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Estratégias Tecnológicas em Países em Desenvolvimento

Estratégia Tecnológica

1.4 Estratégias Tecnológicas em Países em Desenvolvimento

Segundo Bell e Pavitt (1993), o modelo de mudança técnica baseado simplesmente na adoção de novas máquinas, de projetos e instruções operacionais, seguido de aumentos de produtividade resultantes diretos de experiências na produção, é inadequado. Em outras palavras, tal modelo ignora a importância central do estoque de recursos destinados à geração e administração da mudança, descritos como “competências tecnológicas”, além de não mencionar o aprendizado consciente e deliberado necessário para o acúmulo de tais recursos. Além disso, os recursos geradores da mudança têm se tornado cada vez mais complexos e especializados. Dentro deste contexto, a experiência dos países desenvolvidos e em desenvolvimento mostram que processos de aprendizados diferentes e dependentes da trajetória são a base para a mudança dos padrões de vantagem comparativas.

Com o intuito de compreender a evolução dos países para a configuração observada atualmente, é importante fazer uma retrospectiva histórica. Estudando o caso específico do Sistema Nacional da América Latina durante o período de substituição de importações, ocorrido entre 1940 e 1980, Katz (2001) afirma que 80% dos esforços de P&D durante o período foram financiados pelo setor público e desempenhados por laboratórios e departamentos de engenharia pertencentes a empresas estatais geradoras de energia, serviços de telecomunicação, entre outros, além de agências públicas, como as ligadas à agricultura, energia nuclear, mineração etc. Várias das agências e organizações mencionadas foram criadas antes da Segunda Guerra Mundial e durante as décadas de 1940 e 1950, como parte de uma estratégia global de desenvolvimento em que o Estado era o agente central do processo. Sendo assim, o papel das agências era financiar projetos de investimentos de larga escala. Além disso, atuavam como pontos focais para importação, geração e difusão de conhecimento tecnológico em várias esferas da produção, incluindo o projeto e a produção de bens de capital e maquinário. Logo, foi o Estado, em associação com bancos públicos e agências de desenvolvimento que projetaram e construíram várias unidades produtivas de grande escala pertencentes a indústrias chamadas “pesadas”, como energia e telecomunicações10.

10 Aspectos geo-políticos tiveram um papel de destaque neste ponto da história, explicando alguns dos esforços científicos e tecnológicos realizados, como foi o caso de Brasil e Argentina, com o objetivo de

26 Segundo Katz (2001), a interação tecnológica entre os diferentes grupos de empresas presentes na economia durante o período em questão (empresas estatais, subsidiárias de multinacionais, conglomerados nacionais e pequenas e médias empresas) foi praticamente nula durante este momento histórico, sendo uma das razões para o fato dos sistemas nacionais de inovação da América Latina terem se desenvolvido como uma agregação fragmentada e não coordenada, que carecia de direcionamento e propósito.

Desde bastante cedo, empresas estatais estabeleceram seus laboratórios de P&D e departamentos de engenharia com o objetivo de projetar e operar um grande número de novas unidades produtivas envolvidas na prestação de serviços públicos, como energia e telecomunicações, assim como bens demandados pelo setor de defesa. Considerando os propósitos acima citados, essas empresas responsabilizaram-se pelo desenvolvimento do capital humano e pelo projeto e construção das novas unidades produtivas, trazendo para o mercado empresas como Petrobras e Usiminas.

Um grande número de empresas estrangeiras e subsidiárias de corporações transacionais chegaram à América Latina na segunda metade da década de 1950 e ao longo dos anos 1960, trazendo consigo novos produtos, processos e tecnologias organizacionais, em geral desconhecidas pelo ambiente produtivo local. As competências locais de engenharia e o Sistema Nacional de Inovação mudaram significativamente em conseqüência da chegada dessas empresas. Considerando as especificidades locais - seu mercado-alvo -, tais empresas acharam fundamental a criação de departamentos de engenharia “localizados”, programas de desenvolvimento de fornecedores locais, além de escalas operacionais e padrões organizacionais de produção locais. Gradualmente, seus departamentos de engenharia se tornaram uma parte importante do fluxo incremental de conhecimento tecnológico para a produção doméstica. O esforço tecnológico dessas empresas se destinou, principalmente, à adaptação de projetos de produtos, assim como de processos às condições locais.

Praticamente sem relação com os desenvolvimentos acima descritos, um grande grupo de pequenas e médias empresas domésticas entrou nos mercados nacionais da América Latina nas décadas de 1940 e 1950, estimuladas pela proteção tarifária e pelos subsídios governamentais, passando a suprir a demanda local de bens não-duráveis, como têxteis e vestuário, couro e calçados, móveis etc. A maioria dessas empresas desenvolver as capacitações tecnológicas das indústrias domésticas aeronáutica e nuclear. É importante ressaltar que se trata de um período em que o protecionismo estava em seu ápice (KATZ, 2001).

27 pertencia a imigrantes que trouxeram consigo técnicas básicas de engenharia de seus países de origem, fazendo com que seu processo de aprendizagem fosse mais casual, aleatório e menos sistemático. Muitas dessas empresas começaram com unidades produtivas e maquinário de segunda mão, copiando projetos de produtos que estavam há uma ou duas décadas da fronteira tecnológica do momento. Já os grandes conglomerados nacionais, na sua maioria ligados a indústrias de processamento de matérias-primas, também desenvolveram uma base tecnológica própria, basicamente relacionada à engenharia de processo, que permitiriam adaptar e, marginalmente, melhorar as técnicas trazidas do exterior.

Katz (2001) aponta que, durante o período de substituição de importações, a alta proteção tarifária e o excesso de demanda que prevaleceu durante os anos 1950 contribuíram para que o objetivo principal das pequenas e médias empresas nacionais fosse a produção de substitutos domésticos para produtos importados, sem grande preocupação com aspectos como qualidade, eficiência produtiva e custos, militando fortemente contra o desenvolvimento de uma cultura tecnológica pró-ativa na região. Como nos mercados locais havia restrições à concorrência direta com as subsidiárias das multinacionais, as empresas latino-americanas pertenciam, nos anos seguintes à Guerra, a mercados sem sinais fortes de competitividade, o qual poderia induzir as empresas locais a padrões de comportamento mais dinâmicos em termos tecnológicos.

Segundo Bell e Pavitt (1993), desde a década de 1950, os países em desenvolvimento vêm acumulando e diversificando, rapidamente, sua capacidade de produção. A parcela de tais países na manufatura e exportações mundiais foi ampliada e passou de produtos pertencentes a setores dominados por fornecedores cujas tecnologias estão inseridas nos bens de capital importados (como é o caso do setor têxtil), para produtos em que empresas intensivas em escala e fornecedores especializados predominam (como os setores metal-mecânico), e até mesmo para setores baseados em ciência (como o de semicondutores e de telecomunicação). No entanto, tais padrões de expansão e diversificação também estão associados a consideráveis diferenças no nível dos países em duas áreas: (i) na eficiência dinâmica do crescimento industrial, e (ii) na taxa de acumulação tecnológica na indústria.

No tocante à eficiência dinâmica do crescimento industrial, Bell e Pavitt (1993) afirmam que a intensidade da mudança técnica em plantas e indústrias da América Latina foi relativamente baixa durante as décadas de 1960, 1970, 1980 e começo de

28 1990, assim como mais focada na adaptação da tecnologia a condições distorcidas do mercado local, do que nos desenvolvimentos e melhorias subseqüentes.

Os países também diferiram entre si no que se refere à efetividade na criação de novas bases de vantagem comparativa em indústrias crescentemente intensivas em tecnologia. Dentre os países de industrialização recente (NICs – Newly Industrialized Countries), as nações da América Latina tiveram um desempenho pior que os demais NICs. Tal fato é particularmente evidente se considerarmos o desenvolvimento da produção de eletrônicos num passado recente. Posteriormente, apesar do Brasil já ter desenvolvido uma indústria de bens de capital razoável na década de 1950, nem este setor nem o subseqüente desenvolvimento dos setores intensivos em escala foram seguidos pela emergência de uma produção internacionalmente competitiva de instrumentos e máquinas mais complexas (PAVITT & BELL, 1993).

Em países da América Latina, o acúmulo de competências tecnológicas intra- firma tem sido muito mais limitado do que outros países de industrialização recente, como Coréia do Sul, ou focado em setores particulares, como a indústria aeroespacial brasileira. Tendo em mente a complementaridade entre importação e acúmulo local de tecnologia, a transferência tecnológica para alguns países em desenvolvimento tem tido um papel maior na expansão da capacidade produtiva e, logo, um menor na construção de competências tecnológicas. No entanto, acordos de transferência tecnológica têm sido usados por várias empresas e indústrias nos maiores países da América Latina visando tanto ampliar as competências tecnológicas, como é o caso das indústrias de aço e petroquímica no Brasil (PAVITT & BELL, 1993).

Segundo Katz (2001), a abertura para a concorrência estrangeira, a desregulamentação de um grande número de mercados e a privatização de empresas estatais têm induzido grandes mudanças nas estruturas e comportamento das economias latino-americanas. Considerando os esforços para identificar os novos padrões no comportamento das empresas, Katz (2001) afirma que as corporações transnacionais têm se movido rapidamente em direção à globalização das estratégias de produção. Como parte dessa transição, várias dessas empresas estão aproveitando as vantagens resultantes da desverticalização dos processos produtivos e da subcontratação de partes e componentes, facilitada pela liberalização comercial e adoção de tecnologias computacionais, responsáveis por aumentar a possibilidade de planejamento da produção em tempo real e na coordenação de diferentes locais de produção. Como resultado desse processo, várias subsidiárias de grandes multinacionais estão reduzindo

29 o número de produtos fabricados localmente, se especializando em somente alguns itens de uma linha de produção mais ampla e importando os itens restantes. Além disso, suas operações mudaram em direção à montagem final de partes e componentes importados e se distanciaram das matérias primas produzidas localmente, buscando capturar economias de escala ao expandir o comércio intra-firma.

Várias das subsidiárias em questão descontinuaram atividades locais de engenharia que tinham como objetivo adaptar (e, em algumas situações, melhorar) tecnologias de produto e processo vindas de suas respectivas matrizes. A padronização de partes e componentes dentro da rede global e o desaparecimento da necessidade de se desenvolver adaptações tecnológicas para o ambiente local estimularam muitas dessas empresas a reformularem sua estratégia tecnológica, eliminando programas tecnológicos domésticos, presentes no período de substituição de importações.

No caso das pequenas e médias empresas locais, apesar da abertura da economia ter tido um efeito adverso, de um modo geral, como ilustrado pelo aumento acentuado no número de falências observadas nesse segmento no final dos anos 1970 e durante a década de 1980, também surgiram casos pertencentes a indústrias de maior crescimento econômico que conseguiram permanecer no mercado, até melhorando sua performance frente a empresas de grande escala. Inversamente, o desempenho das empresas em questão pertencentes a setores de baixo crescimento se deteriorou relativamente às grandes corporações. Tal cenário indica que o ambiente setorial e as externalidades, mais do que as forças emergentes das próprias empresas, são os principais determinantes para a melhora do desempenho de empresas pequenas e familiares (KATZ, 2001).

Durante o período de políticas em direção à liberalização comercial, à desregulamentação do mercado e à privatização das atividades econômicas, os sistemas de inovação dos anos 1990 se moveram, por um lado, em direção a uma situação na qual os agentes externos exercem mais influência do que no passado como “fonte” do progresso técnico e, por outro lado, os agentes privados aumentaram sua participação na provisão de recursos para as atividades de ciência e tecnologia. Tanto nos casos de privatização de empresas estatais como de expansão dos conglomerados nacionais nas indústrias de processamento, a ascensão de uma nova capacidade de produção mais próxima da fronteira tecnológica internacional ocorreu à base de máquinas e equipamentos importados. Em tais casos, Katz (2001) afirma que os países latino americanos se moveram em direção a economias mais complexas tecnologicamente,

30 mas, simultaneamente, se tornaram menos intensivos no uso de competências tecnológicas e de engenharia locais. Além disso, o capital humano desenvolvido durante o período de substituição de importações se tornou obsoleto e está sendo substituído por máquinas importadas com técnicas contemporâneas de produção “incorporadas”.

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Capítulo 2