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CAPÍTULO III PROPOSIÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA A

4.5 QUARTO DEGRAU: SERENIDADE CRIADORA

Ao final da décima sétima palestra, Stanislavski (1999, p. 214) atesta que o próximo degrau é o mais importante em relação aos princípios de uma boa atuação: a serenidade criadora. Ele afirma que as ideias convencionais de atuação, onde não se tem noção das faculdades criadoras que atuam no artista, fazem com que os cantores-atores busquem e cultivem um estado de “agitação criadora”. Essa agitação pode ser dada tanto pela noção de inspiração ou mesmo pelo excesso de atenção e estrelismo dedicado a si. Porém, visto já conforme exposto nos primeiros passos do Sistema e Métodos da Arte Criadora, não há lugar para a agitação. O cantor-ator que estivesse verdadeiramente imerso em seus problemas de criação

86 “Cuanto más intensamente queráis expresar a un público la profundidad de la depravación de un villano en su búsqueda pelo del mal, con más firmeza debéis tratar de acentuar los aspectos positivos de su carácter y de destacar estos momentos fugaces de la inocência de su naturaleza. Y cuanto más fuertemente acentuéis su valor, más os recompensará el público – la personificación del papel que representáis – con su atención indivisa”.

87“[…] pasiones humanas universals que permanecen escondidas en su propio corazón [...]”.

não teria tempo para pensar em popularidade ou qualquer forma de agitação. Sua atenção estaria voltada em concentrar-se na seleção das características do papel, no ritmo e nas ações físicas, nas particularidades do papel e na personificação sincera de si. Sobre a sinceridade, Stanislavski (1999, p. 215) se manifesta da seguinte forma:

A sinceridade é a fusão de todos os vossos pensamentos e faculdades com a vossa personagem, fazendo uso da pequena palavra mágica "se". Porque até que você tenha alcançado a mais plena harmonia possível dentro de vós mesmos será possível que os funda sinceramente, em virtude desta palavra, com a personagem que estais representando88.

Para manter a harmonia conseguida através da sinceridade, há a serenidade criadora, que parece ser uma fusão especialmente com a concentração e a atenção em prol de um estado de verdadeira tranquilidade e dedicação à criação. Stanislavski (1999) afirma que, se a mente está dispersa o círculo criador se rompe e o ator perde a possessão total da serenidade criadora.

As tensões e pensamentos preocupados com outras funções, mesmo que da esfera teatral, levam o cantor-ator a uma agitação que deve ser desprezada. Assim, a serenidade criadora acontece quando o estado de ânimo do artista se encontra de tal modo que as suas percepções pessoais do momento e do que o rodeia desaparecem e toda a concentração está voltada para a peça, a personagem ou a cena executada em questão.

88 “La sinceridad es la fusión de todos vuestros pensamentos y facultades con vuestra parte, haciendo uso de la pequeña palabra mágica “si”. Porque hasta que hayáis logrado la más plena armonía posible dentro de vosotros mismos será posible que os fusioneis sinceramente, en virtude de esa palabra, con el personaje que estáis representando”.

Stanislavski (1999, p. 218) certifica que as partes integrantes da serenidade criadora nada mais são que o resultado dos três degraus anteriores. Se eles tiverem sido bem trabalhados, o quarto passo se dará automaticamente. E é através desses quatro degraus que o artista pode resolver os desafios que a obra ou papel lhe impõem, e superar-se dentro da esfera criativa. Ademais, o quarto degrau é considerado por Stanislavski como a linha de fronteira e transição para os degraus posteriores.

O degrau da serenidade produz esse rompimento na estrutura mental do ator depois de qualquer fragmento das tarefas condicionais as quais são apresentadas, em qualquer combinação, formam o mundo de sua arte criadora. E sempre alcançará uma representação sincera de suas personagens teatrais porque levou sua própria vida, tomada de si mesmo, àqueles momentos da vida do “estranho” que o autor lhe deu, e que foram convertidos em sua vida sem necessidade de recorrer a efeitos teatrais artificiais introduzidos pelo diretor (Stanislavski, 1999, p. 218)89.

Após atingir estes quatro degraus, o cantor-ator teria passado por uma transformação “sem volta”, teria desenvolvido faculdades criadoras que modificariam a sua relação consigo, com os demais e com a arte criadora. A partir de agora haveria uma verdadeira fusão entre o “eu” e o “se eu”, ou seja, todas as qualidades da sua atenção estariam voltadas para a arte criadora, sem precisar “dividir” seus problemas criativos entre

89 “El paso de la serenidad produce ese rompimiento en la estructura mental del actor después del cualquier fragmento de las tareas condicionales que se le presentan, em cualquier combinación, forman el mundo de su arte creador. Y siempre logrará una representación sincera de sus personajes teatrales porque ha llevado su propia vida, sacada de sí mismo, a aquellos momentos de la vida del extraño que le ha dado el autor, y que se han convertido em su vida sin necesidad de recurrir a efectos teatrales artificiales introducidos por el director”.

eles. Este momento, a travessia rumo aos três últimos degraus, seria decisiva em sua vida.

Conforme apresenta Neckel (2011, p. 74), “a travessia traz consigo a ultrapassagem da condição criadora para a condição heroica, portanto, não há como o ator permanecer ileso às transformações e revelações pelas quais passou desde o início de sua subida na escada criadora”. Observa-se um grau de importância entre o quarto e o quinto degrau, onde dominar os quatro primeiros faria com que subir ao quinto fosse possível. Além disso, permanece a ideia de que apenas através deste domínio o quinto passo poderia ser, então, atingido.

Ellerby (2008) afirma que o quarto, quinto, sexto e sétimo degraus foram desenvolvidos apenas para os cantores de ópera. Conforme apresentado anteriormente, os degraus enunciados pela autora são um pouco diferentes dos apresentados nesta pesquisa. Para relembrar, os degraus quatro ao sete de Ellbery (2008) são os seguintes: coragem e tranquilidade, tensão heroica, nobreza da mente e alegria e boa vontade. Claramente, é possível ver as relações diretas com os passos já expostos até então neste capítulo, apesar de estarem arranjados de maneira distinta. Entretanto, o que interessa neste momento é elucidar quais partes do Sistema e Métodos da Arte Criadora foram direcionadas para os cantores de ópera, conforme expõe Ellerby (2008). Assim, a partir do termo coragem e tranquilidade, pode- se colocar valor e a serenidade criadora como sinônimos neste degrau, sendo que os últimos três são bastante semelhantes aos aqui discutidos e, portanto, não necessitam de inclusões de outros passos. Finalmente, o que pode ser afirmado, é que a partir do valor os passos foram desenvolvidos exclusivamente para o grupo de cantores. A alegação de Ellerby (2008, p. 182) se baseia no fato de não existirem equivalentes exatos a tais degraus nos famosos textos posteriores de Stanislavski.