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PARTE II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO (REVISÃO DA LITERATURA)

CAPÍTULO 2 – ENQUADRAMENTO DOS SERVIÇOS DE DESPORTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.3. AS AUTARQUIAS LOCAIS: CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO

institucional do Estado compreende a existência de autarquias locais, pessoas colectivas de base territorial dotadas de órgãos representativos e autonomia administrativa e financeira, e que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (artigo 235.º). No continente, as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (artigo 236.º/1), embora estas últimas ainda não tenham sido instituídas em concreto (artigos 255.º e 256.º).

Os municípios são as autarquias locais que visam a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos. A sua importância é referida na “Carta Europeia da Autonomia Local”, a qual defende que as autarquias locais são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático e que a sua existência permite uma administração simultaneamente eficaz e próxima do cidadão.

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De igual forma, para Amaral (1999), o município é a mais importante de todas as autarquias locais e a sua importância pode ser avaliada segundo várias perspectivas, como se procura sintetizar na tabela seguinte:

Tabela 2.3.1. - A importância do município

Perspectiva Justificação

Internacional O município tem existência internacional.

Histórica É a única autarquia que se mantém na organização administrativa portuguesa

desde a fundação do país.

Política O município é o promotor da democracia local e um limite ao poder central

do Estado.

Económica É responsável pela prestação de muitos serviços à comunidade e por

consideráveis investimentos públicos.

Administrativa Os municípios empregam um número significativo de funcionários.

Financeira A administração municipal movimenta uma percentagem significativa do total

das finanças públicas.

Jurídica O direito municipal esteve na origem do Direito Administrativo Português

Doutrinária A concepção do Estado, da Democracia e do Poder é directamente

influenciada pelo nível municipal.

Fonte: Adaptado de Amaral (1999)

Actualmente, em Portugal existem 308 municípios, dos quais 278 situam-se no Continente, 19 na Região Autónoma dos Açores e 11 na Região Autónoma da Madeira.

Segundo o Anuário Estatístico de Portugal (2008), residiam em Portugal 115,4 indivíduos por km2, verificando-se uma distribuição não homogénea. Dos 308 municípios, 116 exibiam

densidades populacionais superiores à média nacional, ocupando apenas um quinto da superfície nacional. No Continente, a concentração é mais intensa no Litoral, numa faixa que liga Viana do Castelo a Setúbal, verificando-se uma bipolarização em torno das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Pelo contrário, o Interior do Continente apresentava densidades populacionais reduzidas, em consequência de um processo de despovoamento que se tem verificado nas últimas décadas. Na ilha da Madeira, era perceptível um contraste entre o Norte, com densidades populacionais mais reduzidas, e o Sul, mais densamente povoado e onde se evidenciava um contínuo formado pelos municípios de Câmara de Lobos, Funchal, Santa Cruz e Machico, destacando-se claramente o município do Funchal face aos restantes, com uma densidade populacional de 1 300 habitantes por km2. Na Região

Autónoma dos Açores, as densidades mais expressivas encontravam-se nas ilhas de São Miguel e da Terceira, constituindo Lagoa e Ponta Delgada, em São Miguel, os únicos municípios açorianos com uma densidade populacional acima dos 250 habitantes/km2.

Relaticamente aos órgãos representativos do município, estes são a assembleia municipal (órgão deliberativo) e a câmara municipal (órgão executivo). O quadro de competências e regime jurídico de funcionamento destes órgãos consta da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, republicada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.

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As atribuições das autarquias locais expressam o reconhecimento da existência de interesses próprios das populações locais, cuja prossecução deve caber aos órgãos administrativos que representam essas populações. A Lei nº 159/99, de 14 de Setembro identifica as seguintes atribuições dos municípios que se representa na Tabela 2.3.2.:

Tabela 2.3.2. - Atribuições do município

Equipamento rural e urbano Habitação

Energia Protecção civil

Transportes e comunicações Ambiente e saneamento básico

Educação Defesa do consumidor

Património Cultura e Ciência Promoção do desenvolvimento

Tempos livres e desporto Ordenamento do território e urbanismo

Saúde Polícia municipal

Acção Social Cooperação externa

Fonte: Lei n.º 159/99 de 14 de Setembro

Esta listagem de atribuições representa apenas um conjunto de matérias ou domínios de administração em que os municípios podem, ou não, intervir. Considerando, como já foi referido, os interesses próprios das populações locais, o âmbito e a profundidade de intervenção dos municípios são muito diversos.

Torna-se, assim, difícil enunciar de forma absoluta o conjunto de matérias ou assuntos de estrita exclusividade dos municípios em cada uma das atribuições referida na Lei.

A Câmara Municipal, para além de “órgão representativo” ou “órgão executivo colegial do

município” (conforme é expresso na Constituição da República Portuguesa), é um sistema

organizativo autónomo, dotado de uma estrutura administrativa interna, de recursos humanos e de meios financeiros próprios que permitem o seu funcionamento e caracterizam a sua especificidade enquanto organização. Essa estrutura organizativa difere de município para município, pois embora a Lei N.º 169/99 de 18 de Setembro estabeleça o seu regime jurídico de funcionamento, não determina a forma como cada Câmara Municipal se estrutura internamente. Consequentemente, e dentro dos limites impostos pela legislação, cada município possui uma estrutura organizacional particular, determinada por um conjunto vasto de factores.

Como afirma Fukuyama (2006: 55), “não há uma forma óptima de organização, tanto no

sector privado como nos organismos públicos” e, assumida a inexistência de regras

globalmente válidas para a concepção das organizações, isso significa que o campo da administração pública está necessariamente mais perto de ser uma arte do que uma ciência. Nesse sentido, a influência da informação específica do contexto dificulta a identificação de «boas práticas» generalizáveis a outras organizações, devendo ser sempre considerada no planeamento da estrutura das entidades da administração pública.

Segundo Lopes (1990), os factores que contribuíram para a emergência da necessidade do Planeamento Municipal podem-se sistematizar em torno de quatro ordens de razão:

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- o papel do Planeamento enquanto instrumento de mobilização dos recursos e potencialidades endógenas de desenvolvimento é realçado em momentos de inexistência de crescimento económico;

- os novos enfoques teóricos do Desenvolvimento enfatizam o Desenvolvimento Local como conceito não meramente quantitativo mas também qualitativo, fazendo apelo às especificidades socioterritoriais do desenvolvimento e à pequena escala de actuação. Começa-se a entender o Planeamento como um instrumento privilegiado de promoção do Desenvolvimento Local, num contexto ascendente de integração territorial;

- à escala local, o Planeamento evidencia-se como um processo em que os conflitos surgem de forma explícita. Logo, o Planeamento do Desenvolvimento Local necessita de dispor de estruturas institucionais que o administrem, por forma a conferir-lhe legitimidade social e eficácia;

- finalmente, a institucionalização de estruturas representativas das comunidades locais, dotadas de autonomia, conduziram a que, face às repercussões locais da crise e ao alargar os objectivos do Desenvolvimento à satisfação das necessidades básicas da população, aquelas estruturas revelassem uma atitude progressivamente «intervencionista» na esfera do Desenvolvimento Local, carecendo de instrumentos de suporte a essa intervenção.

O planeamento municipal surge profundamente associado às tendências de descentralização administrativo-territorial e à necessidade de dar voz aos interesses específicos das colectividades locais, e à sua mobilização em ordem ao desenvolvimento. Contudo Garcia (2005), assinala um conjunto de aspectos que dificultam a autonomia e implementação do Planeamento ao nível municipal. Efectivamente, as cidades têm elaborado planos estratégicos que, embora trazendo consigo acordos entre a sociedade civil e o governo local, têm como objectivo mais a competição com as outras cidades do que a redistribuição dentro da própria cidade. Por outro lado, o autor refere que a alegada autonomia destes programas de desenvolvimento económico local face às elites económicas e políticas nacionais esconde, por vezes, o facto de que os governos centrais terem deixado de se responsabilizar pelas políticas de investimento e de emprego locais no momento em que favoreceram a descentralização do estado a favor das regiões e das cidades. Esta descentralização pressupôs, com frequência, uma maior responsabilidade política na altura de gerir crises económicas, e em especial as de emprego sem que, por esse motivo, se tivessem aumentado os recursos públicos para as enfrentar. Desse modo, as cidades que se distinguem por haver criado estratégias de crescimento tornam-se – em boa medida – mais desiguais internamente e susceptíveis de, com maior probabilidade, experimentarem tensões sociais.

Para Garcia (2005), o contexto social pode ser explicado com base em quatro conjuntos compostos por diversas variáveis:

a) Num primeiro conjunto confluem a situação socioeconómica global e nacional e o modelo de desenvolvimento local. As tendências sociodemográficas locais, tais como as tipologias das

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famílias e dos grupos domésticos, os grupos de idades, as minorias étnicas e os imigrantes, são elementos que importa analisar. Quanto mais dinâmico for o modelo de desenvolvimento económico local, maior fluidez tenderá a existir entre os diversos níveis territoriais (global, nacional, regional e local);

b) O segundo conjunto incorpora o sistema político. O tipo de governo local (com maior ou menor autonomia) e a cultura política explicam a capacidade participativa dos grupos de interesse e a forma de mediar os conflitos que surgem entre eles. Poderá existir uma cultura de consenso e de inclusão política de um leque variado de sectores sociais ou predominará uma cultura burocrática que cria obstáculos à participação diária nos processos de decisão, mas que provoca também a aparição de movimentos radicais em certas conjunturas históricas;

c) Um terceiro conjunto, próprio da sociedade civil, é composto pela rede associativa, pelos grupos de interesse organizados e, de modo crescente, pelo sector do voluntariado. As redes institucionais público-privadas e os modelos de intervenção na resolução de problemas, tais como o da exclusão social, estarão em grande parte determinados pelas variáveis do conjunto anterior, ou seja, pelo sistema político e pela cultura política;

d) Um quarto conjunto, o da cidadania, é aquele no qual se cristalizam os modelos de integração social, a cultura da responsabilização cívica, a prática da democracia. Dentro deste conjunto é necessário analisar as tensões que podem originar-se entre as tendências para um maior individualismo e a busca de consensos tendentes a conseguir uma maior coesão social. A participação activa dos cidadãos e o confronto entre diversas opções são elementos chave para fomentar o debate democrático.

Existe ainda uma variável transversal a todos estes conjuntos e que Garcia (2005) refere como o papel desempenhado pelos líderes locais. A gestão dos conflitos entre os diversos interesses locais e o êxito da negociação com entidades nacionais e internacionais depende, em grande parte, da capacidade destes líderes para mobilizarem as forças sociais e para cultivarem a democracia local.

Pode-se pois afirmar, de acordo com a posição de Montalvo (2003), que o município ganhou protagonismo como agente dinamizador do desenvolvimento local, catalisou múltiplas iniciativas da sociedade civil e serviu de placa giratória de parcerias entre os sectores público, privado e social. Para além de se legitimar pelo sufrágio directo dos seus órgãos, o município legitimou-se pela sua acção, ampliando o seu campo de intervenção, expandindo a sua estrutura administrativa, criando mecanismos de dependência da sociedade civil pela oferta de empregos e subsídios, ou seja, repetindo à escala local, o modelo do Estado- providência. Porém, ao mesmo tempo, a organização municipal vem perdendo a posição de monopólio no processo de desenvolvimento do território, deixando, em muitas situações, de marcar o ritmo da vida local e passando a ter que repartir o palco com outros actores, e a conjugar com eles as suas iniciativas.

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Estes fenómenos determinaram a instituição de um novo modelo de gestão pública municipal, marcado fundamentalmente por alterações ao nível das estruturas políticas e administrativas do município e da forma destas conviverem com outros agentes públicos e privados que interagem no mesmo território.

Um dos sectores onde esse novo modelo de gestão pública municipal se concretiza é o sector do desporto, o qual nos últimos anos, tem evidenciado alterações significativas na constituição dos seus principais actores, nas suas instituições e nas formas como as interacções ocorrem e se materializam em novos serviços para os cidadãos.