, tais como Santo Inácio do Piauí, Campinas, Isaías Coelho, Nazaré e São João do Piauí142, além de muitos outros.

Em 1950 existiam 7.580 estabelecimentos rurais com até 10 hectares. Em 1975 eram 154.613. Em 1970, conforme o IBGE 86% dos estabelecimentos estavam na faixa de até 50 hectares, sendo que, até hoje, o Piauí mantém uma grande concentração fundiária. Dados do INCRA revelam que 80 % das terras piauienses estão nas mãos de 20% dos proprietários rurais e que essas terras são responsáveis por apenas 20 % da produção agrícola do Estado. Com apenas 20% restantes, os pequenos produtores rurais são responsáveis por 80% da produção. Os 193.973 pequenos proprietários rurais piauienses possuem, juntos, 391.516 hectares de terras, enquanto os quatro maiores latifundiários somam 502.935 hectares143. O INCRA cadastrou uma área total de 1.193.046 hectares em poder de apenas 13 latifundiários. Mais de 90 % dessas são improdutivas. O documento da Igreja registra a existência de 200 mil famílias sem terras, compostas de desempregados, assalariados rurais, diaristas, posseiros, meeiros, arrendatários, etc144.

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TAVARES, Zózimo, op. cit., p.62

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TAVARES, Zózimo. 100 fatos do piauí no século 20. 3ª ed. Teresina: Halley, 2000, p. 62 - 63.

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Cf. CNBB - REGIONAL NORDESTE IV; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA; CÁRITAS; COMIDADES ECLESIAIS DE BASE. A questão da Terra no Piauí. Teresia: [sd].

O Estado do Piauí é proprietário de muitas terras públicas rurais patrimoniais discriminadas, arrecadadas e registradas em seu nome e de terras devolutas não- patrimoniais e não registradas, em vários municípios, principalmente os localizados na Centro e Sul do Estado145.

Somente as terras rurais patrimoniais originárias das antigas Fazendas Nacionais, hoje Fazendas Estaduais, depois de abatidas as que foram distribuídas a posseiros ou ocupantes, somam a astronômica área de 294.685.72,58 (duzentos noventa e quatro mil, seiscentos oitenta e cinco hectares, setenta e dois ares e cinqüenta e oito centiares)146.

Estas terras públicas rurais patrimoniais do Estado do Piauí estão assim distribuídas e localizadas nos seguintes municípios piauienses: Campinas do Piauí – 67.401.77,71 ha., Isaias Coelho - 37.570.21,10 ha, Oeiras – 82.614.86,11 ha., Santa Cruz do Piauí – 15.385.80,33 ha., São Francisco do Piauí - 12.710.67,00 ha. e Santo Inácio do Piauí com 79.002.40,33 ha147.

Ainda, consoante informações confirmadas no INTERPI148 estima-se que, presumivelmente, há uns 7.000.000 (sete milhões) de hectares de terras devolutas no Estado do Piauí. Antes desta estimativa, haviam sido discriminadas e transferidas a particulares 832.000 ha. Grande parte destas terras está sem dono e desocupada. As terras devolutas do Estado do Piauí se localizam, preponderantemente, na Região Sul. Um depoimento de um dos Assessores Jurídicos do INTERPI, Dr. Josué José Nogueira, filho do município piauiense de Parnaguá, no extremo sul do Estado, permite afirmar-se que a principal razão da demasiada proliferação das terras devolutas na região Sul do Piauí foi o cerrado. O cerrado, como o nome já induz, é um solo constituído de serras e colinas, que até poucos anos atrás ninguém queria porque pensava que, em mesmo se plantando, não dava. Todavia, de uns anos para cá foi descoberta a sua verdadeira vocação, fundamentalmente, para o cultivo da soja e arroz. Enquanto isso, aquelas terras continuaram e continuam, ainda, como devolutas estaduais, posto que, sem dono, desocupadas, uma vez que o poder público, também, descurou de sua destinação, por não 144

Cf. TAVARES, Zózimo. 100 fatos do piauí no século 20. 3ª ed. Teresina: Halley, 2000, p. 72-73.

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NOGUEIRA, Josué José. Entrevista concedida por Assessor Jurídico do Instituto de Terras do

Piauí - INTERPI, Teresina. Teresina-PI, 12 dez. 2002.

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NOGUEIRA, Josué José. Entrevista concedida por Assessor Jurídico do Instituto de Terras do

Piauí - INTERPI, Teresina. Teresina-PI, 12 dez. 2002.

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NOGUEIRA, Josué José, op. cit.

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compatibilizá-las com a política agrícola e um plano de reforma agrária, como estabelecem a Constituição Federal (art.188) e a Constituição Estadual ( art. 197).

Os municípios do Piauí onde existem mais terras devolutas, a serem discriminadas e arrecadadas, são Bertolínea, Caracol, Cristino Castro, Eliseu Martins, Jerumenha, Palmeira do Piauí, Pimenteiras, Ribeiro Gonçalves, São João do Piauí, São Miguel do Tapuio, São Raimundo Nonato, Uruçuí, além de muitas outras. A verdade é que os municípios, uns mais e outros menos, todos abrigam terras devolutas estaduais em seus territórios149.

Ao descobrir a vocação telúrica do cerrado, muita gente, com ou sem vocação agrária, correu àqueles campos, vindas do Nordeste ou mesmo do Sul do País. Alguns com intuito manifestamente especulativo, ignorando a origem das terras, invadem-nas e delas se apoderam, sob a alegação infundada de torná-las produtivas. Há casos em que o suposto proprietário ou posseiro em conluio com preposto de cartório forjam títulos falsos como forma de transferência do domínio, sabendo inconcebível sob o império da lei, da ética e da justiça.

Consta que no Norte do Estado não existem terras devolutas, ou existem poucas, mormente porque não houve uma causa influente nesse processo como no Sul do Estado.

O Piauí era para ser hoje uma economia forte no setor agropecuário, como foi no final do século XVIII e durante o século XIX, mas, como ocorreu na antiga Roma, foi engolido pelo latifúndio devoluto e privado improdutivo. De qualquer modo não se pode negar a vocação do Estado para a agropecuária, que evoca, também, a cooperação da UFPI e dos demais cursos médios e superiores da área no sentido de fazer cumprir a hipoteca ou função social da propriedade territorial rural no seu âmbito, principalmente, no que diz respeito às suas terras públicas e devolutas. Direito Agrário que deveria ser uma disciplina obrigatória é, apenas, facultativa na UFPI, podendo, a falta de uma providência, até mesmo ser excluída do curso a qualquer tempo. A má distribuição e a falta de distribuição ao produtor rural dos 7.350.000 hectares de terras públicas e devolutas do Estado do Piauí criaram conflitos agrários e acarretaram atrasos

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NOGUEIRA, Josué José. Entrevista concedida por Assessor Jurídico do Instituto de Terras do

extraordinários ao seu desenvolvimento agrário, social e econômico e à população em geral. Para corrigir tais distorções é preciso agir urgentemente fazendo a justa distribuição destas terras públicas e devolutas para a reforma agrária, e levar a seus beneficiários os incentivos da política agrícola e fundiária.