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CAPÍTULO II: TERRAS DEVOLUTAS

2 CONCEITO DE TERRAS DEVOLUTAS

2.1 CONCEITO LEGAL DE TERRAS DEVOLUTAS

ocupação produtiva da terra pública.

A ocupação e usucapião são formas pelas quais particulares podiam adquirir terras públicas, sem origem em título expedido pelo Estado. A ocupação, conforme foi dito, é o apossamento pelo particular de terras do domínio público, sem a expedição de título de domínio pelo Estado, a título precário ou através de sua exploração agrícola, pecuária e extrativa, respeitado o requisito da moradia habitual. Quanto ao usucapião de terras devolutas é sabido que, embora tenha sido autorizado em todas as Constituições Republicanas até à Emenda Constitucional de 1969, foi, contudo, vedado pelo Parágrafo único do art. 191, da Constituição de 1988. Segundo corrente doutrinária e jurisprudência respeitável – conquanto não dominante -, as terras devolutas seriam usucapíveis se completado o prazo de trinta anos, antes da edição do decreto nº 22.785, de 31.05.1933. Consta que nos primórdios, a posse correspondia à pequena propriedade, criada pela necessidade, na ausência de providência administrativa sobre a sorte do colono livre, e vitoriosamente firmada pela ocupação90.

Feitas essas considerações sobre acepções do termo “devoluto”, apresenta, a seguir, o conceito legal e popular ou vulgar de terras devolutas.

2.1 CONCEITO LEGAL DE TERRAS DEVOLUTAS

Como o nome indica, foi dado pela lei. O art. 3º, da Lei nº 601, de 18.09.1850, definiu o conceito legal, nos seus incisos de I a IV, por exclusão de outras terras públicas ou particulares, não consideradas, de logo devolutas. Ou seja, na época em que entrou em vigor a Lei das Terras (Lei nº 601/1850), eram consideradas devolutas aquelas terras que não se destinassem a algum fim público ou particular. Desse modo, eram devolutas as que, apesar de não terem sido dadas em Sesmarias aos particulares, não foram utilizadas em algum uso público.

Com efeito, O Decreto-lei nº 9760, de 5.09.1946, em seu art. 5º, definiu melhor o conceito de terras do que a Lei nº 601/1850, ao assim dispor:

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LIMA. T. H. Miranda. Terras devolutas - III. In FRANÇA, R Limongi (Coord).v. 72. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 363-366.

“terras devolutas são aquelas que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, não se incorporaram ao domínio privado”.

A verdade é que o instituto das terras devolutas, apesar de algumas de suas raízes fincadas no regime português das Sesmarias, todavia, é ele genuinamente brasileiro, e foi criado por efeito de penalidades cominadas aos sesmeiros em virtude do não cumprimento da legislação agrária da Coroa Portuguesa e depois do Império do Brasil. As terras eram distribuídas inicialmente pelos Capitães-Mores, depois pelos Governadores- Gerais, pelos Vice-Reis e até pelos Imperadores, através de Cartas de Sesmarias, aos sesmeiros, com a obrigação de demarcar as terras, confirmar e cultivá-las até dois anos, sob pena de incorrer na pena de comisso. Ou seja, se o sesmeiro ou ocupante não demarcassem, confirmassem ou cultivassem referidas terras, além do pagamento de penas pecuniárias, devolviam-nas à Coroa ou ao Império. Daí o nome até hoje consagrado de terras devolutas. Como os sesmeiros, ou ocupantes costumeiramente não cumprissem suas obrigações por falta de recursos ou mesmo por negligência, o Brasil se tornou proprietário de uma imensidão de terras devolutas que deveriam ser destinadas aos particulares.

Por isso é que se diz com base em autores nacionais, e na prática corrente, que as terras devolutas deram origem à propriedade privada individual e pública.

Como se observa, mesmo em Portugal com a implantação do Regime das Sesmarias por Dom Afonso I, desde 1375, e depois no Brasil, com a transladação do mesmo regime, a partir da colonização, já havia uma preocupação dos governantes no sentido de tornar a terra produtiva através de uma legislação agrária adequada. Todavia, os seus destinatários que eram os ocupantes, posseiros ou proprietários não cumpriam os deveres impostos nas Cartas de Sesmarias e em outros regulamentos e as terras volviam, novamente, ao Poder Público (Coroa Portuguesa ou Impérios do Brasil). Aliás, por influência, ainda, da legislação sesmarial (Lei 601/1850 e seu Regulamento nº 1818/1854) e em menor escala até mesmo por influência da legislação de hoje, terras rurais, que deveriam ser particulares, retornam ao Poder Público, por descumprimento de obrigação legal ou contratual, não mais em virtude do comisso, mas da reversão.

Aqueles que recebiam terras de Sesmarias, durante a Colônia e no Império, tinham o encargo de torná-las, produtivas, no prazo de dois anos, bem como de demarcá-las, medi-las e confirmá-las sob pena de comisso. Estes requisitos constam de dispositivo da Lei nº 601, de 18.06.1850 e fazem parte, pois, do conceito legal de Terras Devolutas. Vê- se, pois, que a devolução das terras à Coroa ou ao Império era uma conseqüência do fato de haver o adquirente caído em comisso, por descumprimento das condições impostas.

As terras assim consideradas eram tidas como devolutas ou devolvidas ao Poder Público para redistribuições, de que adveio o designativo de “Terras Devolutas”. Este é um conceito legal português, mas que, também, é seguido, em parte pela doutrina brasileira.

Deduz-se da interpretação de toda a legislação sesmarial, vigente a partir da Colonização, que toda e qualquer terra devoluta resulta da reversão ao Poder Público (Coroa, Império, hoje União) de uma sesmaria completa ou parte dela, distribuída anteriormente, cujos beneficiários incorreram em comisso porque não cumpriram as condições legais e contratuais impostas nas cartas de sesmarias.

Assim, para o conceito legal, terras devolutas são aquelas, cuja tentativa de transferir ao particular, sob a forma de Sesmaria, não deu certo, e, por isso, voltou ao domínio público. Por este conceito não existem ou existiam terras devolutas, que não tenham sido dadas antes em Sesmaria e que por inação dos seus beneficiários foram devolvidas ao patrimônio público.

Todavia, do estudo acurado da doutrina moderna, calcada nas obras literárias de jus-agraristas renomados e na tradição dos usos e costumes do povo brasileiro, chega-se à conclusão de que existiam, e, ainda hoje existem, terras devolutas não dadas em Sesmarias, e, que, nem por isso, perderam ou perdem a sua característica. Esta conclusão se funda no conceito popular ou vulgar de que devoluta quer dizer sem dono, desocupada, como disse Clóvis Beviláqua, ou de ninguém, solta ou sobra do Estado, no entender de qualquer do povo.

O conceito legal, inicialmente, foi definido pelo artigo 3.º e seus parágrafos, da Lei nº 601, de 18.06.1850, quando descreveu quatro situações caracterizadas como de

terras devolutas. A primeira é prevista no parágrafo 1º, do art. 3º daquela lei, que considera devolutas as terras que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial, ou municipal. A segunda, descrita pelo parágrafo 2º, considera como tais as não encontradas no domínio do particular por qualquer título legítimo, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. A terceira situação é a do parágrafo 3º, que considera devoluta as terras que apesar de terem sido dadas por sesmarias ou outras concessões do governo, mesmo incursas em comisso, foram revalidadas pela lei. E finalmente, as indicadas pelo parágrafo 4º que não se acharem ocupadas por posses, nem se fundarem em título legal, forem legitimadas por aquela lei.

O art. 3º, da mencionada lei, nos seus Parágrafos 1º a 4º, definiu terras devolutas por exclusão de suas finalidades, sempre utilizando a expressão “as que não (...)”.

Quanto ao Parágrafo 1º, da mesma lei, quaisquer terras públicas que não estejam utilizadas num fim público nacional, estadual ou municipal, são tidas como devolutas.

As terras devolutas de que cuida o Parágrafo 2º, do mesmo artigo citado, são aquelas que não se acham no domínio do particular por falta de um título legítimo não concedido ao pretendente na época oportuna, ou porque não foram dadas em sesmaria ou através de outras concessões do Governo-Geral ou Provincial. Por isso mesmo não estão incursas em comisso, uma vez que, sendo públicas, tais terras não estão sujeitas à medição, confirmação e cultura efetiva.

O Parágrafo 3º faz referencia a terras que não foram identificadas como oriundas de sesmarias, ou concessões do Governo, que entretanto, incursas em comisso, poderiam ser revalidadas pela mencionada lei.

Pela semelhança entre os conceitos apresentados por Teixeira de Freitas e o legal, infere-se que o conceito de terras devolutas de que trata o art.3º, da Lei nº 601, de 18.09.1850, tenha sido extraído do apresentado por aquele insigne jurisconsulto.

Finalmente, o Parágrafo 4º, diz respeito às terras sem ocupação, que mesmo sem se fundarem em título legal, foram legitimadas.

Daí porque as terras rurais abandonadas, por longo prazo, embora tenham tido, primitivamente, possuidores e proprietários, ainda que a justo título e boa-fé, transformaram-se em “terras desocupadas, sem dono”, no dizer do jurista Clovis Bevilaqua91 .

A verdade é que o conceito de “terras devolutas”, dado pelo art. 3º e seus parágrafos 1º a 4º, da Lei nº 601/1850, é bastante confuso e de difícil interpretação. Tal conceito é feito por exclusão de outras terras públicas ou particulares, não consideradas, de logo devolutas. Ou seja, na época em que entrou em vigor a Lei das Terras (Lei nº 601/1850), eram consideradas devolutas aquelas terras que não se destinassem a algum fim público ou particular. Desse modo, eram devolutas as que, apesar de não terem sido dadas em Sesmarias aos particulares, não foram utilizadas em algum uso público.

O conceito, a ser extraído dos Parágrafos 2º a 4º, do mencionado artigo 3º, tem estreita relação com os institutos de posse, do domínio e do comisso. Da redação do Parágrafo 2º, pode-se deduzir que são tidas como devolutas as que não se acharem ocupadas por particulares, sem título legal de sesmaria ou outras concessões do Poder Público, que, por isso, seus ocupantes não incorreram em comisso. Quanto ao Parágrafo 3º, podem ser consideradas como tais aquelas que, apesar de não terem sido adquiridas por Sesmarias ou Concessões do governo e incursas em comisso por inadimplememento de obrigação legal ou contratual, foram revalidadas por aquela lei (Lei nº 601/1850). E, finalmente, aquelas que segundo o Parágrafo 4º, não estavam ocupadas por ninguém, todavia, havia um presuntivo dono com título irregular, que inobstante, foram legitimadas por aquela lei.

Um sempre manifesto cuidado da Lei nº 601/1850 foi o de respeitar sempre, e se possível, legitimar a detenção de posse daqueles que, sem título dominial, satisfizessem os requisitos absolutamente imprescindíveis da cultura efetiva e morada habitual.

Todavia, “tudo o mais, que estivesse naquele tempo, desocupado, desabitado, não cultivado, vago, e não reservado para o uso público, seria devoluto” 92.

O mesmo Delmiro dos Santos, calcado na Lei nº 601/1850, define terras devolutas como sendo aquelas que não estão incorporadas ao patrimônio público, como próprias, ou

91

Citado in: LUZ, Valdemar P. da. Curso de direito agrário. 1.ed. Porto Alegre: Livreiros, Editores e Distribuidores Ltda, 1993, p.93.

92

aplicadas ao uso público, nem constituem objeto de domínio ou de posse particular, manifestada esta em culturas efetiva e morada habitual.

O Artigo 5º, do Decreto-lei nº 9760, de 5.09.1946, definiu “terras devolutas” como sendo aquelas que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, não se incorporaram ao domínio privado.