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Tecnologia e Concorrência na Indústria Farmacêutica

2.3 Dinâmica Tecnológica

2.3.1 As Cadeias de Valor na Indústria Farmacêutica

Segundo Achilladelis e Antonakis (2001), desde a segunda metade do século XIX, pesquisadores responsáveis por descobertas que vieram a se tornar inovações radicais deixaram seu desenvolvimento a cargo de outros, como foi o caso dos

22 Apesar da perspectiva de perda de receita, a indústria farmacêutica ainda é muito lucrativa. No importante mercado dos EUA, as vendas vão continuar se beneficiando do sistema de seguro-saúde federal para idosos. Fora do país, a previsão é de um crescimento que também deve ajudar as farmacêuticas americanas. A indústria vai continuar a produzir novos remédios, mas num ritmo lento para sustentar seu tamanho e sua estrutura de custos, avaliam analistas. Logo, com a aproximação do vencimento das patentes, as farmacêuticas estão se reorganizando. Em cinco anos, elas podem entrar para outras áreas, sua estrutura de custo poderá estar mais enxuta e mais flexível, ou ainda alguns nomes familiares poderão desaparecer em fusões (MARTINEZ & GOLDSTEIN, 2007). Os grandes laboratórios, contudo, tentam conter essa busca pelos genéricos com a criação de uma categoria relativamente nova: a de genéricos de marca. Basicamente, o fabricante original licencia cópias exatas de seu remédio de marca para um fabricante de genéricos, o que lhe permite receber parte da receita com as vendas (ARNST, 2008).

43 responsáveis pelo descobrimento dos primeiros anestésicos, hipnóticos e anti-sépticos. No entanto, alguns deles reconheceram as oportunidades comerciais criadas por suas descobertas e invenções e estabeleceram empresas para desenvolver suas aplicações comerciais, criando algumas das primeiras firmas intensivas em P&D e formando um segmento significativo de pesquisa acadêmica voltada a assuntos ligados à tecnologia. Dentre os exemplos no setor farmacêutico estão P.J. Pelletier e J. Caventou (quinina), G. Merck (alcalóides), E.R Squibb (éter), R. Marker (corticóide) e H. Boyer (bioengenharia).

Ao mesmo tempo, empresas que lucraram com a comercialização de descobertas acadêmicas passaram a se interessar pela melhoria e padronização da qualidade de seus produtos, pela expansão de seus mercados através da introdução de novos produtos e, principalmente, pela minimização dos custos, precisando para tudo isso de uma melhor compreensão dos princípios científicos dos quais suas inovações dependiam. Com interesses comuns, formaram-se as alianças entre pesquisadores e industriais. Além de financiar projetos de pesquisa em universidades e institutos de tecnologia, as empresas montaram seus laboratórios de P&D internos, freqüentemente dirigidos pelos professores das universidades e com equipes de cientistas e engenheiros bem treinados. Essas atividades multiplicaram a sinergia entre interesses acadêmicos e industriais, que orientaram e aceleraram o avanço da ciência e tecnologia23 (ACHILLADELIS & ANTONAKIS, 2001).

Diferentemente, Malerba e Orsenigo (2001) afirmam que nos seus primeiros anos, a indústria farmacêutica não era fortemente ligada à ciência formal, realizando até 1930, quando a sulfonamida foi descoberta, pouca pesquisa sistemática. A II Guerra Mundial e a necessidade de antibióticos em tempos de guerra teriam marcado a transição da indústria para um negócio intensivo em P&D. Com a experiência técnica e as capacitações organizacionais acumuladas para o desenvolvimento da penicilina, assim como o reconhecimento de que o desenvolvimento de drogas poderia ser altamente rentável, tornaram-se altos os investimentos em P&D. Além disso, enquanto

23 O exemplo típico da cooperação universidade-empresa é o das empresas químicas alemãs, as quais se tornaram intensivas em P&D para o desenvolvimento de corantes sintéticos, desde a década de 1860. Na década de 1880, aplicaram seu conhecimento sobre química orgânica sintética para a descoberta e manufatura de medicamentos. As divisões farmacêuticas da Bayer e Hoechst foram as primeiras empresas farmacêuticas “modernas” e, por terem sido adotadas como modelos pelas manipuladoras de medicamentos (boticas), auxiliaram na formação da estrutura e das práticas da indústria farmacêutica (ACHILLADELIS & ANTONAKIS, 2001).

44 antes da guerra o apoio público à pesquisa em saúde era bastante modesto, após a guerra alcançou níveis sem precedentes.

Nos anos 1970 emergiu a chamada “nova biotecnologia”. Para Granberg e Stankiewicz (2002), a expansão na base de conhecimento da cadeia farmacêutica, em decorrência da difusão da biotecnologia, foi acompanhada pela ampliação das oportunidades de inserção e agregação de valor ao longo da cadeia, com a aplicação de conhecimento em atividades especializadas. Em resposta à oportunidade, novos agentes entraram na indústria farmacêutica, assumindo funções complementares ou concorrentes às dos agentes já estabelecidos. A primeira empresa biotecnológica, Genentech, foi fundada em 1976 por Herbert Boyer (um dos cientistas responsáveis pelo desenvolvimento da técnica do DNA recombiante) e por Robert Swanson (fornecedor do capital de risco). Esse perfil permaneceu nas empresas que seguiram a Genentech, resultantes de spin-offs das universidades e financiadas pelo capital de risco. A maioria dessas novas empresas não conseguiu se tornar produtora de medicamentos completamente integrada. Isso porque não possuem capital e competências suficientes para pesquisar, desenvolver, testar um novo produto e comercializá-lo. Sendo assim, o papel de especialistas na descoberta de novas drogas a elas foi atribuído24 (MALERBA

& ORSENIGO, 2002; ANDRADE et al., 2007).

O desdobramento dessa nova forma de articulação induziu à formação de um modelo de inovação baseado em redes. As novas empresas de biotecnologia (NEBs) e os institutos de pesquisa assumiram papéis decisivos na pesquisa molecular. A possibilidade de acesso às novas tecnologias disponíveis apenas nas universidades e nas NEBs despertou o interesse das tradicionais líderes da indústria. As pequenas empresas licenciam os resultados das pesquisas (parcial ou integralmente) para as grandes farmacêuticas. As alianças, já recorrentes na indústria farmacêutica, tornaram-se permanentes com a biotecnologia, sendo a nova divisão do trabalho imprescindível para a manutenção das posições competitivas (ANDRADE et al., 2007). Como as competências centrais estão distribuídas entre as empresas, a competitividade global depende da capacidade de absorção do conhecimento externo e das capacitações internas à empresa. Várias firmas, independentemente do tamanho, estão envolvidas em

24 No Brasil, o setor de biotecnologia é ainda incipiente (75% das empresas da área surgiram há menos de dez anos). Mas algumas iniciativas já são reconhecidas pela qualidade da pesquisa realizada. Em junho de 2008, um levantamento realizado pela revista Nature Biotechnology destacou 19 companhias locais. A maioria é de pequeno e médio porte, ainda com produtos em fase de desenvolvimento. Entre elas estão a Biomm, a FK Biotecnologia, a Cryopraxis Criobiologia e a Pele Nova, de São Paulo. Dentre tais exemplos, um caso se destaca: o do COINFAR (COSTA, 2008).

45 arranjos colaborativos com competidores, clientes, fornecedores e governos, com o intuito de ampliar a absorção de conhecimento novo e transformar suas competências centrais (PIACHAUD, 2002).

A cadeia farmacêutica e seus agentes institucionais após a difusão da biotecnologia é descrita por Granberg e Stankiewicz (2002) no esquema abaixo (Figura 2.1).

Figura 2.1 – Evolução dos agentes institucionais da cadeia de valor farmacêutica pós-biotecnologia.

Fonte: Granberg & Stankiewicz (2002).

Os principais agentes são as grandes empresas farmacêuticas verticalmente integradas (“Big Pharma”, ou empresas farmacêuticas inteiramente integradas), capazes de englobar, pelo menos em determinados nichos de mercado, toda a cadeia, desde a descoberta até o marketing de novas drogas, em particular as vendidas sob prescrição para o mercado global. Já “Small Pharma” são empresas de pequeno e médio porte, engajadas principalmente na manufatura e marketing de medicamentos sem prescrição e genéricos, tendo como foco mercados nacionais e regionais. Apesar de realizarem algumas atividades de desenvolvimento, geralmente não possuem competências para a descoberta de novos fármacos e para o desenvolvimento avançado.

Com a difusão da biotecnologia, observa-se um agrupamento à montante da cadeia de novas empresas voltadas à descoberta, as “relacionadas ou baseadas em biotecnologia”. Numa categoria estão as empresas que utilizam a biotecnologia para a descoberta de drogas destinadas a doenças específicas ou áreas terapêuticas. Já a categoria “empresas plataforma” varia de acordo com a natureza da tecnologia usada na busca por alvos promissores e moléculas líderes. As demais empresas a montante são

46 fornecedoras de insumos (tecnologias permissivas, como microarranjos, informações e fornecedores biotecnológicos, os BT-suppliers) às empresas de biotecnologia, farmacêuticas e aos institutos públicos de pesquisa. As firmas “drug delivery” têm o papel complementar e trabalham com grandes moléculas (GRANBERG & STANKIEWICZ, 2002).

Mais à jusante estão empresas que visam adicionar valor através da prestação de serviços nas etapas de desenvolvimento, registro, manufatura e venda de medicamentos: CROs ou Contract Research Organizations: organizam e conduzem testes clínicos, podendo assumir maiores responsabilidades na P&D e em questões regulatórias; as SMOs ou Site Management Organizations têm um papel mais especializado nos testes clínicos25;

CMOs ou Contract Manufacturing Organizations: empresas dedicadas tanto a produzir especialidades farmacêuticas intermediárias como medicamentos finais (ANDRADE et al., 2007), e

CSOs ou Contract Sales Organizations: empresas que auxiliam na venda ou marketing dos produtos de suas clientes

A maior complexidade do processo de descoberta de novas drogas, suas etapas de desenvolvimento e maiores exigências regulatórias estimulam as empresas à subcontratação, em busca de acesso a recursos especializados, tecnologia, experiência, e de maneira custo-eficiente (FALCI, 2007). Dentre as subcontratadas, as CROs foram as primeiras a se estabelecerem (PIACHAUD, 2002).