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PARTE II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO (REVISÃO DA LITERATURA)

CAPÍTULO 4 – A INOVAÇÃO NOS SERVIÇOS

4.5. MODELOS DE INOVAÇÃO NOS SERVIÇOS

São vários os autores que consideram que os sectores da economia possuem diferentes padrões de inovação e que desenvolvem tecnologia e inovações por razões distintas (Pavitt, 1984; Freel, 2003; Malerba e Brusoni, 2007). Dentro do sector dos serviços, dada a sua heterogeneidade, alguns autores defendem que existem também padrões distintos de inovação (Gadrey e Gallouj, 1995; Djellal e Gallouj, 2006). A existência de tais padrões pode afectar o modo como surge e se difunde a inovação, tornando muito importante o seu conhecimento. Partindo da revisão da literatura sobre este tópico, pretende-se identificar os padrões e modelos de inovação mais referenciados nos serviços.

Como defendem Tether e Howells (2007), a abordagem à inovação nos serviços que considera a importância da complementaridade entre as mudanças na tecnologia e nos factores não tecnológicos (tais como as competências dos recursos humanos e a estrutura organizacional) implica uma análise bastante mais complexa do que a abordagem inicial baseada na adopção da tecnologia. Esta perspectiva implica que a difusão da tecnologia e os ganhos de produtividade só serão concretizados através se uma maior atenção for dada à forma como estes elementos (competências e estrutura organizacional) interagem com a tecnologia. Tether e Howells (2007) consideram que a proporção de investimento em tecnologia e em pessoas varia significativamente entre os sectores de serviços. Por exemplo, o sector de serviços vocacionados para idosos coloca uma maior ênfase nas mudanças das competências dos trabalhadores e no investimento em formação, enquanto nas empresas do sector do processamento de informação, destaca-se a importância do investimento em tecnologia. O papel das competências dos recursos humanos e das tecnologias na prestação dos serviços difere bastante entre os sectores que são considerados, o que implica diversos padrões de inovação dentro do sector de serviços, e que é um reflexo da heterogeneidade das actividades classificadas como serviços.

Num dos trabalhos mais referenciados, realizado por Hertog, Broersma e Ark (2003), procura- se compreender a relação entre a performance tecnológica e não tecnológica e a sua ligação com a performance nos serviços. Assim, Hertog, Broersma e Ark (2003) propõem um modelo multidimensional da inovação nos serviços que identifica uma dimensão tecnológica e três dimensões não tecnológicas (Figura 4.5.1.):

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Figura 4.5.1. - Modelo multidimensional de inovação nos serviços

NOVO CONCEITO DE SERVIÇO (DIMENSÃO 1)

NOVA INTERFACE COM O CLIENTE (DIMENSÃO 2) OPÇÕES TECNOLÓGICAS (DIMENSÃO 4) NOVO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO (DIMENSÃO 3) Dis trib uiç ão D e sen volv im en to O rga n iza cion al

Competências, habilidades e atitude dos trabalhadores de serviços (Gestão

dos Recursos Humanos) Marketing C a ra c te rí s ti c a s d o s c lie n te s a c tu a is e p o te n c ia is C o n h e c im e n to d a s c a ra c te rí s ti c a s d o s s e rv iç o s e x is te n te s e c o n c o rr ê n c ia

Fonte: Hertog, Broersma e Ark (2003)

De acordo com Hertog, Broersma e Ark (2003), a inovação nos serviços possui características multidimensionais em que as dimensões não tecnológicas incluem (1) a introdução de um novo conceito de serviço, (2) uma nova interface com o cliente ou (3) um novo sistema de distribuição do serviço em termos de uma nova rotina de trabalho, forma organizacional ou estrutura de suporte. A dimensão tecnológica relaciona-se essencialmente com o investimento em tecnologias da informação e comunicação como, por exemplo, a aquisição de um novo computador ou a introdução de um software costumizado. O investimento em tecnologias da informação e comunicação é um elemento facilitador das dimensões não tecnológicas da inovação, mas estas últimas também são elementos facilitadores da introdução de novas tecnologias da informação e comunicação na empresa.

Segundo este modelo, uma inovação pode caracterizar-se por ter uma predominância de uma determinada dimensão, porém por sua vez, poderá influenciar um conjunto de mudanças nas outras dimensões para ter sucesso enquanto inovação. Para além das quatro dimensões, as ligações entre elas são importantes no processo de inovação. Estas ligações representam as actividades de marketing e distribuição e a implementação de reformas organizacionais e podem ser efectivadas por elementos dentro da empresa ou adquiridas a empresas especializadas.

Para Hertog, Broersma e Ark (2003), existem cinco padrões de inovação nos serviços, utilizando como variável central na construção desta tipologia a forma como o fornecedor de

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intermediário) e o consumidor final (utilizador final) interagem. A influência da empresa cliente ou do consumidor final no processo de inovação aumentam gradualmente do padrão 1 ao padrão 4. No padrão 5 todos os actores da cadeia de valor contribuem para uma inovação particular. Na tabela 4.5.1. procura-se resumir os diferentes padrões de inovação propostos pelos autores:

Tabela 4.5.1. – Padrões de inovação

Padrão Base para a inovação Papel da empresa no

processo de inovação Exemplos 1- Inovação dominada pelos fornecedores Introdução de novas tecnologias induzidas pelos fornecedores.

Pouco espaço para influenciar as inovações propostas pelos

fornecedores. A empresa limita-se a adaptar os seus recursos humanos e formas organizacionais às inovações fornecidas. Implementação de um novo sistema de comunicação comercializado pela empresa fornecedora. 2 – Inovação dentro dos serviços Competências e recursos próprios da empresa. A empresa inicia e

implementa todo o processo que conduz à inovação.

Desenvolvimento de um produto, novo composto de produtos ou sistema de distribuição que é desenvolvido na própria empresa. 3 – Inovação induzida pelos consumidores Necessidade específica articulada pelos clientes da empresa (segmentos de clientes ou cliente particular). Desenvolvimento da inovação como resposta às necessidades do cliente .

Um cliente pode solicitar a uma empresa de formação o desenvolvimento de um sistema de apoio às sessões através da internet. 4 – Inovação através dos serviços Competências e recursos próprios da empresa e da empresa cliente. Tipo e qualidade do

relacionamento entre ambos.

A empresa influencia o processo de inovação que decorre dentro de uma empresa cliente.

Transmissão de conhecimentos de uma empresa fornecedora para uma empresa cliente.

5 – Inovações paradigmáticas

Tecnologias revolucionárias que promovem novos sistemas tecnológicos em toda a cadeira de valor ou desregulação/diminuição de recursos no âmbito de um determinado mercado.

A empresa utiliza as novas tecnologias ou alterações dos mercados para inovar em conjunto com os outros elementos da cadeia de valor.

Introdução de uma nova tecnologia no

desenvolvimento de serviços.

Fonte: Adaptado de Hertog, Broersma e Ark (2003)

Apesar desta tentativa de categorização dos padrões de inovação nos serviços, são os próprios autores a reconhecer a extrema dificuldade em distribuir os diferentes subsectores por estas categorias. Com efeito, quando se analisa com detalhe as inovações nos serviços é difícil identificar a predominância de um ou outro padrão de inovação, dependendo bastante do ponto de vista e da estrutura de análise utilizada.

Como afirma Sundbo (2003), a inovação não pode ser descrita por um modelo de causa-efeito ou descritivo, mas pode-se observar um conjunto de padrões que, embora sujeitos a variações e a diferentes combinações, se repetem ao longo do tempo.

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A aplicação desta categorização ao nível dos diferentes subsectores é sugerida pelos autores (Hertog, Broersma e Ark, 2003), permitindo desta forma restringir a análise a níveis mais próximos da economia real e compreender os padrões de inovação dentro de subsectores específicos dos serviços.

Sundbo (2003) realça o facto de que as ideias para a inovação seguem normalmente um determinado padrão no âmbito dos sistemas de interacção. Essas ideias podem ser o resultado das interacções diárias dos funcionários com os seus colegas e com os clientes. Mesmo que o cliente seja a fonte da ideia, a ideia inovadora, na maior parte dos casos, será o resultado da interacção entre o funcionário e o cliente. Este tem um problema ou uma necessidade que o funcionário não pode adivinhar e que só se apercebe quando está em contacto com ele. O cliente não expressa o seu problema ou necessidade como um novo conceito de serviço. O funcionário “traduz” essa interacção para uma ideia, para um novo conceito de serviço. O desenvolvimento da ideia e a implementação do conceito de serviço são também processos de interacção em que vários funcionários e gestores de diferentes departamentos participam. Existem diferentes padrões de interacção que possibilitam a implementação de inovações. Sundbo (2003) identifica quatro tipos de padrões de interacção: o primeiro é o padrão do tipo “top-down” ou de gestão, em que a gestão de topo guia todo o processo, sinalizando qual o tipo de conceito de serviço que deseja e escolhendo as pessoas para trabalhar sobre aquela ideia. A interacção é entre essas pessoas, mas a gestão de topo está activamente envolvida em quase todas as interacções. O segundo padrão pode ser definido como o padrão profissional: um determinado departamento tem a tarefa de iniciar novos conceitos de serviço e iniciar as interacções na organização para desenvolver esses conceitos. O terceiro padrão é o padrão de interacção, é o padrão de equipa. Os conceitos de serviço são desenvolvidos através de um processo de interacção intensa dentro de uma equipa. Os membros da equipa também interagem com indivíduos exteriores e com a gestão de topo, contudo a maior parte das interacções dão-se dentro da equipa. Apenas no período de implementação final o padrão de interacção se difunde pela organização. O último padrão de interacção pode-se intitular de padrão total, em que uma grande parte da organização está envolvida em interacções diárias a vários níveis da empresa.

Um aspecto destacado por Sundbo (2003) é os padrões que se encontram nos papéis desempenhados pelos elementos da organização no processo de interacção que conduz ao desenvolvimento de novos conceitos de serviço. Esses papéis têm diferentes funções que visam colocar o processo de inovação a funcionar. São eles: o de empreendedor (cria novas ideias e luta pela sua implementação, expondo-se bastante dentro da organização); o do analista (reflecte e analisa as possibilidades e resultados da inovação); e o de produtor (preocupa-se com a colocação do sistema de produção diário em funcionamento). No caso das empresas de serviços, o produtor pode ser denominado como o agente de interacção que tem como função promover o processo de interacção na produção do serviço.

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Um papel é algo que os membros de uma organização desempenham quando estão no seu posto de trabalho. Um indivíduo não necessita de desempenhar o mesmo papel em todo o período que está ao trabalho e pode desempenhar vários papéis simultaneamente; ocasionalmente os papéis são desempenhados para além das horas normais de trabalho. Teoricamente, Sundbo (2003) propõe um equilíbrio entre o desempenho destes três papéis, constituindo-se como o estado óptimo para que a inovação possa ocorrer, como se pode observar na Figura 4.5.2.

Figura 4.5.2. - Modelo dos papéis no processo de inovação

Empreendedor (que se expõe) Agente de Interacção (orientado socialmente) Analista (segue trajectórias de conhecimento) Fonte: Sundbo (2003)

Posteriormente, Sundbo (2008) inclui mais dois papéis no seu modelo do sistema de inovação nas empresas de serviço: o papel de patrocinador da ideia (uma pessoa, normalmente um elemento sénior da empresa que suporta a ideia do empreendedor) e o papel de decisor (a pessoa que toma a decisão de aceitar a ideia). No seu conjunto, estes papéis constituem um sistema de inovação organizacional pois cada papel desempenha uma parte das actividades necessárias à criação da inovação.

Por seu lado, os fornecedores estão muitas vezes envolvidos e por vezes são eles próprios que desenvolvem a inovação. Também podem funcionar como parceiros no processo de geração de ideias ao interagir com os funcionários ou gestores da empresa.

As empresas de serviços também participam em redes de inovação com outros actores (concorrentes, empresas de outros sectores, instituições públicas, entre outros) onde ideias para a inovação podem ocorrer. Os concorrentes funcionam como uma fonte de ideias para a inovação já que as empresas de serviços procuram imitá-los e as suas movimentações no mercado são, muitas vezes, a principal razão para inovar (Sundbo, 1998).

Para Sundbo (2008), os processos de inovação são processos sociais complexos. A gestão de topo deve estar atenta ao potencial de inovação dos gestores, restantes colaboradores da empresa, clientes e outros actores externos e cuidar desse potencial ao mesmo tempo que define os limites para o intra-empreendedorismo, baseado na estratégia. Dessa forma, a

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inovação nas empresas de serviços deve ser vista como um processo cuidadoso e coerente, tendo uma linha orientadora, ou seja, a inovação estratégica.

A estratégia define, em termos gerais, quais os tipos de conceitos de serviço que a empresa deve ter. As inovações são os detalhes que complementam o conceito e que o vão renovando ao longo do tempo. Considerando a estratégia uma interpretação do mercado futuro (Mintzberg, 1994), ela define os conceitos de serviço que são aceitáveis para a empresa e guia o processo de inovação, pelo que os funcionários e gestores devem reflectir sobre ela no processo de inovação.

Estas reflexões, segundo Sundbo (2008), podem estar baseadas em análises sistemáticas e pesquisas de mercado, em conhecimento sobre a tecnologia ou princípios de serviço que a empresa ainda não possui ou apenas na observação diária do que se passa na empresa.

Sundbo (2008) identifica três fases no processo de inovação estratégica, desenvolvendo assim um modelo de inovação para as empresas de serviços: a fase da ideia ou a inovação estratégica, a fase de desenvolvimento ou de organização do projecto e a fase de implementação ou de aceitação no mercado ou na organização. De seguida, expõem-se resumidamente as três fases do modelo de inovação estratégica.

A fase da ideia ou de inovação estratégica: os gestores, funcionários e clientes são as fontes de ideias mais importantes e, principalmente, de interacções onde estes elementos estão envolvidos. No entanto, não é suficiente os diferentes actores ter novas ideias, é necessário que as comuniquem no interior da organização e consigam convencer os outros elementos e a gestão de topo da validade das mesmas. Para tal, a empresa deve estar numa situação em que a promoção de novas ideias é encorajada. Isso pode ocorrer quando existe um clima positivo na empresa que favorece a criatividade. Idealmente, poderá existir um sistema formalizado que incentive este tipo de comportamentos, especialmente no caso de empresas de grandes dimensões. É fundamental para manter o envolvimento dos funcionários que este processo seja tratado de uma forma correcta, o que significa que a criatividade deve ser aceite e encorajada e todas as pessoas que apresentam uma ideia devem ter uma resposta adequada. A gestão de topo pode não aceitar tudo aquilo que lhe é apresentado, mas deve ser dada uma razão válida no caso de recusa.

A fase de desenvolvimento ou de organização do projecto: quando a ideia é aceite na empresa de serviços, o processo de desenvolvimento começa. A forma mais comum de desenvolvimento é a constituição de uma equipa de projecto que tem a tarefa de desenvolver a ideia. Normalmente vários departamentos e funções estão representados nessa equipa. A fase de desenvolvimento não necessita de um grande envolvimento de todos os elementos da empresa já que é uma fase de trabalho intenso de um grupo de pessoas que procuram novo conhecimento, resolver problemas e identificar oportunidades de mercado. A gestão de topo

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acompanha o desenvolvimento do projecto e toma decisões regulares sobre a sua continuidade ou não, dependendo nas hipóteses de sucesso na implementação de mercado. A fase de implementação ou de aceitação no mercado ou na organização: depois da ideia ter sido desenvolvida é necessário implementá-la. No caso de ser um novo serviço ou um novo posicionamento é necessário lançá-los no mercado; se é um novo sistema de produção, processo de distribuição ou estrutura organizacional é necessário introduzi-los na empresa. Nesta fase já não é o envolvimento e compromisso de determinados indivíduos que faz avançar o processo, no entanto é fundamental assegurar a aceitação de todos os colaboradores envolvidos já que as organizações normalmente resistem à mudança e a oposição deve ser ultrapassada para que a implementação possa ter sucesso. Realmente, o novo serviço deve ser produzido e distribuído pelos funcionários, pelo que, por um lado, é fundamental que eles compreendam e aceitem esse novo serviço, devendo estar envolvidos no processo de implementação. Por outro lado, os clientes são os mais importantes actores no processo de implementação e, mesmo sendo muito difícil envolvê-los neste processo, a empresa pode procurar envolver grupos seleccionados de clientes em grupos de teste do novo serviço ou desenvolver programas de fidelização em torno do novo serviço.

4.6. SÍNTESE

A primeira abordagem mecionada foi a de “negligenciar” a inovação nos serviços. A visão dominante nesta perspectiva é que a inovação trata de avanços na tecnologia, equipamentos e produtos e nos processos utilizados no seu desenvolvimento e comercialização. Assim sendo, os serviços e outros sectores pouco intensivos em tecnologia, que são principalmente utilizadores em vez de produtores, são vistos como pouco interessantes, utilizadores de tecnologia e não “reais” inovadores.

No início dos anos 1980, o crescimento dos serviços nas economias avançadas era um fenómeno difícil de ignorar, levando a um maior interesse no estudo desta parte da economia. Foi o início da fase de “assimilação”, caracterizada pela tentativa de estudar a inovação nos serviços, utilizando os instrumentos conceptuais desenvolvidos para compreender a inovação no sector transformador (por exemplo, o papel da Investigação e Desenvolvimento era tido como central para a compreensão da inovação).

Uma terceira fase, de “demarcação”, surgiu nos anos 1990 e, na sua abordagem, rejeitava-se o papel central da inovação tecnológica que até ao momento tinha sido o aspecto central da maior parte dos estudos de inovação. Esta abordagem destacava a inovação organizacional e a inovação nos serviços baseados em conhecimento, onde o papel da Investigação e Desenvolvimento e a componente tecnológica é menos importante.

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A última abordagem, de “síntese” ou “integradora”, reconhece a importância das formas de inovação tecnológica e não tecnológica (especialmente a organizacional) e as interacções e complementaridades entre estas duas formas, procurando desenvolver conhecimento relevante para a economia na sua globalidade e não só para os serviços.

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CAPÍTULO 5 – A INOVAÇÃO NOS SERVIÇOS