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6 CRENÇAS, VALORES E ATITUDES

6.8 As barreiras atitudinais

Considera-se, dentro da filosofia do ICIDH2, que a participação das pessoas com deficiência na sociedade será maior ou menor, em função das barreiras que encontrem em seu percurso. Entre as barreiras que essas pessoas encontram estão as

barreiras do meio físico (associadas à arquitetura, ao urbanismo e ao transporte), as barreiras atitudinais (associadas diretamente ao comportamento das pessoas) e as barreiras mais recentes criadas no espaço digital (associadas às tecnologias de informática e telecomunicações).

As barreiras atitudinais podem existir devido a distintos fatores, podendo ser voluntárias ou involuntárias. Denomina-se de barreira voluntária aquela que denota uma ação de intencionalidade na discriminação. Ocorre, por exemplo, quando se dá a preferência em conceder a vaga de trabalho, a uma pessoa que não aparente possuir deficiência.

As barreiras involuntárias, por não possuírem o caráter da intencionalidade da discriminação, são mais difíceis de serem percebidas pela pessoa que as pratica e às vezes são até motivadas por uma intenção de ajudar, como é o caso da pessoa que “agarra” no braço de uma pessoa cega para ajudá-la a caminhar, em vez de ceder o seu braço para que a outra nele possa se apoiar. Conforme a opinião de uma das entrevistadas, ela própria portadora de deficiência: “Muitas vezes a pessoa peca achando que ela está fazendo o bem, na verdade ela está prejudicando”.

Em trabalho de pesquisa realizado por Torres et al. (1999, p. 4) junto a alunos universitários afetados por deficiência, um deles faz referência a essa forma de discriminação através das atitudes:

Uno de los estudiantes ciegos observó que las personas tienen dificultades en abordar temáticas referentes hasta en situaciones de lo cotidiano e inclusive interrumpen las conversaciones pensando que son temas que no pueden ser comentados con los ciegos, por ejemplo: una película o un programa de televisión. Considera que esto es una forma de discriminación.

As barreiras atitudinais podem também contribuir para criar os outros tipos de barreiras, podendo estar presentes, por exemplo, desde o momento da concepção dos projetos arquitetônicos ou virem a se manifestar após a execução dos projetos, no momento da pós-ocupação. Estudo neste sentido foi feito por Mazzoni et al. (2000) para o caso de uma biblioteca universitária.

A origem das barreiras atitudinais involuntárias está diretamente relacionada à falta de conhecimento sobre as deficiências a que as pessoas estão sujeitas, bem como das incapacidades e das capacidades dessas pessoas. Esse aspecto, da simples ignorância, é o problema mais fácil de ser solucionado.

As interações humanas estão sujeitas a distintas formas de “emocionar”. Fialho considera que as culturas humanas restringem o “emocionar” e elenca quatro fatores restritivos: a apropriação, a obediência, a hierarquia e o controle. Para este estudo interessa o fator apropriação, definido por esse autor como sendo o ato de “impedir o acesso normal do outro a ser [ ] algo que lhe é naturalmente legítimo” (FIALHO, 1998, p. 306). Agir dessa maneira, em relação às pessoas portadoras de deficiência, é criar uma barreira atitudinal para as mesmas.

Foram encontradas, durante a pesquisa, situações que exemplificam muito bem as barreiras atitudinais involuntárias, como é o caso de uma professora, que não vislumbra a possibilidade de uma pessoa surda atuar como médica, e por isso diz honestamente essa sua opinião para uma de suas alunas:

Tem uma que é DA, ela queria ser médica, daí ela falou pára mim se pode ser médica, daí eu falei para ela 'Poder pode, mas como você vai ouvir o questionamento de um paciente?’ Porque, o médico, ele vai te dar o remédio, vai mandar fazer de acordo com o que você fala, o que você faia é que eles vão diagnosticar, então como que um surdo pode fazer?

Como pode ser constatado, ao longo deste capitulo, a principal vivência dos professores com o tema da deficiência está relacionada à formação recebida através de cursos de especialização e às suas próprias experiências no magistério. Quando manifestam opiniões, sobre os alunos, preferem referir-se a grupos específicos, mas dentro de um determinado grupo é comum que façam generalizações, o que demonstra a construção de estereótipos.

Essa tendência do ser humano a fazer inferências, inclusive a partir de uma única característica da pessoa com deficiência é bem analisada por W right (1974, p. 1), que considera que essas generalizações conduzem à depreciação das habilidades das

pessoas e que, se outros fatores não intervêm, a pessoa e a sua deficiência são consideradas como equivalentes.

Um fator importante é a tendência humana de extrair inferências sobre alguém baseadas em uma única característica proeminente desta pessoa. Esta tendência foi designada como fenômeno de difusão (Dembo et ai., 1956; Wright, 1960). Especificamente as propriedades de uma característica tendem a ser impostas a outras características da mesma pessoa, quando estas são na realidade desconhecidas do observador, estão na superfície de sua atenção, ou são obscuras por outras razões. A pessoa cega não é vista apenas como visualmente limitada, mas a idéia de deficiência também se estende à sua audição, saúde geral, maturidade emocional etc... Isto quer dizer que o fenômeno de difusão opera para depreciar as habilidades da pessoa cega em sua totalidade. Sem dúvida, outros fatores devem atuar para neutralizar a difusão, mas nos casos extremos o cego é percebido como sendo extraordinariamente incapacitado e dependente dos outros. Isto ocorre quando a cegueira é o foco principal e a pessoa e sua cegueira são consideradas igualmente. Neste caso, a avaliação negativa de cegueira difunde-se à pessoa inteira.

Lima et al. (2002, p. 4) exemplificam como é comum que esse fenômeno da difusão ocorra na interação das pessoas que enxergam com as pessoas cegas;

Não é incomum a crença de que as pessoas com limitação visual têm associadamente um déficit mental. Isso é manifestado na postura de leigos e profissionais que muitas vezes ao tratar pessoas adultas com limitação visual comportam-se como se estivessem lidando com "criancinhas" indefesas, sem opinião e gosto próprios; muitos deles explicam tudo duas ou mais vezes à pessoa com limitação visual, fazendo uso de diminutivos e com uma seqüência infinita de "entendeu"?