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PARTE II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO (REVISÃO DA LITERATURA)

CAPÍTULO 4 – A INOVAÇÃO NOS SERVIÇOS

4.2. DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS

A economia clássica estabelece que os “bens” devem ser entidades sobre as quais os direitos de possessão possam ser estabelecidos e trocados. Adam Smith (1776), na sua obra “A Riqueza das Nações”, distingue os bens dos serviços ao referir que os bens são o resultado do trabalho produtivo que pode ser armazenado, inventariado e trocado por outros bens e o trabalho improdutivo que, embora necessário e honroso, não produz nada pelo qual outra quantidade idêntica de serviço possa ser trocada; este tipo de trabalho deixa de ter valor no exacto momento da sua produção.

A posse de bens significava riqueza. Ao descrever os prestadores de serviços como improdutivos era provocativo, mas Smith (1776) não considerava que o trabalho de funcionários da administração pública, das forças armadas, dos advogados, médicos, escritores ou músicos fosse desprovido de criação de benefícios assinaláveis.

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Pela metade do século XX, a maioria dos economistas – com a excepção de alguns pertencentes a países socialistas – consideravam irrelevante e obsoleta a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo, considerando que o fim último da actividade económica é o consumo e não a formação de capital como anteriormente era considerado. Desta forma, era validada a contribuição económica dos serviços uma vez que eles eram vendidos a um preço que reflectia os seus benefícios para os consumidores (Lovelock e Gummesson, 2004).

Durante os anos 1970 e 1980, os investigadores interessados no sector dos serviços procuraram realçar uma mensagem comum: os serviços possuem desafios de gestão particulares que não são explicados nem estudados pela teoria e pelo ensino da actualidade, são antes baseados no contexto da indústria transformadora e extractiva, cujo output é medido pelos bens produzidos (Judd, 1964; Levitt, 1972; Hill, 1977; Chase, 1978; Bateson, 1979; Berry, 1980).

Para além desse aspecto, como afirma Miles (2008: 120), “o termo serviço é utilizado para

muitas coisas diferentes e existe uma variabilidade muito grande nos mercados, funções e estrutura de emprego no sector dos serviços”.

Lovelock e Gummesson (2004) colocam em causa a validade e utilidade do paradigma dominante no estudo dos serviços, nomeadamente a aceitação de que as suas principais características são a intangibilidade (ou imaterialidade), a heterogeneidade (também definida como variabilidade, inconsistência ou não estandardização), simultaneidade (ou inseperabilidade de produção e consumo) e perecibilidade (com a sua implicação na dificuldade de inventariar os resultados do serviço) e que são elas que os distinguem dos produtos. Os autores propõem um paradigma alternativo, baseado na premissa de que as trocas no mercado que não resultam numa transferência da propriedade do vendedor para o comprador são, fundamentalmente, diferentes daquelas que resultam nessa transferência, defendendo que os serviços oferecem benefícios através do acesso ou posse temporária em vez de propriedade, com os pagamentos tomando a forma de rendas ou taxas de acesso. Esta abordagem permite desenvolver uma nova perspectiva de análise dos serviços e considera-se útil no âmbito da presente investigação.

Nesse sentido, os serviços, definidos genericamente como actos, actividades, performances ou esforços, possuem características diferentes dos bens, definidos como artigos, materiais, coisas, objectos, e essas diferenças colocam problemas únicos e que não podem ser abordados tendo como referência o conhecimento baseado num paradigma clássico (Lovelock e Gummesson, 2004), como pode-se observar na Tabela 4.2.1. em que se procura identificar as limitações das características associadas à tradicional definição dos serviços:

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Tabela 4.2.1. - Limitações das características tradicionalmente associadas com os serviços

Característica Definição Limitações do conceito

Intangibilidade Nos serviços existe uma imaterialidade do que é transaccionado

Alguns serviços possuem alguma tangibilidade e não são particularmente interactivos (ex.: empresas de limpeza industrial produzem resultados tangíveis com pouco contacto humano necessário).

Muitos serviços envolvem actividades tangíveis que ocorrem durante o processo de realização do serviço e que são facilmente percebidas pelos consumidores, e o seu principal objectivo quando adquire o serviço (p.ex. os serviços de cabeleireiro, o sentimento de bem-estar após uma massagem, uma relva aparada depois do serviço de jardinagem, etc.).

Inseparabilidade Nos serviços existe

simultaneidade de produção e consumo

Existe um elevado número de serviços “separáveis” que não envolvem directamente o consumidor, pelo que a produção e o consumo podem não ser simultâneos. Em muitos casos, os consumidores recorrem a esses serviços, exactamente para evitarem terem de ser eles próprios a realizar a actividade (ex.: mudança de óleo de um carro, aparar a relva, serviços de limpeza de roupa ou habitações, etc.). Os clientes estão dispostos a pagar um determinado valor para serem outras pessoas a executarem o serviço. Heterogeneidade Os serviços apresentam variabilidade, inconsistência ou não estandardização

A dificuldade na estandardização dos serviços é colocada em causa, já que melhores processos de controlo de qualidade, padronização dos módulos e a tendência no sentido da automatização dos serviços diminui a sua variabilidade em termos de qualidade técnica, pelo que será inapropriado continuar a generalizar sobre a heterogeneidade dos serviços como sendo uma das características que diferencia os serviços dos bens. Perecibilidade Os serviços não

podem ser guardados, armazenados para serem utilizados mais tarde, vendidos novamente ou devolvidos.

A perecibilidade é um conceito multidimensional que inclui a capacidade de produção, o resultado da produção, a performance percebida pelo consumidor e o resultado que este obtém do serviço. A capacidade de produção é perecível na indústria transformadora e nos serviços e, nos dois casos, é desperdiçada se não for utilizada. Do ponto de vista do consumidor, os resultados de muitos serviços são duráveis e, em alguns casos, irreversíveis. Também é possível, em muitos casos, reproduzir esses serviços em determinados suportes para mais tarde serem utilizados.

Fonte: Elaboração própria a partir de Lovelock e Gummesson (2004)

Partindo do pressuposto que as transacções que não incluem uma transferência da propriedade são diferentes daquelas que a possuem, Lovelock e Gummesson (2004) abordam os serviços sobre uma nova “lente” que, segundo os autores, permite colocar em evidência aspectos anteriormente negligenciados e que pela revisão da literatura efectuada parecem ter uma importância relevante na análise dos serviços públicos em geral, e nos de desporto,

em particular.

Os serviços, segundo Lovelock e Gummesson (2004), incluem uma forma de prestação ou acesso através do qual os consumidores obtêm benefícios ao ganharem o direito de utilizar um objecto, ter acesso ao conhecimento de um especialista, a um espaço ou uma rede. Algumas categorias podem ser definidas, dentro da estrutura de não-propriedade:

a) Serviços de aluguer de objectos – os clientes obtêm o acesso temporário a utilizarem de forma exclusiva um determinado objecto que não desejam ou não

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podem adquirir (os exemplos incluem automóveis, mobília, equipamento de construção e roupa formal);

b) Serviços de aluguer de espaços – os clientes obtêm a utilização exclusiva ou partilhada de um espaço num edifício, veículo ou outra área. O espaço pode estar definido à partida ou ser escolhido posteriormente pelo cliente (por exemplo, um quarto num hotel, um lugar num avião ou um escritório num edifício);

c) Serviços de prestação de trabalho e conhecimento – os clientes podem contratar outras pessoas para efectuar o trabalho que não desejam ou não podem efectuar (exemplos em jardinagem, equipas de consultoria, etc.);

d) Serviços de acesso e utilização de espaços – os clientes pagam um valor para aceder a um espaço ou local onde consideram ser possível obter uma vantagem durante o período de validade do acesso ou actividade (como por exemplo, o acesso a um museu, spa, ou a uma conferência);

e) Serviços de utilização e acesso a redes – os clientes arrendam o direito de participar numa determinada rede. Diferentes termos no acesso podem sugerir diferentes serviços prestados (pode-se encontrar exemplos nas telecomunicações, banca, seguros ou serviços de informação especializados).

Em alguns casos podem encontrar-se serviços que combinam elementos de diversas categorias e, ainda, incluem a transferência de um bem material.