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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO - PPGT

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO - PPGT

ROSANE FARACO SANTOLIN

FLORIANÓPOLIS, 2013

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

STANISLAVSKI NA ÓPERA:

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STANISLAVSKI NA ÓPERA:

PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS PARA O CANTOR-ATOR E O ESPETÁCULO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Teatro, Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, do Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Mestre em Teatro.

Orientadora: Dra. Vera Regina Martins Collaço

FLORIANÓPOLIS SC 2013

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Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UDESC S237s Santolin, Rosane Faraco

Stanislavski na ópera: procedimentos e técnicas para o cantor-ator e o espetáculo / Rosane Faraco Santolin – 2013.

170 p. : il. ; 21 cm

Bibliografia: p. 156-159

Orientadora: Vera Regina Martins Collaço

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2013.

1. Stanislavski, Constantin. 2. Ópera. I. Collaço, Vera Regina Martins (Orientadora). II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Teatro. III. Título

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STANISLAVSKI NA ÓPERA:

PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS PARA O CANTOR-ATOR E O ESPETÁCULO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Teatro - PPGT, Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, como requisito para obtenção do título de Mestre em Teatro.

Banca Examinadora

Orientadora: _________________________________ Profa. Dra. Vera Regina Martins Collaço UDESC

Membros:

_____________________________________ Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro

UDESC

_____________________________________ Prof. Dr. Luiz Humberto Arantes

UFU

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A todos que contribuíram de alguma forma para a realização desta pesquisa, seja de maneira direta, com sugestões e reflexões ou indiretamente, torcendo pelo meu crescimento pessoal e sucesso.

À Professora Dra. Vera Regina Martins Collaço, pelos já seis anos que tem acompanhado a minha caminhada, no mestrado, na graduação e na iniciação científica. Pelo carinho, disposição, atenção, e sempre rica orientação, meu profundo muito obrigada!

Aos professores, Dr. Luiz Humberto Arantes e Dr. José Ronaldo Faleiro, por terem tão gentilmente aceitado o convite de participar desta importante etapa.

Aos colegas de mestrado, com os quais compartilhei dúvidas, angústias, estudos e alegrias.

À CAPES, por ter me concedido a bolsa durante todo o período de pesquisa.

Aos meus queridos amigos, que, apesar da minha justificada ausência, continuam ao meu lado e torcendo por mim.

Ao Alexandre da Silva Schneider, meu chuchu, pelo amor, amizade, alegria e paciência, tão importantes durante todo este processo!

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“Qué puede un hombre ver en el

mundo que lo rodea y cómo puede verlo? Puede verlo, por supuesto, sólo cuando su conciencia le permite verlo. Cuanto mayor sea vuestra buena voluntad hacia los hombres y más puros vuestros pensamientos, mayor será el número de características belas que descubriréis en vuestro vecino. Cuanto más bajo sea el nivel de vuestros sentimientos y pensamientos, mayor será el mal que veréis alrededor vuestro, en tanto que no hace falta que os esforceis para ver lo malo.

Desarrollad, pues, vuestra buena voluntad y no emuleis el ejemplo de aquellos teatros en donde los actores se odian mutuamente. Uníos a los demás. Cuando tengáis contacto com alguien, tratad de demostrarle la beleza que encerráis y de despertar interés en la que él mismo guarda en

el corazón”.

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SANTOLIN, Rosane Faraco. Stanislavski na ópera: procedimentos e técnicas para o cantor-ator e o espetáculo. 170p. Dissertação (Mestrado em Teatro). Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-graduação em Teatro, Florianópolis, 2013.

A presente pesquisa tem o objetivo de apresentar o percurso histórico do encenador Constantin Stanislavski no gênero da ópera e refletir sobre suas ideias e práticas neste ramo. Ele esteve à frente de estúdios de ópera de 1918 a 1938, dirigiu diversas óperas e adaptou o seu “sistema” para atores, criando um “sistema” que pode ser considerado como direcionado aos cantores-atores de ópera. No trabalho com a ópera, Stanislavski elaborou o chamado Sistema e Métodos da Arte Criadora, o qual se constitui de uma escada metafórica com sete degraus imaginários nos quais cada cantor-ator deveria subir de forma a atingir o seu próprio círculo criador. Dos degraus, pelo menos os quatro últimos foram elaborados especificamente para os cantores-atores. O tempo-ritmo é um conceito utilizado por Stanislavski em seu “sistema” tanto para atores quanto para cantores e seu desenvolvimento e aprofundamento em muito se deve ao envolvimento de Stanislavski com a ópera, gênero que teve imensa importância em sua vida artística. Ademais, o seu trabalho com este gênero ainda é muito negligenciado no Brasil e esta dissertação vem contribuir para a bibliografia em português sobre o tema.

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ABSTRACT

SANTOLIN, Rosane Faraco. Stanislavski on opera: procedures and techniques for the singer-actor and the spectacle. 170p. Dissertation (Theatre Master Degree). University of the State of Santa Catarina, Arts Center, Programa de Pós-graduação em Teatro, Florianópolis, 2013.

This research aims to present the historical background of the director Constantin Stanislavski in the genre of opera and reflect on his ideas and practices in this field. He directed opera studios from 1918 to 1938, as well as several operas while adapting his "system" for actors, creating a "system" that can be considered as directed to opera singer-actors. In his work with opera, Stanislavski elaborated the System and Methods of Creative Arts, which constitutes of a metaphorical ladder with seven imaginary steps in which each singer-actor should climb in order to reach his own creative circle. The steps, at least the last four, have been prepared specifically for singer-actors. Tempo-rhythm is a concept used by Stanislavski in his "system" for both actors and singers and its development and deepening is greatly due to the involvement of Stanislavski with opera, a genre which was of great importance in his artistic life. Furthermore, his work with opera is still neglected in Brazil and this dissertation seeks to contribute to the literature on the subject in Portuguese.

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Figura 01 – Stanislavski como Nanki-Nu, opereta Mikado...27 Figura 02 – Constantin Stanislavski, Feodor Chaliapin e outros ...49 Figura 03 – Salão na casa da Alameda Leontievski...56 Figura 04 – Linha do tempo dos estúdios de ópera de

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Lista completa de óperas do Estúdio de Stanislavski...58

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CAPÍTULO I AS PRIMEIRAS ATIVIDADES

ARTÍSTICO-MUSICAIS DE STANISLAVSKI E A ÓPERA NA

RÚSSIA...21

1.1 STANISLAVSKI E A INFÂNCIA ARTÍSTICA ... 21

1.2 O INÍCIO DA ÓPERA NA RÚSSIA ... 24

1.3 CÍRCULO DE ALEKSÊIEV – O TRILHAR PELAS OPERETAS E VAUDEVILLES ... 26

1.4 OS ENCAMINHAMENTOS DA PESQUISA PARA O ATOR/CANTOR ... 34

1.5 A ÓPERA RUSSA A SER MODIFICADA ... 37

CAPÍTULO II OS ESTÚDIOS DE ÓPERA...46

2.1 AS APRESENTAÇÕES PÚBLICAS DAS MONTAGENS DE ÓPERA DO ESTÚDIO ... 53

2.2 O ESTÚDIO DE ÓPERA DRAMÁTICA ... 60

CAPÍTULO III PROPOSIÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA A ENCENAÇÃO DE ÓPERA...64

3.1 A MÚSICA COMO INDUTORA DA AÇÃO DRAMÁTICA ... 65

3.2 O ESPAÇO CENOGRÁFICO ... 75

3.3 O CANTOR-ATOR COMO INTÉRPRETE CRIATIVO... 82

3.4 TEMPO-RITMO ... 87

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CAPÍTULO IV AS PALESTRAS E O SISTEMA E MÉTODOS DA

ARTE CRIADORA...99

4.1 DAS PRIMEIRAS PALESTRAS ... 105

4.2 PRIMEIRO DEGRAU: CONCENTRAÇÃO ... 108

4.3 SEGUNDO DEGRAU: ATENÇÃO E AGILIDADE MENTAL ... 110

4.4 TERCEIRO DEGRAU: VALOR ... 114

4.5 QUARTO DEGRAU: SERENIDADE CRIADORA ... 117

4.6 QUINTO DEGRAU: TENSÃO HEROICA ... 120

4.7 SEXTO E SÉTIMO DEGRAUS: NOBREZA DE ESPÍRITO E ALEGRIA ... 123

CAPÍTULO V O TREINAMENTO PSICOFÍSICO DOS CANTORES-ATORES...126

5.1 EXERCÍCIOS E A ROTINA DO ESTÚDIO DE ÓPERA DO TEATRO BOLSHOI ... 128

5.1.1 Exercícios de caminhada: flexibilidade e fluidez ... 136

5.1.2 Danças e canto ... 141

5.1.3 Exercícios para a cena e o método das ações físicas 146 CONSIDERAÇÕES FINAIS...153

REFERÊNCIAS……….156

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INTRODUÇÃO

A ópera é um gênero do teatro musicado que há pelo menos cinco séculos vem sendo produzida. Suas origens remontam ao final do século XVI, em Florença, na Itália, onde um grupo de literatos que se denominava Camerata Fiorentina, tinha o intento de estudar a tragédia grega e assim reviver o que por ela entendia. O grupo, que tinha suas especialidades particulares e profissões diversas, constituía-se de poetas, cantores e músicos amadores. Desses estudos e experiências surgiu o que é considerada a primeira ópera moderna ocidental.

A popularização da ópera pela Itália demoraria mais uns quarenta anos para acontecer, sendo que a primeira casa de ópera foi aberta em 1637, em Veneza. Claudio Monteverdi (1567-1643) foi o primeiro grande compositor de óperas e ele em muito ajudou o gênero a se tornar popular; antes da abertura de tais teatros, as óperas eram apresentadas nas cortes a uma aristocracia e à própria Camerata.

Inicialmente a ênfase era dada ao drama, ou ao texto, que era praticamente declamado, ou seja, pouco cantado e sem melodia fixa, com um acompanhamento musical improvisado. Contudo, com o passar do tempo este gênero se expandiu e passou por diversas modificações através dos séculos devido a influências sociais e econômicas e também a transformações técnicas, entre outros fatores. Tanto os instrumentos quanto a quantidade dos mesmos, o tipo de som utilizado, a forma de cantar dos cantores e seus timbres, a agilidade e a dramaticidade, a região na qual o som ressoa no corpo do cantor, os espaços físicos utilizados e o rigor de interpretação variam extensamente. Falar sobre ópera não é remeter a uma qualidade única ou a um tipo de representação musical dramática (ou primordialmente dramática) fixo, mas sim a muitos anos de experimentações e mudanças, leituras e releituras de obras diversas.

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parte musical foi se transformando, mas também a importância dada à interpretação, cenografia, iluminação. Os recursos técnicos alcançados no fim do século XIX em termos de iluminação elétrica, por exemplo, foram decisivos para as transformações no palco e nas artes a ele relacionadas. Outras modificações ocorreram neste período no teatro ocidental: as ideias românticas do século XVIII foram retomadas e aprofundadas, no século XIX, por Émile Zola (1840-1902) e André Antoine (1858-1943). O mimetismo no teatro naturalista, “melhorando as técnicas de reprodução do real [...] [deslocou] insidiosamente a vocação da representação” (Roubine, 2003, p.115). As influências de um otimismo cientificista foram verificadas no teatro deste período. Formulou-se uma “teoria da encenação”, tornando a figura do diretor o elemento central da realização teatral. Ao mesmo tempo, a importância do ator e de seu corpo passou a ser trabalhada sob diferentes aspectos, além da exigência cada vez maior de um intenso treinamento para o exercício do seu ofício. Os discursos acerca da saúde e de adestramento corporal que perpassam o século XIX chegam ao teatro no fim do referido século e primeira metade do XX com, pelo menos, um duplo objetivo: transcender as técnicas de atuação através das habilidades físicas e certificar o ator como trabalhador, o teatro como um ofício, dentro de uma esfera social cada vez mais industrial.

O teatro buscou, então, sua legitimação trazida da Ciência. Da mesma forma, outros artistas, como os cantores de ópera, passaram a ser mais vistos como trabalhadores, e novas exigências surgiram para o desenvolvimento dessa arte. As mudanças desse período trouxeram inovações decisivas para as artes do espetáculo. Não apenas os fatores citados acima, mas também outros fatores de ordem social determinaram uma busca por uma arte que melhor se identificasse com o mundo moderno que se assentava.

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mundo afora, mesmo que saiba-se pouco sobre o seu trabalho ou saiba-se apenas o seu nome. No mundo da ópera não é muito diferente, ele é conhecido pela maioria dos artistas, quase todos já ouviram falar sobre a memória emotiva ou a verdade cênica e dizem fazer uso dela em suas atuações. O que não se fala muito ou pouco se tem de fato conhecimento é o trabalho que Stanislavski realmente empreendeu neste ramo das artes encenadas, a ópera. Na área do teatro seu trabalho e pesquisa operística são praticamente negligenciados, e na ópera o que se sabe dele, na maioria dos casos, é uma série de mal-entendidos e equívocos e nem de perto se costuma ter noção dos grandes feitos que este verdadeiro mestre realizou.

Stanislavski se envolveu com a música desde pequeno, na forma inicial de espectador. Seus primeiros contatos se deram com a ópera italiana que era trazida à Rússia e da qual ele presenciou grande número de espetáculos. Em sua juventude, a par das operetas que atuou e dirigiu amadoramente com sua família, ele fez aulas de canto lírico e almejou ser, ele mesmo, cantor de ópera. Infelizmente este desejo não pôde ser concretizado e ele ficou afastado do gênero até ser chamado a formar uma parceria entre o Teatro de Arte de Moscou e o Teatro Bolshoi, assumindo a direção do então criado Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi, a partir do ano de 1918. O Estúdio se separaria futuramente do Teatro Bolshoi, mas Stanislavski continuaria com seu trabalho, pesquisa e realização de montagens de ópera até seus últimos dias de vida. Assim, não foram apenas esparsas experiências por ele vivenciadas no ramo e sim vinte anos de intensa atividade como diretor de estúdios de ópera e de diferentes montagens.

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A partir do meu desejo de continuar investigando academicamente o mundo da ópera surgiu o tema para essa pesquisa: o trabalho de Stanislavski no mundo da ópera. Tendo já adquirido um dos principais livros que tratam sobre este assunto, Stanislavski on Opera (1998), mas que até então tinha sido pouco consultado, fui aos poucos descobrindo a importância de seu trabalho neste ramo. A ideia inicial era relacionar Stanislavski com outro diretor de ópera e focar nas diferentes propostas para encenação. Entretanto, o material de Stanislavski se apresentou cada vez mais rico e complexo, levando o andamento desta dissertação para o foco apenas nele, em sua prática e em suas ideias. Ademais, pouco material é encontrado em língua portuguesa atualmente. Sobre a ópera, especificamente, não há nenhum. Há trechos de livros de Stanislavski e de outros autores nos quais é possível encontrar referências e pequenas colocações e reflexões. Recentemente, em 2011, a dissertação de Inajá Neckel, Atitude Extrema e Salto, abordou assuntos teóricos trabalhados no Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi, mais especificamente a proposta que Stanislavski apresentou nas palestras de 1918 a 1922, na qual ele formula uma escada metafórica com sete degraus imaginários para se atingir o processo criador. A autora contempla muito bem este estudo, porém, foca na abordagem teórica das palestras para a composição de atores e não faz de seu texto uma pesquisa do trabalho de Stanislavski na ópera ou deste ramo específico.

A presente dissertação tem o objetivo de apresentar ao leitor um panorama sobre o trabalho de Stanislavski no mundo da ópera, com sua prática e teoria, e busca responder a questões tais como: qual foi o percurso histórico de Stanislavski no gênero operístico? Quais as suas principais ideias sobre a encenação de ópera? Como foi aplicado o seu “sistema” à ópera?

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Estúdio; El arte escénico (1999), que também recebe autoria de Stanislavski e conta com uma introdução de David Magarshack, onde é possível encontrar as palestras ministradas por Stanislavski de 1918 a 1922; os dois livros de Jean Benedetti, Stanislavski: his life and art (1999) e Stanislavski and the actor (1998) foram surpreendentemente úteis ao entendimento do trabalho de Stanislavski na ópera, especialmente o primeiro, onde o autor apresenta uma abordagem histórico-crítica da vida artística de Stanislavski e levanta coerentemente a importância do gênero em seu percurso. Já o segundo livro apresenta uma série de exercícios que fazem parte do que o autor chama de legado final de Stanislavski. Vale a pena notar que El arte escénico (1999) é uma versão teórica do trabalho no Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi, enquanto Stanislavski on Opera (1998) – obviamente também totalmente permeado de teoria e reflexões – apresenta na prática das montagens os conceitos e teoria.

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fundamentais sobre o diretor e ainda carecem de uma tradução para o português.

Esta dissertação está dividida em cinco capítulos. Tal divisão é assim feita de modo a tentar esclarecer para o leitor primeiramente de forma cronológica como a ópera se deu na vida artística de Stanislavski, seguida de suas principais ideias de encenação e do “sistema” por ele adaptado para a ópera e finalmente refletindo sobre um pouco do treinamento dos cantores-atores dentro da esfera dos estúdios de ópera dirigidos por Stanislavski.

O primeiro capítulo traz um contexto histórico sobre o envolvimento de Stanislavski com a música e a ópera na infância e juventude. Ademais, tento apresentar historicamente como a ópera surgiu na Rússia e refletir sobre como ocorria a encenação de ópera na época de Stanislavski de modo a compreender qual tipo de representação ele gostaria de modificar. Tal tarefa não é fácil, pois não há muitos registros facilmente acessíveis sobre encenações de ópera, e não apenas na Rússia; muitos dados são encontrados sobre compositores e sobre a história musical, mas pouca atenção é dada à representação.

No segundo capítulo exponho a formação dos estúdios de ópera dirigidos por Stanislavski, com ênfase no Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi, como funcionava e quais profissionais estavam envolvidos, bem como as montagens dirigidas por Stanislavski com suas devidas datas de premières. Eu, particularmente, considero extremamente necessário entender cronologicamente este processo e tal busca se deu com bastante trabalho e cautela.

O terceiro capítulo traz diversas reflexões de Stanislavski acerca da encenação de ópera, sendo subdividido em partes sobre a música e orquestra, o espaço cenográfico, o papel do cantor-ator e, de maneira altamente importante, o tempo-ritmo. O tempo-ritmo é um conceito-chave para todo o trabalho de atuação de acordo com o “sistema” de Stanislavski e encontra um local privilegiado de desenvolvimento na ópera. Além disso, ele foi aprofundado e repensado a partir das pesquisas empreendidas com os cantores-atores.

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1922. Mais especificamente, apresenta o Sistema e Métodos da Arte Criadora, onde ele criou uma escada metafórica composta por sete degraus imaginários: concentração, atenção e agilidade mental, valor, serenidade criadora, tensão heroica, nobreza de espírito e alegria.

Finalmente, no último capítulo desta pesquisa é apresentado como funcionava o treinamento realizado pelos cantores-atores no Estúdio, com exemplos de exercícios de acordo com a teoria promovida por Stanislavski. Ao final deste capítulo é levantada a questão sobre o Método das Ações Físicas e o como ele mudou a percepção e desenvolvimento da criação de personagens, no caso específico desta dissertação, na ópera. Dessa forma, a parte estrutural deste trabalho divide-se em contextualização histórica e cronológica (capítulo I e II); reflexões teóricas (capítulos III e IV) e aplicação de teoria na prática que era realizada pelos cantores-atores (capítulo V).

É convencionado nesta dissertação o uso da palavra “sistema” entre aspas por dois motivos principais: primeiramente, porque a maior parte das obras consultadas utiliza desta forma esta terminologia; segundo, porque, por mais que Stanislavski tenha chegado de fato a um sistema de atuação com procedimentos e técnicas para a sua efetuação, ele nunca quis que tal sistema fosse entendido como um esquema fechado e imutável. Assim, o uso de aspas parece corroborar suas ideias e desejos de forma mais adequada.

Todas as traduções realizadas ao longo do texto, tanto do espanhol quanto do inglês, são de minha autoria e foram assim efetuadas para maior conforto durante a leitura. Todavia, as citações em idioma original se encontram numeradas ao final de cada página, em notas de rodapé.

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citações diretas de outros autores será sempre mantida a grafia original de cada texto.

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CAPÍTULO I AS PRIMEIRAS ATIVIDADES ARTÍSTICO-MUSICAIS DE STANISLAVSKI E A ÓPERA NA RÚSSIA

“Si la vida interior de un actor hubiese

sido muy rica, no necesitaría ni maquillaje ni escenografia. Lo único necesario sería la presencia del artista creador mismo, cuyas grandes facultades de pensamiento y atención habrían creado esa ola irrestible de encanto que habría mantenido al público bajo su sugestión. Todos los recursos del teatro como espectáculo son considerados únicamente como recursos para nosotros, los actores, para permitirnos ajustar nuestras facultades creadoras más fácilmente a los requisitos de nuestro arte”.

(Constantin Stanislavski)

1.1 STANISLAVSKI E A INFÂNCIA ARTÍSTICA

Constantin Siergueivitch Alexeiev, que ao iniciar sua vida no teatro passou a usar o codinome de Constantin Stanislavski, nasceu em Moscou, na Rússia, em 05 de janeiro de 1863. De uma família financeiramente abastada, ele teve uma infância privilegiada em termos culturais. Desde cedo frequentou o circo, a ópera, o teatro, o balé. Sua família geralmente possuía assinatura para toda a temporada de ópera de São Petersburgo1. Assim, o ainda pequeno Stanislavski assistiu a muitas montagens de ópera com bons cantores, e, como afirma em sua autobiografia, Minha Vida na Arte, “gastava-se muito dinheiro em S. Petersburgo com a ópera italiana e com os teatros francês e alemão: contratavam-se artistas de primeira classe do drama francês e os melhores cantores de ópera de todo o mundo” (1989, p. 34).

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Stanislavski apresenta ao leitor de sua autobiografia diversos relatos de sua vida, desde a infância, passando pela adolescência e juventude, até chegar à vida adulta. Todos os relatos são relacionados, obviamente, com o seu envolvimento no mundo da arte, suas impressões sobre as artes. A partir desta perspectiva, ele escreveu que diversas experiências vividas na infância contribuíram para o seu desenvolvimento e acuidade artística futura, e destacou que a ópera lhe deixou impressões fortes. Isto é, desde cedo a ópera, ou o teatro musicado em geral, teve espaço e importância em sua vida, primeiramente como espectador e futuramente como ator e diretor. Ele também sugere em Minha Vida na Arte (1989) que a frequência à ópera teve uma influência benéfica ao seu ouvido, gosto e olhar teatral. Abaixo transcrevo um pequeno relato sobre a sua lembrança de tais espetáculos, do período de sua infância, quando elucidada a partir do olhar da vida adulta:

As impressões causadas pelos espetáculos da ópera italiana continuavam vivas em mim com uma intensidade extraordinária, evidentemente bem maior que a daquelas deixadas pelo circo. Creio que isto se deve ao fato de que a própria intensidade das impressões era imensa. Naqueles idos eu não tinha consciência dela, apenas a percebia de forma orgânica e inconsciente tanto espiritual quanto fisicamente. Só mais tarde vim entender e valorizar essas impressões, ao rememorá-las. Já o circo nos divertia e alegrava na infância, mas as recordações dele não constituíam interesse na idade madura, e eu as esqueci (Stanislavski, 1989, p. 34, grifo da autora).

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Reproduzo a seguir outro trecho de Stanislavski onde ele reforça a importância dessas impressões físicas e emotivas que estimularam a sua sensibilidade.

[...] marcaram-me não só a memória visual e auditiva, mas também fisicamente, pois eu as experimento tanto nos sentidos com em todo o corpo. De fato, quando as recordo torno a experimentar aquele estado físico que outrora me infundia aquela nota de prata puríssima e a altura sobrenatural de Adelina Patti, com o seu trinado e a sua técnica que me deixavam fisicamente extasiado, com suas notas profundas que me deixavam a alma fisicamente desfalecida e eu não podia conter um sorriso de satisfação. Junto com estas qualidades, ficou-me gravada na memória a sua figura pequena e cinzelada, com aquele perfil que parecia esculpido de marfim.

A mesma sensação orgânica e física de uma força espontânea deixaram-se na alma o rei dos barítonos Cotoni e o baixo Giamet. Ainda hoje me emociono ao pensar neles. (Stanislavski, 1989, p. 35).

Nota-se no excerto acima que especialmente a música parece ter deixado sensações fortes em Stanislavski, ou ainda a voz daqueles cantores e sua expressividade musical. Também se percebe dessa fala como essas memórias foram significativas na elaboração de seu conceito de "memória emotiva", ou "memória das emoções", quando o artista consegue reviver, física e espiritualmente, uma emoção já experenciada. Estas emoções podem ser retrabalhadas na cena pelo ator/cantor através de uma evocação sensível das mesmas.

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como espectador de ópera, Stanislavski comenta que em 1911 passeava pelas ruas de Roma com um amigo e, ao ouvir uma voz vinda do andar superior de uma casa, exclamou sem dúvidas que era o barítono Cotoni, o qual tinha visto em São Petersburgo na infância, ou seja, aproximadamente trinta e cinco anos antes. Sua resposta para o reconhecimento inesperado de tal voz foi de ter voltado a “experimentar fisicamente a sensação conhecida” (Stanislavski, 1989, p. 35). Para Stanislavski e sua percepção aguçada, “coisa como essa a gente nunca esquece” (1989, p. 36).

1.2 O INÍCIO DA ÓPERA NA RÚSSIA

As experiências na ópera, relatadas com emoção e sensibilidade, que Stanislavski vivenciou, eram especialmente oriundas da ópera italiana que era trazida para a Rússia. Há que se observar que a história da ópera na Rússia começou a se desenvolver durante o século XVIII, ou seja, pouco mais de um século depois de seu nascimento na Itália2, a partir da vinda de

companhias europeias ocidentais, especialmente italianas, sob o reinado de Catarina, a Grande (1762-1796). É a partir dessa época que São Petersburgo, onde Stanislavski assistiu às óperas em sua infância, “transformou-se em um grande centro cosmopolita” (Coelho, 2001, p. 25).

De acordo com Matamoro (2001, p. 80), no século XVII “registraram-se algumas representações teatrais com cantos e danças, a cargo de artistas alemães que viviam em Moscou. Logo, os inimigos da ocidentalização conseguiram que fossem enclausurados”. A Rússia era, além de um país fechado, em grande parte feudal e sua atividade artística no teatro musicado foi apenas aos poucos se desenvolvendo ao longo do século XVIII. Porém, chegou ao século XIX com maior fervor e aprimoramento, além de um repertório que se tornava paulatinamente mais nacional. Obviamente, a Rússia já apresentava, anteriormente, manifestações embrionárias de

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teatro musical locais, nas quais compositores nacionalistas buscaram, frequentemente, inspiração temática ou musical. Tal como comenta Coelho, “já nas antigas cirandas e nos primitivos jogos rituais de origem pagã, é possível encontrar elementos que [reapareceriam] muitas vezes nas óperas russas” (2001, p. 18).

Da introdução da ópera na Rússia e do interesse de compositores nacionais em desenvolver suas próprias óperas, grandes compositores da Europa Ocidental, tais como Giovanni Paisiello (1740-1816), Luigi Boccherini (1743-1805), Antonio Salieri (1750-1825), Domenico Cimarosa (1749-1801) e até Giuseppe Verdi (1813-1901) “foram ensinar, cada um, sua disciplina, sobretudo em São Petersburgo” (Matamoro, 2001, p. 81). Também, “com a benção imperial do tzar, os compositores russos foram estudar na Itália” (Digaetani, 1988, p. 52). A Rússia foi conhecendo a ópera europeia ocidental, ao passo que o restante do continente só viria a conhecer a ópera russa no final do século XIX, de acordo com Matamoro (2001, p. 82), em 1888, quando o mecenas Savva Ivánovitch Mámontov3 (1841-1918)

levou a ópera ao estrangeiro “abrindo o caminho para a posterior irrupção dos balés russos de Diaghilev”.

O início da ópera russa, apesar de alguns compositores já terem se aventurado anteriormente em composições com libreto em russo, ficou convencionada como sendo a partir da

3 “Presidente das redes de estradas de ferro de Moscou, Iaroslávl e Arkhánguielsk, generoso mecenas que ajudava artistas plásticos, músicos e homens de teatro, Savva Ivánovitch Mámontov também cantava e representava como amador. Escreveu peças de teatro, libretos para Nikolái Krótkov, Bóris Ianóvski e Vassíli Poliênov e dirigiu várias das encenações do Teatro Solodóvnikov, que fundou em 1885. Pretendia dar à encenação uma importância nova, e formar um tipo de ator-cantor que se libertasse da ganga da rotina em que se engessara o desempenho em cena. [...] E descobriu e lançou cantores como o baixo Fiódor Shaliápin. O amor de Mámontov pelo melodrama italiano ainda fazia com que boa parte das óperas montadas em seu teatro fosse de autores peninsulares, com cantores que ele fazia vir da Itália. Ainda assim, foi graças a esse mecenas que Moscou pôde assistir às óperas de Dargomýjski e a vários títulos de Rímski-Kórsakov” Lauro Machado

Coelho, A Ópera Russa, 2001, p. 38-39.

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estreia de A vida pelo Tzar, em 27 de novembro de 1836, do compositor Mikhaíl Ivánovitch Glinka (1804-1857). Segundo Coelho (2001, p. 43), esta ópera é “efetivamente, na obra de seu autor, a primeira manifestação de um tom pessoal, de um estilo que se desliga, se não de todas, pelo menos da maioria das influências estrangeiras”. Dentre esse estilo característico russo, pode-se citar “o uso de grandes forças corais, orquestração inusitada e desenhos rítmicos repetidos nas longas seqüências de dança” (Digaetani, 1988, p. 53).

O aperfeiçoamento da ópera russa, em meados do século XIX, não interrompeu a interferência estrangeira, tampouco a vinda de companhias europeias, tais como relatadas nas lembranças de Stanislavski. Inovações técnicas chegaram em 1860, instalando-se iluminação a gás em São Petersburgo, corroborando o desenvolvimento teatral. Ademais, no plano do ensino, e de maneira fundamental para o progresso da ópera russa, atuaram a Sociedade Musical Russa (1859), os conservatórios de São Petersburgo (1862) e Moscou (1866) e a Escola Musical gratuita de São Petersburgo (1862).

1.3 CÍRCULO DE ALEKSÊIEV – O TRILHAR PELAS OPERETAS E VAUDEVILLES

Voltando para os interesses e experiências de Stanislavski em sua infância e juventude pelo teatro musicado, há, de maneira importante em seu crescimento artístico e ainda amador, a inauguração do teatro que seu pai havia construído na residência familiar em 1877.

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amigos e a governanta (Takeda, 2008, p. 28).

Aos mesmos 14 anos Stanislavski fez o primeiro registro escrito de seu fazer teatral relatando, justamente, o espetáculo de inauguração desse espaço, e do Círculo de Aleksêiev (grupo de amadores e familiares de Stanislavski), no qual atuou de 1877 a 1887. O espetáculo inaugural foi o vaudeville4, em um ato, A

Xícara de Chá. Além de participar como ator, Stanislavski também assumiu a direção de operetas com o Círculo de Aleksêiev. Em 1884, por exemplo, atuou e dirigiu a opereta Mascotta, na qual fez o papel de Pino e em 1887 destacou-se no papel de Nanki-Pu na conhecida opereta Mikado, do compositor inglês Arthur Sullivan (1842-1900) e libreto de W.S. Gilbert (1836-1911).

4“Vaudeville é um espetáculo de entretenimento surgido na França em meados do século XVIII, paralelamente à comédia de boulevard criada por Eugène Scribe. Trata-se de comédia teatral, em cujo desenvolvimento inserem-se arietas e pequenos coros. Os personagens envolvem-se em situações equívocas, sem aprofundamento psicológico,

que se sucedem num crescendo de tensão cômica”. Fonte:

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Figura 01 – Stanisalvski como Nanki-Nu, na opereta Mikado, Círculo amador Aleksêiev

Fonte: Minha Vida na Arte (1989)

Neste período Stanislavski envolveu-se bastante com operetas e vaudevilles, peças tidas como “mais simples” do teatro musicado e sem grandes exigências emocionais de acordo com o próprio Stanislavski:

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Stanislavski afirma, dessa forma, a necessidade do ator ter caminhos para iniciar a sua carreira artística e as operetas e vaudevilles seriam uma forma técnica de adentrar nesse mundo, que, para ele, requer muito trabalho emocional. O trabalho com tais gêneros possibilitou à Stanislavski, nas palavras de Bonfitto (2002, p. 22), pela primeira vez a percepção da "importância do trabalho rítmico na construção da ação". Posteriormente, e de maneira mais eficaz, entretanto, seus pensamentos sobre o ritmo foram aprofundados em suas experiências breves como cantor e também na qualidade de diretor. Apesar de não desenvolver-se como cantor, Stanislavski elaborou, a partir de seus estudos com a música, um pensamento e uma prática refinada da noção tempo-ritmo voltada para o trabalho do ator, que é o alicerce fundamental da musicalidade em cena.

Sobre as suas primeiras experiências no canto, pode-se afirmar que Stanislavski ambicionou ser cantor de ópera na juventude após o envolvimento crescente com o teatro musicado. Takeda (2008, p. 46), assim o descreve:

Ele relata em Minha vida na Arte que sonhara fazer carreira como cantor de ópera e que chegara a fazer aulas de canto com Fiódor Pietrovitch Komissarjevski, famoso tenor da época e pai da atriz Vera Komissarjevskia. Desse período, há em seus arquivos um manuscrito datado de 1885 e intitulado "Devaneios sobre a forma como eu conceberia e interpretaria o papel de

Mefistófeles na ópera Fausto de Gounod”.

(Takeda, 2008, p. 46).

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passaram, ele tomou o devido conhecimento do repertório tradicional de ópera e, para o repertório russo, foi na Ópera Privada de Mamóntov, inaugurada em 1885, que Stanislavski pôde conhecer especialmente o trabalho de Rímski-Korsákov (1844-1908).

As aulas de canto começaram em janeiro de 1884 e mostravam, inicialmente, um futuro promissor para o jovem cantor. Com uma voz de baixo-barítono leve, senso natural de fraseado, Stanislavski “[...] causou uma ótima impressão em Komissarzhevski5, que viu uma combinação de habilidade

dramática e talento musical que valiam a pena serem desenvolvidos” (Benedetti, 1999, p. 19)6. As aulas foram

progredindo e Stanislavski cogitou a ideia de se tornar mesmo um cantor de ópera. Além disso, apresentou-se, em 08 de abril de 1886, no papel de Ramfis em trechos da ópera Aída de Verdi, num concerto dos alunos do Conservatório de Moscou. Planejava, posteriormente, apresentar-se em trechos da ópera Fausto de Charles Gounod (1818-1893) e Rusalka, de Alexander Dargomizhski (1813-1869). Não é à toa que Takeda (2008), salienta o fato do manuscrito de Stanislavski sobre o papel de Mefistófeles; ele era fascinado por tal ópera desde a primeira vez que a assistiu, em janeiro de 1881 (Benedetti, 1999). Não obstante, sua voz haveria de lhe pregar uma peça e Stanislavski começou a ter sérios problemas vocais. De acordo com Benedetti, “sua voz sumiu, sob pressão” (1999, p. 20)7.

Komissarjevski acreditava que as causas eram psicológicas:

Estou cada vez mais convencido de que todos os problemas com a voz derivam do catarro da faringe. A pureza de todos os sons piano indica que o mecanismo de laringe está mais ou menos em boa ordem, mas o catarro impede o desempenho adequado das

5 Mantenho, aqui, a grafia original de Benedetti sobre o nome do professor do canto de Stanislavski. No meu texto tenho adotado, entretanto, Komissarjevski.

6 “[…] made a great impression on Komissarzhevski who saw a

combination of dramatic ability and musical talent worth developing”.

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cordas vocais. E isso é uma pena, porque você [Stanislavski] é um homem muito talentoso, dotado de uma excelente memória musical e uma real compreensão teatral... em todos os ensaios eu vi que você tinha grandes dons e, por essa razão, devemos ter esperança de uma melhoria em sua garganta8 (Komissarjevski apud Benedetti, 1999, p. 20)9.

Stanislavski continuou bem seus estudos em 1887, porém sua voz não colaborou, ficando frequentemente “abafada”. Benedetti (1999, p. 20) adverte que Stanislavski não colaborava para a melhora desse estado ao fumar intensamente. Apesar de, então, abandonar as aulas e a pretensão de tornar-se cantor de ópera, Stanislavski manteve, contudo, um estreito vínculo com o seu ex-professor. De maneira bastante entusiasta e sempre buscando aprender mais e compartilhar suas próprias percepções e estudos sobre arte, transcrevo mais um relato de Stanislavski, agora sobre a época dos estudos de canto:

As aulas de canto cessaram, mas eu não deixei de ir, quase diariamente, à casa do meu ex-professor [...], para conversar com ele sobre arte e encontrar pessoas ligadas à música e ao canto, professores do Conservatório onde Komissarjevski dirigia as classes de ópera e eu figurava ainda como um dos diretores. Revelando um segredo, digo que eu alimentava cá comigo a atrevida

8 I am more and more convinced that all the problems with the voice stem from the pharyngeal catarrh. The purity of all sounds piano indicates that the laryngeal mechanism is more or less in good order but the catarrh impedes the proper exertion of the vocal cords. And that's a pity because you are a very gifted man with an excellent musical memory and an active theatrical understanding... in every rehearsal I saw that you had great gifts and for that reason we must hope for an improvement in your throat”.

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ideia de fazer-me auxiliar de Komissarjevski nas aulas de ritmo, que eu inventara para mim. É que eu não conseguia esquecer a impressão encantadora que conservara dos ensaios de ópera, do efeito do ritmo ao som da música. Não podia deixar de perceber que os cantores davam um jeito de combinar ao mesmo tempo vários ritmos totalmente diversos: a orquestra e o compositor mantêm seu ritmo, o canto segue por vias obrigatoriamente paralelas a ele, mas o coro levanta e baixa automaticamente os braços em outro ritmo, assume um terceiro ritmo; dependendo do estado de ânimo, cada cantor atua, ou melhor, nada faz em seu ritmo, ou, mais exatamente, em qualquer ritmo.

Demonstrei a Komissarjevski a necessidade de cultivar o ritmo físico para o cantor. Ele se deixou levar por minha ideia. Já encontráramos acompanhador-improvisador e passávamos fins de tarde inteiros em movimento, sentados ou calados em ritmo. Infelizmente o Conservatório não permitiu que Komissarjevski organizasse a turma projetada e os nossos ensaios cessaram. Mas desde então eu mal escuto música, sinto irromperem em mim movimentos rítmicos e mímica nas mesmas bases em que me parecia ouvi-los naquele tempo. [...]

Percebendo o campo do ritmo mas sem ter plena consciência dele, esqueci-o por algum tempo (Stanislavski, 1989, p. 131 – 132).

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É perceptível o papel que a música teve na vida de Stanislavski em diversos momentos e em diferentes aspectos de sua arte. É possível afirmar que ele nunca esteve dela muito distante, seja na infância e juventude e, mais concretamente, na vida adulta. O mesmo, e, de maneira ainda mais forte, pode ser dito do teatro. Porém, Stanislavski era de uma família muito rica e “com nome”, e a profissão artística na Rússia era muito malvista e, assim, não condizente com a sua condição social. Ele tinha que arcar com compromissos e tinha que participar dos mais diversos comitês. Felizmente, em 1886, seu primo o convidou a ocupar uma cadeira de diretor na Sociedade Musical Russa e no Conservatório, junto com mais cinco diretores. Ele foi eleito em 17 de fevereiro “e começou imediatamente a trabalhar com compositores importantes como Tchaikovsky e o seu pupilo Taneiev” (Benedetti, 1999, p. 22)10. Isto foi para ele um alívio e

também ali estava uma oportunidade de aprender sobre música e observar pessoas a ela ligadas, “pessoas notáveis e de talento como Anton Grigorievitch Rubinstein e outros, que [...] causavam grande impressão e tiveram importância considerável” (Stanislavski,1989, p. 72) para o seu futuro artístico. Para Stanislavski,

Mesmo a comunicação superficial com grandes homens, a simples proximidade deles, a troca invisível de correntes espirituais, às vezes até a sua relação inconsciente com esse ou aquele fenômeno, algumas exclamações ou palavra lançada a esmo e a pausa eloquente deixam a sua marca em nosso espírito. Posteriormente, ao desenvolver e deparar-se com fatos análogos na vida, o artista recorda o olhar, palavras, exclamações e pausas de um grande homem, decifra-as e interpreta os seus verdadeiros sentidos (1989, p. 72).

10 “and immediately began working with leading composers such as

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O período em que Stanislavski atuou junto ao Círculo Aleksêiev (1877-1887) corresponde a sua formação enquanto círculo familiar e amador. Entretanto, mesmo nessa fase formativa, o que se percebe é um diferencial nesse jovem em relação a outros amadores em formação. Stanislavski desenvolveu uma apurada capacidade de auto-observação, e uma técnica, que com o tempo ficou muito sofisticada, de registrar as experiências e avançar em seus procedimentos crítico-analíticos. Essa fase em sua vida - no Círculo, em seus estudos musicais e no trabalho na Sociedade Musical Russa - contém as bases para a posterior elaboração do sistema para o trabalho do ator, e foi depurada com o trabalho, também posterior, desenvolvido como diretor de ópera. A questão da música, do ritmo e do tempo fez parte desde a formação inicial desse diretor, e essas noções se tornaram vitais para o desenvolvimento de seu sistema para a formação do ator e para o seu trabalho na ópera.

Vários procedimentos de pesquisa para o ator e para a cena, Stanislavski aprofundou nos dez anos, de 1888 a 1898, em que atuou como ator e diretor na Sociedade de Arte e Literatura. Seu trabalho seria profissionalmente realizado e experimentado nos anos seguintes, com o Teatro de Arte de Moscou.

1.4 OS ENCAMINHAMENTOS DA PESQUISA PARA O ATOR/CANTOR

Junto com Vladimir Ivanovich Niemirovitch-Dantchenko (1858-1943), Stanislavski fundou o Teatro de Arte de Moscou (TAM), em 1898. No TAM ele desenvolveu procedimentos cênicos para interpretação e criação do ator, “com o objetivo de renovar práticas tradicionais de encenação cujas bases concentravam na reprodução de modelos” (Fernandino, 2008, p. 30). Dentre os objetivos do TAM, estava criar um teatro nacional, onde se queria renovar a cena teatral russa e, ao mesmo tempo, abrir espaço para o chamado público “popular” (Guinsburg, 1985).

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mesmo ou que se valia de determinados truques que funcionavam durante curto período de tempo e que eram sempre reutilizados, não importasse a peça e sua história. Na proposta do TAM estava justamente trazer uma nova ideia de representação e de criação, que se baseava no trabalho individual do ator sobre si mesmo e para cada personagem, criando uma representação mais legítima e não-pautada em repetições de padrões estabelecidos.

Já nos primeiros anos do TAM, Stanislavski aplicou novas formas de concepção de espetáculo teatral, onde “a música deveria ser composta em função de cada espetáculo especificamente, e os figurinos deveriam ser submetidos, quando necessário, a uma pesquisa histórica” (Bonfitto, 2002, p. 22, grifo da autora). Ainda segundo Bonfitto (2002), o trabalho de ator, entretanto, até então era pouco desenvolvido pelo diretor russo e os modelos por ele utilizados ainda eram os mesmos “tradicionais”, ou seja, onde há a reprodução de um modelo já pronto. Com os primeiros textos encenados, especialmente os de Anton Tchékhov (1860-1904), uma nova estrutura foi sendo montada por Stanislavski, no que diz respeito à formação da personagem e essas ideias se baseavam inicialmente nos processos interiores de cada ator. Deve ser feita uma ressalva de que, apesar do trabalho do ator ser, no início do TAM, “pouco desenvolvido”, Stanislavski já vinha pesquisando e descobrindo caminhos para criar personagens, mesmo que ainda não conseguisse repassar tão bem tais resultados.

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fechados para novas pesquisas. O Teatro de Arte de Moscou tinha atingido um nome e prestígio e tinha também obrigações em relação à frequência das montagens e das apresentações. Porém, para Stanislavski a arte teatral era um constante movimento e busca, e requeria estudos e experiências que um teatro formal não poderia fornecer. Daí a necessidade da criação de estúdios, onde era possível continuar, então, as pesquisas.

A criação de estúdios como espaço de experimentação e pesquisa foi intensa no século XX.

Uma das principais realizações do Século XX teatral foi a afirmação absoluta da necessidade de existência de espaços de

desenvolvimento e sistematização de

pedagogias de formação de ator. Voltados a este fim, formaram-se núcleos, na maioria das vezes afastados do teatro comercial, nos quais se desenvolveram experimentos que alteraram definitivamente a visão ocidental de formação do ator. No início deste processo podem ser colocados o Primeiro Estúdio do Teatro de Arte de Moscou (TAM) e a Ecole du Vieux Colombier, de Jacques Copeau. Seus desdobramentos cronologicamente mais próximos podem ser analisados por meio dos trabalhos do Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski e do Odin Teatret, de Eugênio Barba, dentre outros (Scandolara, 2006, p. 01, grifo da autora).

A partir das novas pedagogias para o desenvolvimento do trabalho atoral, um espaço onde pudessem ser realizadas pesquisas, e certo conhecimento pudesse ser transmitido e aprofundado, se fez necessário e indispensável para a reforma que era promovida. E, conforme Neckel (2011), tais estúdios se baseavam na ideia da relação entre mestre e aprendiz, tendo como central e desenvolvedor dos trabalhos, um mestre encarregado em guiar as pesquisas.

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resultado final como espetáculo. É certo que os estúdios faziam apresentações e montagens, sim, porém, sem a pressão (e remuneração) das companhias e instituições de teatro.

Um trabalho minucioso não poderia ser realizado com as necessidades de renovação do repertório de um grande teatro, ou seja, com a urgência pelo resultado. É o

próprio Stanislávski (1989, p. 426) que diz: “o

trabalho de laboratório não pode ser realizado no próprio teatro com espetáculos diários, em meio a preocupações de ordem orçamentária, a difíceis problemas artísticos e as dificuldades práticas de um grande

empreendimento” (Neckel, 2011, p. 17).

Assim, tanto Stanislavski quanto Dantchenko tiveram, junto e separadamente do TAM, estúdios os quais trabalharam suas pesquisas individuais. Foi de mútuo acordo que a experimentação pura deveria ser realizada fora dos espaços do TAM. De acordo com Scandolara (2006, p. 02), o Primeiro Estúdio do Teatro de Arte de Moscou “teve um papel central na tradição teatral do século XX, porque tanto sua prática quanto o mito que foi criado em torno dele serviram de estímulo para outros renovadores do fazer teatral”. Dos estúdios do Teatro de Arte de Moscou, o Musical e o Terceiro e Quarto estúdios não tiveram a participação direta de Stanislavski (Scandolara, 2006, p. 24). Contudo, o que interessa para essa pesquisa é constatar a presença e desenvolvimento crescente destes espaços, pois foi justamente através dos estúdios e da criação de um estúdio específico, que Stanislavski passou pelo menos os últimos vinte anos de sua vida envolvido diretamente com ópera.

1.5 A ÓPERA RUSSA A SER MODIFICADA

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a vivência dos cantores e suas personagens na ópera. Era de se esperar que, diante das mudanças e novas perspectivas no processo criativo e na postura do ator diante do seu papel, da peça e de toda a encenação, a ópera, por ser uma modalidade artística encenada, também fosse atingida. A importância dessa fase de mudanças está na experimentação e nas pesquisas voltadas para a construção da personagem e no desenvolvimento profundo do ator em seu corpo-mente, colocando-o como centro do trabalho teatral. E, com isso, mudando definitivamente (nos trabalhos que se seguiram) fundamentos da prática teatral. Todavia, qual era a realidade da representação da ópera russa no início do século XX?

Essa não é uma pergunta fácil de ser respondida, já que a abordagem sobre a ópera russa é realizada quase que exclusivamente de um ponto de vista musical, ou seja, é fácil encontrar material sobre os compositores, as características das óperas, quando foram apresentadas, etc., mas um relato sobre a encenação, a atuação, ou até mesmo outros componentes do espetáculo de ópera, não são facilmente encontrados. Assim, para tentar entender a realidade da encenação da ópera russa no período, é a partir do material do próprio Stanislavski que podem ser encontradas indicações das formas “tradicionais” e “repetitivas” das encenações. Apesar de restrito, este material ajuda a confirmar o estilo de representação que Stanislavski contestava e que gostaria de modificar. Primeiramente, contudo, é preciso dar uma olhada nos acontecimentos sociais e musicais da Rússia que ainda mantinha encenações de ópera precárias em termos de atuação.

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o elemento não-aristocrata crescia a olhos vistos” (Coelho, 2001, p. 38). Além disso, a intenção do tzar Alexandre III era a de trazer um repertório russo para os teatros,

pois se dera conta do papel que o teatro e a ópera poderiam desempenhar na uniformização linguística e cultural de um império em que havia diversos povos de expressão não-russa. Essa era uma orientação muito importante, numa fase em que a Rússia se industrializava e dependia cada vez mais da formação de um amplo mercado nacional. Não é por acaso que os mais importantes mecenas e proprietários de teatros privados serão homens de negócios, ou, pelo menos, formados nesse meio (Coelho, 2001, p. 38).

Também na segunda metade do século XIX, um grupo de compositores, que ficou conhecido como Grupo dos Cinco, retomou a tradição deixada por Glinka de criar uma música estritamente russa e baseada no folclore do país. O movimento nacionalista era composto por Modest Mussorgski (1839-1881), César Cui (1835-1918), Nikolai Rímski-Kórsakov (1844-1908), Mily Balakirev (1837-1910) e Alexander Borodín (1833-1887). Pyotr Tchaikovsky (1840-1893) com o seu romantismo tardio também ajudou a dar qualidades específicas para a música russa e também compôs óperas, apesar de não terem sido seu ápice musical.

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sobreviver sobrecarregando os cantores com um grande número de espetáculos variados de forma a atrair o público. A qualidade de tais espetáculos era, consequentemente, nas palavras de Coelho (2001, p. 216), por muitas vezes medíocre.

Tais condições difíceis se deviam a fatores que abalaram a Rússia no início do século XX e dificultaram a vida não apenas dos artistas, mas de todos os cidadãos.

O início do século XX é, para a Rússia, uma época de desastres em sequência: o desmantelamento da frota nacional na Guerra Russo-japonesa, o motim do couraçado Potiômkin, as inúmeras greves, o massacre do Palácio de Inverno. À necessidade urgente de reformas políticas e sociais, reclamadas por todos os intelectuais, juntava-se a consciência dos artistas de que eram urgentes também as reformas estéticas (Coelho, 2001, p. 215).

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durante o acontecimento do mesmo, não fumar ou quebrar nozes e tirar os chapéus.

Do pedido dos teatros para a contratação de diretores de teatro, estava a preocupação em melhorar a sua parte encenada. A partir de colocações de Stanislavski, pode-se concluir que a representação até então ficava centrada na parte vocal, ou seja, em prol de uma boa impostação de voz, não importando a cena, os personagens e até mesmo a correta dicção das palavras, seja em russo ou em outros idiomas. Para Stanislavski,

se um instrumento introduz o tema da morte, o cantor sentirá as emoções correspondentes. Ele não deve negligenciar esses prelúdios e usar o tempo para limpar a garganta ou preparar a sua entrada, mas já deve, a essa altura, fazer parte do padrão contínuo, do desenvolvimento da vida de uma alma humana no papel que representa na peça (1988, p. 23, grifo da autora).

Fica claro, a partir deste comentário, que o procedimento cênico não estava imbuído de grande preocupação com a personagem ou o desenrolar da história, conforme Stanislavski desejava. Ademais, um procedimento então dominante consistia em levar em consideração apenas a estrela da peça, o cantor principal, dando mais importância para suas aparições e árias do que para o restante da história. Na época em que Stanislavski assistia às óperas com sua família, um fenômeno que ele considerava ainda mais desagradável acontecia:

Os membros do clube, que tinham assinaturas para a ópera italiana, jogavam carta durante todo o período noturno enquanto se desenvolvia o espetáculo, e só iam ao teatro para ouvir o ut diez do famoso tenor. Quando o espetáculo começava, as filas da frente ainda estavam incompletas, mas algum tempo antes da famosa nota começavam o ruído, o falatório e o rangido

de móveis. Era o congresso dos “peritos” –

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seguia-se o bis por várias vezes, e recomeçava o ruído: os membros do clube se retiravam para terminar o jogo. Uma gente sem gosto, vazia e incapaz (Stanislavski, 1989, p. 36-37).

A exemplo disso, mas de maneira mais extrema é a época do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883) onde o costume do encontro no teatro era mais exacerbado, ou melhor dizendo, verdadeiras transações comerciais aconteciam em meio aos espetáculos. Weber (1995, p. 172), faz uma boa descrição destes acontecimentos:

É bom lembrar que a sociedade da classe alta no século XVIII e início do século XIX era muito mais unida e pública das grandes cidades do que acontece hoje. Ia-se à ópera não apenas para “ser visto”, mas porque lá se realizava um grande volume de negócios pessoais e políticos; o poder da elite era articulado de forma ritual. A ópera servia a essas necessidades sociais e era, portanto, definida por elas. Isto não significava que as pessoas não ouvissem a música; elas iam para conhecer as árias principais de cor e compreendê-las de maneira sofisticada. Mas uma noite na ópera era uma coisa longa e descontínua, e centrava-se no cantor, isoladamente, muito mais do que na própria obra. Libretistas e compositores tinham de aceitar essas convenções, caso quisessem sobreviver em um mundo profissional de concorrência feroz (grifo da autora).

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espiritual na sociedade e no homem. Muito do desenvolvimento do teatro do século XX se deve às reformas que Wagner empreendeu na Alemanha. Apesar de toda a polêmica gerada não apenas sobre sua carreira profissional, mas também no âmbito pessoal e com relação às suas ideias filosóficas, ele conseguiu provocar uma valorização única do espetáculo de teatro. Dentre as reformas que conseguiu empreender, ele atuou junto à proibição dos “camarotes convencionais do teatro, desestimulando o aplauso durante os atos e apagando as luzes durante as récitas” (Weber, 1995, p. 173-174, grifo da autora). Apagar as luzes da plateia e fazer com o que o foco estivesse no palco, ou seja, no espetáculo, é um dos grandes ganhos que pudemos ter de Wagner. Além disso, ele se empenhou para a normatização e reconhecimento dos espetáculos e da atividade teatral e musical de concerto como um ofício com embasamentos teóricos e científicos, além da prática de treinamentos para o seu desenvolvimento. Em relação aos camarotes, Wagner queria uma nova formação teatral que em nada atrapalhasse o foco correto que o público deveria ter: o palco e a representação. O suprassumo de sua inventividade foi o teatro de Bayreuth, em 1876, um anfiteatro sem as galerias e camarotes, para ele perturbadores dos espetáculos.

Em relação ao cantor de ópera, Wagner já ressaltava a importância do não virtuosismo do ator, que muitas vezes “para o público o conceito de arte cênica se resume a esse virtuosismo” (Wagner, 2003, p. 120) 11. Este é um dos objetivos do trabalho de

Stanislavski e de outros reformadores do século XX, tanto na parte do teatro quanto da ópera: a eliminação das divas e de tudo que desviasse o foco da cena e do ator.

Outra característica que se reproduzia tanto no mundo da ópera quanto no do teatro falado é o histrionismo. Desse histrionismo percebia-se uma superatuação ou performance exagerada, onde os sentimentos das personagens, ou que seriam passados ao público, são substituídos por emoções genéricas, fabricadas a partir de truques e posturas já memorizadas e vazias de sentido, exploradas repetidamente em diferentes situações, motivos e peças. Em relação a isso,

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Stanislavski afirma que “é necessário desprender-se do preconceito que consiste em supor que é possível ensinar às pessoas “a atuar” certos sentimentos” (Stanislavski, 1999, p. 101)

12. E acrescenta que “o talento não é um milagre que apareceu

de repente caído do céu, senão o resultado do desenvolvimento da força humana do ator e da atenção dedicada por ele às forças que se encontram no mar fervilhante das vidas humanas que nos rodeiam” (Stanislavski, 1999, p. 102)13. Dessa forma, o ator ou

cantor que usava como recurso a “pura inspiração” para atuar ou aqueles que aprendiam formas de representar determinadas emoções eram justamente o tipo de atuação que Stanislavski condenava e gostaria de combater. Para ele a essência da arte vinha do artista e do seu trabalho individual, não podendo ser aprendidas formas prontas de expressar sentimentos.

Numa passagem de Minha Vida na Arte, Stanislavski afirma que perante seus olhos a arte vocal vinha caindo “e desfazendo-se o segredo da afinação da voz, do bel-canto e da dicção no canto” (1989, p. 37). Complementando-se com outros dizeres dele de que um artista de ópera precisa de “uma voz bem colocada que lhe permita cantar tanto as vogais quanto as consoantes” (1988, p. 22-23), é possível observar que, mesmo na matéria do canto as representações estavam deixando a desejar, ou mais especificamente no campo da dicção. O que acontecia é que, em prol de uma maior projeção ou colocação de voz, por exemplo, cantores pecavam em relação à pronúncia do idioma, seja por sílabas ou palavras inteiras, fazendo com que o canto na ópera, que é aliado a uma história, transmite uma mensagem e baseia-se em palavras que têm significado e são ligadas umas às outras em uma frase com um sentido lógico, ficasse sem o seu real sentido.

12“es necesario desprenderse del prejuicio que consiste en suponer que

es posible enseñar a la gente "a actuar" ciertos sentimientos”.

13 “el talento no es un milagro que ha aparecido de repente caído del cielo, sino el fruto del desarrollo de la fuerza humana del actor y la atención dedicada por él a las fuerzas que se encuentran en el bullente

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CAPÍTULO II OS ESTÚDIOS DE ÓPERA

“[...] todo trabajo creador es una serie

de situaciones donde se afirma la

vida”

(Constantin Stanislavski)

Em meados do outono de 1918, Elena Konstantinova Malinovskaia (1875-1942), tendo tomado a frente da direção dos Teatros Acadêmicos do Estado, em Moscou, propôs uma colaboração entre o Teatro de Arte de Moscou (TAM) e o Teatro Bolshoi, de forma que firmassem uma parceria de atuação conjunta. Malinovskaia, que muito fez pelos teatros e cuidou pessoalmente de atores e cantores que passavam dificuldades no período caótico pós-revolução, tinha como objetivo melhorar a cultura teatral dos cantores de ópera, e propôs uma reforma para os espetáculos realizados na época. Segundo Benedetti (1999), ela também tinha a preocupação em treinar uma nova geração de cantores, o que ocorreu a partir da criação do Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi. O surgimento da cooperação entre os dois teatros não foi totalmente aleatória. Além de, obviamente, o notório trabalho que o TAM já vinha fazendo e da importância que tinha alcançado, no Primeiro Estúdio, em 1915, Stanislavski havia tido uma experiência com cantores do Teatro Bolshoi, realizando exercícios com os mesmos e começando a ver de maneira ainda mais clara o papel do tempo-ritmo, segundo afirma Ruffini (2012, p. 96).

A primeira aproximação entre o TAM e o Teatro Bolshoi ocorreu em dezembro de 1918, com um banquete oferecido pelos artistas do Teatro Bolshoi aos artistas do TAM. Stanislavski assim o descreve:

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nosso teatro, os solistas da ópera puseram-se em fila no estrado e solenemente entoaram uma canção composta para a ocasião. Depois houve o jantar amistoso com discursos e saudações mútuas (1989, p. 510).

Tanto os cantores do Bolshoi quanto os atores do TAM fizeram pequenas apresentações, tais como canções, esquetes, danças, números de mágica. Ambos os teatros pareciam dispostos e satisfeitos com a aproximação. Alguns dias depois do banquete, Stanislavski promoveu o primeiro encontro com os cantores para responder a perguntas, demonstrar suas ideias representando e até mesmo cantando. As paixões até então adormecidas foram acordando e mais uma vez “o amor pela ação rítmica acompanhada de música” (Stanislavski, 1989, p. 511) se apresentava a Stanislavski.

Nemirovitch-Dantchenko e Stanislavski trabalharam separados neste projeto. O primeiro participou diretamente de grandes produções do Bolshoi e criou o Estúdio Musical do Teatro de Arte, em 1919, no qual Stanislavski não teve nenhuma participação. Este último, por sua vez, começou a trabalhar com um grupo de cantores em sua casa em Carriage Row, formalizando assim a criação do Estúdio de Ópera do Teatro Bolshoi.

(49)

mise-en-scène com as suas fancarias ou usar o Estúdio para chegar ao Teatro Bolshoi” (1989, p. 513).

Dificuldades iniciais atrasaram o bom andamento dos trabalhos. Além de tais entraves com alguns cantores, o estado do país, como já mencionado anteriormente, era caótico. Havia escassez de alimentos, racionamento de gêneros essenciais. Os artistas precisavam trabalhar muito, dar mais concertos, para conseguirem, minimamente, sustentarem-se. Os primeiros cantores a frequentar o Estúdio de Ópera, consoante citado, eram cantores já participantes do Teatro Bolshoi e, segundo Stanislavski, este grupo

[...] fez grandes sacrifícios em prol da nossa iniciativa e se comportou heroicamente. Todos trabalhavam de graça, e ainda por cima num período em que a vida não entrara nos eixos após as primeiras tempestades revolucionárias. Muitos cantores dotados de vozes maravilhosas eram forçados a caminhar pela neve e na umidade sem galochas, com calçados gastos. E mesmo assim faziam tudo o que estava ao seu alcance para frequentar as aulas do Estúdio. Mas havia condições contra as quais eles não podiam lutar. Suas apresentações frequentes nos espetáculos de ópera do Teatro Bolshoi eram um obstáculo insuperável às suas aulas regulares no Estúdio: eram constantemente desviados, ainda pelos concertos que davam para garantir um pedaço de pão (1989, p. 511).

Imagem

Figura  01  –   Stanisalvski  como  Nanki-Nu,  na  opereta  Mikado,  Círculo  amador Aleksêiev
Figura  02  -  Da  esquerda  para  a  direita:    Ivan  Moskvin,  Constantin  Stanislavski, Feodor Chaliapin, Vasili Kachalov, Saveli Sorine, nos USA  em 1923
Figura  03:  Salão  na  casa  da  Alameda  Leontievski,  onde  ensaios  e  performances eram realizadas
Figura 04  –  Linha do tempo dos estúdios de ópera de Stanislavski  Após a sua morte, em 1941 foi criado o Teatro Musical de  Moscou  Stanislavski  e  Nemirovitch-Dantchenko 29 ,  a  partir  da  união definitiva do Teatro de Ópera de Stanislavski com o Tea
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Referências

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