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CAPÍTULO II OS ESTÚDIOS DE ÓPERA

2.1 AS APRESENTAÇÕES PÚBLICAS DAS MONTAGENS DE

Para conseguir os objetivos que desejava, Stanislavski trabalhou longamente com os cantores, já que bons resultados são fruto de um trabalho árduo e demorado. A primeira tarefa necessária era fazer com que os cantores tivessem sensibilidade suficiente para absorver o potencial total das palavras que estavam cantando. Era necessário, por mais que a estrutura fosse a de um estúdio, que alguns resultados fossem sendo postos em cena, já que o objetivo inicial era aproximar os dois teatros (Bolshoi e TAM) e promover uma melhoria nos espetáculos de ópera. Assim, Stanislavski começou a ensaiar cenas da ópera Eugène Onegin, de Tchaikovsky e de Rusalka, de Dargomizhski, apresentando-as ao fim de junho de 1920, ainda com público privado. Os desafios de ensaiar trechos de uma ópera como Onegin estavam na extrema necessidade de dicção do poema de Pushkin e na profundidade psicológica apresentada pelas personagens. Contudo, estes eram justamente pontos os quais Stanislavski gostaria de desenvolver com os cantores e que ele apontava como deficientes nos espetáculos até então representados.

Mostrar produtos do trabalho publicamente começou a se fazer necessário e a curiosidade em cima do trabalho de Stanislavski no Estúdio era crescente. Assim, em 18 de abril de 1921, membros do Primeiro e Segundo Estúdios e da companhia do Bolshoi apresentaram a que foi intitulada Uma noite de Rimski-Korsakov no Estúdio de Ópera. Outra Noite de Rimski- Korsakov foi apresentada, em 9 de junho, dessa vez pelos estudantes do Estúdio e no teatro do TAM (Benedetti, 1999, p. 257). Rumyantsev comenta que esta apresentação

[...] seria não apenas importante, mas decisiva. Muitas pessoas de teatro haviam escutado sobre os experimentos de Stanislavski com ópera e estavam aguardando ansiosamente e com interesse a apresentação pública. Alguns tinham preconceito contra eles e outros estavam esperançosos e com animadas expectativas.

Os bastidores dos Teatros de Moscou estavam cheios de rumores sobre o método de trabalho de Stanislavski com os cantores, já que descrições parciais sobre o mesmo tinham vazado e dado munição para aqueles que eram contra e aqueles que eram a favor de mudanças (Stanislavski; Rumyantsev, 1998, p, 39)21.

Por ser a primeira aparição do Estúdio e ainda por ter sido cedido o palco do Teatro de Arte de Moscou para a mesma, havia bastante responsabilidade e ansiedade por parte dos jovens cantores, até então desconhecidos e apenas ligados ao nome renomado de Stanislavski. No repertório escolhido estava o prólogo de A dama de Pskov e cenas de O conto do czar Saltan e A noite de Natal, de Rimski-Korsakov. A escolha de tais trechos não foi aleatória: eles necessitavam de “verdadeira atuação”, o que era não apenas um desafio, mas uma forma de colocar em prática os ensinamentos que estavam recebendo no Estúdio. A recepção do espetáculo foi boa já que, segundo Rumyantsev, a forma de ensinar a atuar e a direção de Stanislavski foi tão poderosa que “a audiência ouviu o prólogo de A dama de Pskov com respiração suspensa, e riram ruidosamente com o cômico Czar Saltan” (Stanislavski; Rumyantsev, 1998, p. 39)22.

A próxima produção, em 14 de julho de 1921, foi Uma noite de Pushkin, desta vez homenageando o romancista e poeta russo Alexander Sergueievitch Pushkin (1799-1837). Dentre os trechos escolhidos, estavam três cenas de Eugène Onegin, e o prólogo de O conto do czar Saltan, ambos com texto de Pushkin.

21 “[…] would not be only important but decisive. Many theatre people had heard of Stanislavski’s experiments with opera and were looking forward with interest to their public presentation. Some were prejudiced against them and some were filled with hope and lively expectation. The wings in Moscow’s theatres were full of rumors about Stanislavski’s method of work with singers, since partial descriptions of it leaked out and gave ammunition to those who were against and those who were for change”.

22 “the audience listened to The Maid of Pskov with bated breath, and they laughed loudly at the comic Tsar Saltan”.

Rumyantsev mais uma vez comenta sobre a recepção destas primeiras apresentações de maneira bastante positiva:

No balanço da conta dessa primeira temporada do Estúdio é necessário dizer que ela não era ainda um evento histórico na vida do teatro de Moscou. Ainda assim, havia um número de especialistas que perceberam que nesses “esboços”, na especial aproximação de Stanislavski com a ópera, nos seus esforços em combinar a música com as palavras e ambas com os movimentos rítmicos dos cantores-atores, eles poderiam experenciar novas reações a óperas famosas (Stanislavski; Rumyantsev, 1998, p. 41-42, grifo da autora)23.

O que Rumyantsev afirma, neste trecho, é que, apesar de não terem sido estas primeiras apresentações totalmente inovadoras, já havia sido possível começar a constatar os elementos novos que Stanislavski estava propondo. Tais elementos não se referiam, apesar de especialmente, “apenas” ao trabalho do cantor-ator, mas a toda a concepção do espetáculo, inclusive os cenários.

Em paralelo às primeiras apresentações do Estúdio de Ópera, outros acontecimentos estavam mudando a configuração da vida de Stanislavski. Ele havia recebido a notícia de que seria despejado de Carriage Row. Até então ele tinha conseguido manter a casa, após a Revolução, deixando outros membros do Primeiro Estúdio ocuparem-na e usarem as salas grandes para ensaios. Agora, ele perderia os poucos quartos que ainda ocupava. Segundo Benedetti (1999), o porquê as autoridades resolveram tomar essa medida àquela altura dos acontecimentos

23 “In balancing the account of this first season of the Studio it is necessary to say that it was not yet an epoch-making event in the thatre life of Moscow. Still there were a number of experts who realized that in these “sketches”, in Stanislavski’s special approach to opera, in his efforts to blend music with the words and both with the rhythmic movements of the actor-singers, they could experience new reactions to well-known operas”.

não ficou claro. O fato é que Stanislavski, apesar de ter cuidado para que os outros tivessem comida e um lugar para ficar, não agiu em benefício próprio contestando o despejo. Foi Anatoly Lunacharski (1875-1933) que tentou intervir e conseguiu como resposta, de um oficial, que a integridade artística de Stanislavski não estava sendo contestada; sua casa, porém, sendo enorme, forneceria muito espaço para “meios de transporte”. Considerando esta resposta insuficiente, Lunacharski clamou que essa atitude teria repercussões pela Europa e conseguiu dar direto com Lenin. A solução de Lenin, então, conforme muito bem profere Benedetti (1999, p. 258), foi engenhosa: ele realojou Stanislavski e o Estúdio de Ópera ao mesmo tempo, de forma que o seu local oficial de trabalho se tornou também a sua casa. E, diga-se de passagem, ficando, desta maneira, maior o acesso e o controle às suas atividades. Assim, Stanislavski mudou-se para a Alameda Leontievski, número 6 (agora chamada Alameda Stanislavski), a apenas alguns minutos de caminhada do TAM, em 5 de março de 1921. A casa na Carriage Row havia sido desocupada, lar de Stanislavski desde 1903. O espaço da nova casa, entretanto, foi perfeito para a montagem que fez com que o Estúdio fosse devidamente reconhecido, Eugène Onegin.

Figura 03: Salão na casa da Alameda Leontievski, onde ensaios e performances eram realizadas.

Fonte: Stanislavski on Opera (1998)

Com o Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi foram realizadas as seguintes montagens: Werther, em agosto de 1921, de Jules Massenet (libreto de Édouard Blau, Paul Milliet e Georges Hartmann); e Eugène Onegin, em junho de 1922, de Tchaikovsky (libreto do próprio compositor, seu irmão Modest, e Constantin Shilovsky).

Após 1924 houve a separação entre o Estúdio e o Teatro Bolshoi. O Estúdio passou a se chamar, então, Estúdio de Ópera

Stanislavski. Após 1926, entretanto, ele foi renomeado para Estúdio-Teatro de Ópera e, em 1928, Teatro de Ópera de Stanislavski. A partir de 1926 o Estúdio se firmou no Teatro Dmitrovski, que passou a se chamar, a partir de 1928, de Teatro de Ópera Stanislavski24.

As outras produções realizadas, após a separação do Bolshoi foram: O casamento secreto, em abril de 1926, de Cimarosa, (libreto de Giovanni Bertati); A noiva do czar, em novembro de 1926, de Rimski-Korsakov (libreto de Il’ya Tyumenev); La Bohème, em abril de 1927, de Giacomo Puccini (libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa); Uma Noite de Maio, em janeiro de 1928, de Rimski-Korsakov (libreto do próprio compositor); Boris Godunov, em março de 1928, de Modest Mussorgsky (baseado na história homônima de Pushkin e na História do Estado Russo de Karamzin (Kobbé, 1997, p. 479); A dama de espadas, em fevereiro de 1930, de Tchaikovsky (libreto de Modest Tchaikovsky); O Galo de Ouro, em maio de 1932, de Rimski-Korsákov (libreto Vladimir Belsky). Nessas duas últimas produções, Stanislavski não teve tanta frequência nos ensaios devido ao seu frágil estado de saúde. Apenas as produções até 1928 foram inteiramente e diretamente dirigidas por ele.

As últimas produções do Estúdio foram: O Barbeiro de Sevilha, em outubro de 1933, de Gioacchino Rossini (libreto de Cesare Sterbini); Carmen, em abril de 1935, de Georges Bizet (libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy); Don Pasquale, em maio de 1936, de Gaetano Donizetti (libreto de Giovanni Ruffini e do próprio compositor); e, finalmente, Rigoletto, que foi ao palco em março de 1939, do compositor Giuseppe Verdi (libreto de Francesco Maria Piave). Esta última produção, fora os planos de palco e encenação, pouca participação teve de Stanislavski, e foi completada por ninguém menos que Vsevolod Meyerhold (1874- 1940), que novamente esteve muito próximo de Stanislavski até o fim de sua vida.

24 Os respectivos nomes foram obtidos no livro Stanislavski on Opera, 1998, p. X., e foram livremente traduzidos pela autora de, respectivamente: Stanislavski Opera Studio; Opera Studio-Theatre e Stanislavski Opera Theatre.

Segue, abaixo, para melhor visualização, uma tabela com as apresentações e as datas de suas respectivas premières:

Ópera Compositor Première

Uma noite de Rimski-Korsakov - 09.05.1921

Uma noite de Pushkin - 14.07.1921

Werther Massenet 02.08.1921

Eugène Onegin Tchaikovsky 15.06.1922

O Casamento Secreto Cimarosa 05.06.1926

A noiva do czar Rimski-Korsakov 28.11.1926

La Bohème Puccini 12.04.1927

Uma Noite de Maio Rimski-Korsakov 19.01.1928

Boris Godunov Mussorgski 05.03.1928

A Dama de Espadas Tchaikovsky 26.02.1930

O Galo de Ouro Rimski-Korsakov 04.05.1932

O Barbeiro de Sevilha Rossini 26.10.1933

Carmen Bizet 04.04.1935

Don Pasquale Donizetti 22.05.1936

Rigoletto Verdi 10.03.1939

Tabela 01 – Lista completa de óperas do Estúdio de Stanislavski É preciso perceber que em todos esses anos de montagens de óperas, pesquisas e ensaios, os projetos de Stanislavski aconteciam de maneira concomitante. Ele nunca ficou com apenas uma produção ou projeto, trabalhando paralelamente na escrita de seus livros (até onde foi possível), nas produções teatrais do TAM e nas montagens de ópera. Também, durante o período da viagem do TAM ao exterior, entre 1922 e 1924, os estúdios (Primeiro, Segundo, de Ópera), ficaram em estado pobre já que a realidade da Rússia havia se modificado drasticamente. Stanislavski teve que reerguer em sua volta, com muito trabalho, tais estabelecimentos e batalhar para continuar suas produções. Ademais, a partir de 1928 a saúde de Stanislavski foi se agravando e em seus últimos anos de vida ele muitas vezes não pôde seguir de maneira direta e constante com a direção de espetáculos, acompanhando até mesmo premières via telefone. A dama de espadas, em 1930, é um exemplo de uma ópera que Stanislavski pouco pôde participar e que foi uma das poucas que foi considerada “um fiasco”.