• Nenhum resultado encontrado

AS CARACTERÍSTICAS DA CONJUGALIDADE NA HISTÓRIA

A satisfação como atributo à conjugalidade é uma característica recente no século XX. Pois, encontra-se na literatura que no Brasil os estudos sobre as relações entre satisfação e conjugalidade se iniciaram nas primeiras décadas do século XX, na tentativa de superar a idéia do sentimento de amor destinado somente à relação extraconjugal (ABOIM, 2006). Pois, segundo Jablonski (1998) “[...] a paixão era vista ora como um tormento, ora como um jogo, mas naturalmente fora do casamento (p. 72)”. A superação da idéia do sentimento de amor destinado somente a relação extraconjugal acabou exigindo maior satisfação às relação conjugais legítimas, com a escolha do cônjuge através do sentimento de amor (ABOIM, 2006). Porque, segundo Jablonski (1998), nas sociedades antigas “[...] os casamentos eram arranjados levando-se em consideração interesses familiares de base socioeconômica, era natural que esses arrebatadores sentimentos [...] paixões [...] ocorressem fora das uniões legítimas (p. 72)”.

O sentimento de amor como causa da união conjugal vem contribuir para a fidelidade conjugal entre homens e mulheres na sociedade, causando satisfação conjugal principalmente às mulheres, pois a infidelidade conjugal acometia-as mais as mulheres do que aos homens, pelo fato da infidelidade ser permitida a eles em século passados. A fidelidade provinda do sentimento de amor ao cônjuge, acabou por estabelecer as relações chamadas de monogâmicas (ENGELS, 1995), devido à característica conjugal da exclusividade entre os pares no século XX. A fidelidade entre os cônjuges também foi considerada em um momento da história conjugal, como característica importante pela sociedade na transmissão da herança aos filhos legítimos, excluindo a possibilidade de filhos de relações extraconjugais no direito da herança familiar (ENGELS, 1995).

Juntamente com a conquista da fidelidade conjugal surgiu o direito de divórcio, ao qual, caberia aos cônjuges desfazerem do vínculo conjugal, caso não estivessem mais satisfeitos com a relação conjugal (ENGELS, 1995). Podendo-se perceber que o sentimento de amor é um importante fator na prevenção da infidelidade, e consequentemente, na satisfação conjugal, mas não a única, pelo fato da relação conjugal envolver outras características conjugais importantes à manutenção da relação (MAGALHÃES; FÉRES-CARNEIRO, 2003).

As mudanças ocorridas na sociedade tiveram contribuições das ideologias, que aconteciam na tentativa de respeitar a liberdade e o desejo do indivíduo nas escolhas sociais, estas vieram se refletir também nos papéis conjugais (TRIGO, 1989). Podendo-se pensar que cedeu lugar a construção de novos modelos conjugais na sociedade moderna, transformando as relações de gênero nas convivências conjugais. Conforme Velho (1995, p.232), “as ideologias individualistas são variadas e complexas, mas, enquanto conjuntos expressam e produz um novo quadro de valores que se opõem a ordem hierárquica tradicional”, isto, com o intuito de atender as novas demandas sociais.

Uma dos movimentos sociais ocorridos no século XX (1960/ 1970) foi o movimento feminista que se iniciou na Europa e nos Estados Unidos, e logo depois veio repercutir também no Brasil (GOLDENBERG, 2001). O movimento feminista vem se organizar frente à insatisfação da divisão sexual de trabalho, reivindicando igualdade nos papéis sociais na esfera pública e também na privada, modificando as características conjugais tradicionais e a insatisfação conjugal da mulher perante o papel social estabelecido (JABLONSKI, 2007).

O homem como único provedor e a mulher como única responsável pela manutenção do lar e da criação dos filhos vem sucumbir lugar a dois provedores do lar, devido à participação da mulher na renda familiar (JABLONSKI, 2007), o que acabou por contribuir para o declínio das desigualdades sociais entre homens e mulheres perante o movimento feminista. Percebe-se que a participação da mulher na renda familiar contribuiu não somente para o declínio da desigualdade social entre os gêneros (ENGELS, 1995), mas, também para o apaziguamento das situações geradoras de conflitos e tensões (VELHO, 1995) que também podem prejudicar a satisfação conjugal, devido a esta desigualdade social perante a contribuição na renda familiar.

Segundo Goldenberg (2001), as conquistas feministas com o redimensionamento dos papéis sociais tanto na esfera pública quanto na esfera privada, isto é, dentro e fora do lar, vem afetar significantemente a saúde da mulher moderna. Pode-se pensar que, embora os movimentos feministas tenham produzido autonomia e independência às mulheres, proporcionando satisfações no âmbito social e conjugal, as exigências modernas possivelmente acabaram por afetar a saúde das mulheres num todo, devido ao excesso de trabalho nas duas esferas, o que acabou também por contribuir para o desgaste conjugal e consequentemente à

insatisfação conjugal, ou seja, se ganha de um lado e perde-se de outro ou vice- versa.

Uma das conseqüências das mudanças sociais perante os papéis conjugais foi à opção dos cônjuges em abdicarem da procriação (MACFARLANE, 1990). A necessidade dos cônjuges de procriarem foi uma importante característica da conjugalidade do século XVI (ARIÈS, 1981). Essa liberdade por escolher não ter filhos, deve-se ao fato dos cônjuges se bastarem na relação conjugal não necessitando de mais um membro familiar, pelo fato dos cônjuges estarem satisfeitos um com o outro, não atendendo as antigas características da conjugalidade dos séculos anteriores com a presença de filhos. Neste momento se percebe a presença do filho irrelevante à satisfação conjugal, sendo que, esta em um dado momento histórico foi responsável pela noção de família na sociedade (ARIÈS,1981). No entanto Matos (2000) percebe a abdicação da procriação pelo fato das mulheres possuírem outras possibilidades além da maternidade, como: o acesso a educação e ao trabalho remunerado por exemplo.

A sexualidade no século XX além dos fins de procriação como era em séculos passados, agora é percebida como algo ligado ao prazer individual até mesmo podendo ser praticado antes e fora da relação conjugal. Embora mudanças sociais tenham ocorrido no cenário da conjugalidade, como é o caso da liberadade sexualidade no século XX, o respeito pelo desejo do indivíduo nas escolhas tanto conjugais quanto individuais ainda não são suficientes à satisfação conjugal, pois já se tem consciência segundo alguns autores, de que as relações conjugais possuem características além dos sentimentos amorosos os deveres cotidianos (MAGALHÃES; FÉRES-CARNEIRO, 2003). O sucesso conjugal não depende somente da presença do amor entre os cônjuges, envolve outras necessidades exigidas pelo meio conjugal tais como – o companheirismo, a segurança financeira, as responsabilidades, o respeito, enfim, todas as variáveis que implicariam na manutenção e consequentemente na satisfação das diferentes necessidades de cada um dos cônjuges na relação (LEITE; MASSAINI, 1989). No entanto, Matos (2000) percebeu durante o processo de análise com seus pacientes, que na relação conjugal a confiança, o cuidado com o outro e a responsabilidade fazem mais diferença numa relação bem sucedida do que aquelas pautadas no dever e nas obrigações cotidianas como é entendido por Leite; Massaini (1989).

Segundo Jablonski (1998), “o amor permanece quase que como a única razão para se casar (p. 71)”. No entanto, o mesmo autor entende as pessoas quando pedidas que avaliassem suas relações ao longo do tempo consideraram variáveis de peso como responsáveis pela satisfação conjugal o amor e o companheirismo, e ao longo da convivência conjugal a estabilidade e a segurança financeira. Pode-se pensar a partir da idéia que o amor romântico serve apenas como impulso à conjugalidade, mas não a mantém, pois com o decorrer da convivência conjugal, outras necessidades de satisfação vão adquirindo importância perante a satisfação conjugal, cedendo lugar à idéia de um amor mais companheiro perante as dificuldades cotidianas (GIDDENS, 1993). No entanto Bauman (2003) percebe que nas relações as pessoas procuram à satisfação imediata como ocorre com os bens de consumo, isto se deve pelo fato da satisfação conjugal ocorrer em longo prazo, pois o desejo é algo que precisa ser cultivado, e no mundo de “velocidade e aceleração” não haveria tempo para se construir o “amor companheiro” de Jablonski (1998). Ainda, segundo Bauman (2003), as pessoas preferem relações pautadas na veemência das emoções, podendo as pessoas serem trocadas quando não satisfazem mais seus parceiros. Mas, Matos (2000) entende que as variáveis segurança financeira e a felicidade decorrentes das emoções fortes não precisam se opor conforme os autores acima citados expõem, estas podem se juntar e contribuir à satisfação conjugal.

Outra característica da conjugalidade foi à idéia do amor romântico que surgiu no século XVIII (KORFMANN, 2002) propondo sentimentos novos às relações conjugais, as quais se baseavam nos ideais da literatura romântica sobre a relação amorosa, pois até o século XV a concepção de família estava pautada na realidade social e moral, como já foi citado, mais do que na relação sentimental amorosa dos cônjuges (ARIÈS, 1981). Isso corrobora com a idéia de Jablonski (1998). Este autor entende que “em termos históricos, quando os jovens começaram a se ver livres para escolher seus pares, o amor começou a se impor como critério ou bússola para nortear as preferências conjugais (p. 84)”.

O amor romântico como característica da conjugalidade veio contribuir significantemente para as características da relação conjugal no século XX e consequentemente à crise conjugal. Pois, segundo Jablonski (1998) “[...] a própria sociedade passa a criar nos indivíduos uma expectativa impossível de ser alcançada ao tornar sinônimos amor e casamento [...] (p. 84)”. O surgimento da idéia do amor

romântico na conjugalidade vem afetar principalmente a mulher, pois esta qualidade do amor tem como características em sua composição além do sentimento de amor - o espaço doméstico, a submissão da mulher ao homem, pois esta contribuiria à experiência da paixão (RIBEIRO, 2007), à idéia de que o amor é único e para sempre, a criação dos filhos com a noção de maternagem entre outras, aos quais são considerados características dos ideais da literatura romântica.

A valorização dos afetos destinados à mulher perante a idéia do amor materno, filial e conjugal (GIDDENS, 1993; TRIGO, 1989) acabou por valorizar a figura feminina no meio social, contribuindo para o declínio do poderio do chefe de família no século XIX, conhecido como modelo patriarcal de família. E, ao homem afetou de um modo que caberia na relação conjugal fazer somente o uso da razão na tomada das decisões familiares, cabendo as mulheres o uso das emoções.

Segundo Jablonski (1998), o processo de passagem do amor romântico para o amor companheiro na relação conjugal, ocorre devido à diminuição da idealização que um cônjuge tem sobre o outro, pois o amor romântico se caracteriza pela projeção dos ideais do enamorado a outrem (FREUD, 1996). A idealização de um cônjuge sobre o outro vai diminuindo através das convivências conjugais, pelo fato dos cônjuges ainda não se conhecerem realmente e de não estarem cientes das novas exigências do meio conjugal, que se caracteriza por ser diferente da fase de namoro (JABLONSKI, 1998).

Essa consciência poderá acontecer brevemente com o convívio conjugal perante as dificuldades cotidianas, a partir de então se exige dos cônjuges um amor ainda mais companheiro do que aquele da fase de namoro, devido às novas exigências conjugais contribuindo para as dissoluções conjugais.

A seguir serão apresentadas as características da conjugalidade na contemporaneidade, ao qual se percebeu outras formas de se relacionar conjugalmente.