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CAPÍTULO III PROPOSIÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA A

3.2 O ESPAÇO CENOGRÁFICO

Esta parte do trabalho tem por objetivo analisar brevemente como Stanislavski pensava o espaço e o cenário das óperas que dirigiu. Pois, além de se preocupar com a direção de virtuosa técnica vocal, dice las palabras de su papel, me veo cautivado por su maestría. Si observa el ritmo adecuado y, al margen de la voluntad, él mismo se deja arrastar por el ritmo y la fonética de sus propias palabras, me deja impresionado”.

42 “The principal objective which Stanislavski set for his young singers was a union of their musical, vocal technique and of living their parts in the flesh. This latter required a subtle sense of musical rhythm in order to produce fluent physical movement of the actor’s entire physical makeup”.

cena e dos atores, ele tinha em mente a concepção total do espetáculo, preocupando-se com a disposição do cenário até os mínimos detalhes.

Em suas montagens, Stanislavski não apenas retratava um local descrito pelo compositor e libretista e/ou em determinada época. Seus cenários, sempre de acordo com as possibilidades financeiras disponíveis, eram desenvolvidos com muito cuidado e de forma a representar ora uma situação, ou “clima” de uma residência, ou até mesmo um sentimento predominante da cena ou de uma personagem. Muitas vezes eles refletiam um verdadeiro estilo de vida de uma ou mais personagens de determinada história. De uma ou outra forma, eles contribuíam para o entendimento da história. E da mesma maneira com que Stanislavski queria harmonizar a música, o canto e a representação, os cenários também deveriam fazer parte desta unidade maior que era o espetáculo.

As óperas dirigidas por Stanislavski ao longo dos anos foram realizadas em diferentes espaços, como no Teatro de Arte de Moscou, na casa da Alameda Leontievski e no Teatro Dmistrovski. Cada espaço e cada história pedia, evidentemente, uma proposta diferente e um olhar específico que reproduzisse as emoções e as características da atmosfera central da história. Por exemplo, na montagem de Eugène Onegin (1922), a então recente mudança para a casa na Alameda Leontievski proporcionou um espaço novo e que foi totalmente adequado para o espetáculo, na visão de Stanislavski. O salão onde os ensaios e a montagem foram realizados possuía grandes colunas que foram imediatamente incorporadas à cena. Eram quatro colunas que dividiam desigualmente o grande salão. Na parte menor foi alocado o palco; a parte maior foi reservada para a audiência. Vale a pena comentar que essa produção obteve um grande sucesso na Rússia e, a partir dela, as colunas começaram a fazer parte da tradição do cenário desta ópera.

Segundo Rumyantsev (1998, p. 47), apesar da qualidade modesta do palco, “ele continha, no entanto, aquele fator crucial para o qual o teatro existiu – a veracidade das emoções

humanas”43. Essa produção, diferentemente do que se esperaria

de Stanislavski, foi no estilo de câmara, sendo executada a diminuição orquestral para piano, feito uso mínimo de cenários e uso nenhum de figurinos e maquiagem. Os cantores-atores, que estavam próximos do público devido ao espaço do salão, não tiveram adereços os quais pudessem neste aspecto auxiliá-los e, conforme Benedetti (1999, p. 259), “os cantores estavam por si sós”44. O “uso mínimo de cenários” não significava que os

elementos essenciais de uma produção teatral não estavam presentes. Segundo Rumyantsev (1998), todo o equipamento e contra-regragem – em miniatura do complexo aparato teatral – foi executado pelos aspirantes do Estúdio.

A disposição dos cenários foi realizada na direção oposta ao que era comumente produzido. Rumyantsev (1998, p. 48), assim descreve a primeira cena da ópera:

A primeira impressão do espectador era claramente o da quase tangível, aconchegante, calma vida na casa dos Larin. Cabia a ele imaginar o velho parque que Madame Larina e a Enfermeira estão olhando, com olhos de admiração, o pôr do sol sobre os campos tranquilos, ao som de camponeses cantando enquanto voltam para casa do trabalho. A alma do espectador era tão facilmente apanhada no mundo de personagens de Pushkin como se ele estivesse lendo a história45.

43 "it nevertheless contained that all-important factor for which the theatre existed - truthfulness of human emotions”.

44“The singers were on their own”.

45“The onlooker’s first impression was clearly that of the almost tangible, cozy, calm life in the Larin’s home. It was left to him to imagine the old park which Madame Larina and the Nurse are looking into with admiring eyes, the sun setting over the tranquil fields, the sound of peasants singing as they come home from work. The soul of the onlooker was as easily caught up in the world of Pushkin’s characters as if he were reading the story”.

Talvez Stanislavski tenha pensado em usar a imaginação do espectador em favor da interpretação dos cantores-atores ou talvez, pela falta de recursos e espaço, ele tenha chegado a esta ideia. Sendo por uma ou outra razão, o fato é que, já no início da obra, ela causou uma impressão diferente no público e obteve resultados melhores para apreensão dos versos de Pushkin. Ademais, os cantores tiveram que testar e provar seus conhecimentos de atuação desenvolvidos no Estúdio, pois, havia a proximidade com o público, a falta de adereços, e cenas como esta, onde o foco não era repartido com o cenário e ficava totalmente nos cantores-atores, que tinham também a tarefa de suscitar no público as imagens mencionadas.

Figura 05: Terceira cena do primeiro ato de Eugène Onegin, da produção de 1926. Na foto, Tatiana e Onegin, interpretado por Pavel Rumyantsev. Detalhe para as colunas do salão da casa na Alameda Leontievski.

Figura 06. Quarta cena do primeiro ato de Eugène Onegin, da produção de 1926. Jantar com convidados no baile dos Larin.

Fonte: Stanislavski on Opera (1998).

Outro exemplo de como Stanislavski trabalhou os cenários de suas produções de forma a harmonizarem-se com a história e como sua percepção era mais detalhada e vívida sobre o espaço da representação do que outras montagens de seu tempo, é a ópera La Bohème (1927). Nela, Stanislavski chegou a modificar indicações de cenário do libreto para que o ambiente proposto ficasse mais de acordo com as suas ideias da cena. Rumyantsev (1998, p. 213), assim descreve o cenário da primeira cena, como sugerido pelo libreto: “[...] uma mesa, uma pequena estante, um guarda-louças pequeno, quatro cadeiras, um cavalete, uma cama, livros espalhados, pastas, dois castiçais, duas portas, uma no centro, a outra para a esquerda. Uma lareira ao lado esquerdo”46.

Para Stanislavski, se as instruções fossem seguidas à risca, seria criada uma sala aconchegante para um jovem artista.

46“… a table, a small bookcase, small sideboard, four chairs, and easel, a bed, scattered books, portfolios, two candlesticks, two doors, one in the centre, the other to the left. A fireplace is on the left”.

O autor do libreto não parecia ter levado em conta a condição de pobreza do local, ou, como Rumyantsev assinala (1998, p. 213), “pobreza despreocupada”47 em que as personagens viviam. As

verdadeiras “cores” do local não estariam bem representadas se fossem mantidos todos os apetrechos para esta cena. Para Stanislavski, o guarda-louças, os adornos, cama e estante numa morada miserável, não eram aceitáveis. Elas interfeririam na ideia principal da ópera, que era “[...] que a pobreza que corrói, muitas vezes, vive lado a lado com a generosidade despreocupada; que mesmo num sótão vazio e desconfortável, a alegria, o humor e até mesmo o amor mais tenro não somente podem existir, mas, de fato, existem”48.

Para deixar a casa aconchegante, bastava que tivesse um pouco de fogo para deixa-la mais clara e quente; assim, ela ainda demonstraria a pobreza e ao mesmo tempo alegria em que viviam os dois amigos. Também, como a ópera seria localizada temporalmente numa Paris moderna em sua produção, a lareira foi substituída por pequenos fogões de ferro, que eram o que provavelmente seria encontrado em sótãos como o desta ópera, assim como nas casas mais pobres da Rússia. Além destas modificações, existia também a preocupação com a aparência dos apetrechos colocados em cena. Havia um divã onde uma das duas personagens dormia, e este precisava estar em estado deplorável, como se tivesse sido jogado fora por uso prolongado. Já o cobertor que serviria para cobri-la enquanto dormia, este poderia ser de um estado melhor. Cada detalhe era de suma importância, para não destoar dos propósitos da história e acabar contradizendo a proposta.

Em Boris Godunov (1928), as necessidades eram outras: as mudanças de cenários precisavam ser feitas quase que instantaneamente. Stanislavski repassou esse problema à equipe de produção e a solução encontrada foi um palco giratório, que

47“carefree poverty”.

48“[…] that gnawing poverty often lives side by side with carefree open handedness; that even in a bare, uncomfortable attic room gaiety and humour and even the tenderest love can and do exist”.

rapidamente passava de uma a outra cena, levando a transição aproximadamente um minuto.

Figura 07: O planejamento espacial para as três primeiras cenas de Boris Godunov. Proposta de palco giratório com três cenários diferentes.

Fonte: Stanislavski on Opera (1998).

É importante ressaltar que a preocupação de Stanislavski não se limitava a manter o cenário e o espaço da cena de acordo com a história e o período temporal proposto, ou em suscitar no público algum sentimento ou atmosfera. Diferentemente do teatro falado, na ópera é preciso levar em conta um fator técnico: o canto. Isso significa que, mesmo em locais com boa acústica ou casas de ópera apropriadas, a posição do cantor é algo a ser levado em consideração quando a cena e a sua disposição é planejada. Isto vai além do conteúdo do cenário, e sim, como a

sua disposição auxilia na história, na cena, no desenrolar da trama, e nas movimentações dos cantores-atores. Sobre isso, Stanislavski comentava que era necessário planejar a montagem de um espetáculo de ópera e a construção dos cenários de forma que os cantores realmente tivessem que estar na parte da frente do palco, ou seja, fossem forçados a chegar, pelo plano da cena, a determinado lugar nos momentos principais. Assim, eles não apenas para lá caminhariam sem propósitos claros e sem levar em conta o cenário, a não ser, por exemplo, sair de cima das luzes para poderem enxergar o maestro. “A habilidade de arranjar configurações no palco que sejam necessárias e confortáveis para os cantores-atores é uma das funções importantes de um diretor de ópera” (Stanislavski; Rumyantsev, 1998, p. 247)49. Ou seja, construir o cenário e planejar a cena, tomava de Stanislavski não somente a harmonização dos mesmos com a história, como também era preciso levar em consideração a projeção da voz e a relação do cantor com o maestro.