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2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS (ATD) E OS POSTULADOS PARA

2.1 A ATD E SEU OBJETO DE ESTUDO

2.1.4 As categorias de análise da ATD

É no capítulo 2 de sua obra que Adam (2011) trata sobre as categorias da análise textual. Da reflexão feita pelo autor, reteremos dois pontos: (i) as considerações tecidas acerca da perspectiva de análise gramatical tradicional, momento em que debate sobre a distinção entre as categorias gramaticais para análise da língua e as categorias para análise do texto; e (ii) a discussão sobre a proposição-enunciado (ou proposição-enunciada) como unidade mínima da análise textual.

Sobre o primeiro ponto, o pressuposto é o de que as operações mobilizadas para a construção de uma unidade textual vão muito além da gramaticalidade de base morfossintática construída no nível da frase. As categorias da análise gramatical são definidas por uma Linguística da língua e por isso mesmo são distintas das categorias da análise textual. Adam (2011) ilustra essa distinção com a descrição detalhada de exemplares de textos concretos, deixando claro que, na construção do texto, entram em jogo operações e conexões que não se apoiam unicamente nessa base morfossintática. O apoio teórico, como se pode verificar, é buscado em Benveniste (2006), pois este autor oferece base para o entendimento de que:

as condições de emprego das formas [de base morfológica, gramatical] não são, em nosso modo de entender, idêntica às condições de emprego da língua. São, em realidade, dois mundos diferentes, e pode ser útil insistir nesta diferença, a qual implica uma outra maneira de ver as mesmas coisas, uma outra maneira de as descrever e de as interpretar. (BENVENISTE, 2006, p. 81).

Desse modo, Adam (2011) compreende que, enquanto a análise gramatical lida com categorias morfossintáticas para a descrição da gramaticalidade dos enunciados, a LT tem

conexões que abrem e fecham segmentos textuais mais ou menos longos”. Sendo esta a tarefa,

ela “deve, portanto, elaborar conceitos específicos e definir classes de unidades ‘intermediárias [...] entre a língua e o texto’ [...] para dar conta da própria complexidade da

língua, que se manifesta a partir do nível da frase” (ADAM, 2011, p. 75-76).

A LT, pensada nesses moldes, propõe uma abordagem que ultrapassa a dimensão

frasal para chegar ao alcance da dimensão textual, que é “regida pela coerência dos conceitos sustentados em meios coesivos apropriados” – são dizeres de Prandi (2007, p. 75) retomados

por Adam. Tanto a LT quanto a obra de Adam (2011), dedicada a apresentar a ATD, têm como foco a descrição desses recursos coesivos, isto é, dos recursos operados pelo falante no nível do texto. O que o autor faz, portanto, é propor uma reflexão ancorada na análise de textos concretos, permitindo-nos repensar a fronteira frase-texto. Sobre essa relação, ele diz

que “uma frase tipográfica pode constituir uma unidade de sentido suficiente para ser um texto completo” (p. 78) e que, conforme a perspectiva que adota, “os fatos sintáticos são sempre considerados em suas relações com os efeitos textuais” (p. 83).

Com relação ao segundo ponto a ser destacado aqui, o da proposição-enunciado como unidade textual elementar, Adam (2011) revisa a posição de Benveniste (1966, 1974 [2005, 2006]) e o trabalho de Gardes-Tamine (2003), propondo uma reflexão disposta a rediscutir a

noção de frase e apresentar suas limitações. O autor assume que “a noção de frase

decididamente pode ser mantida como uma unidade textual. Ela é, certamente, uma unidade de segmentação (tipo)gráfica pertinente, mas sua estrutura sintática não apresenta uma

estabilidade suficiente” (p. 104). É pertinente no sentido de ser útil para demarcar,

tipograficamente, o início e o final de uma sequência, o que se verifica em função das letras maiúsculas e da pontuação – e é basicamente por isso que ela é mantida na ATD. Apresenta estrutura instável no sentido de não ser possível determinar seus limites, nem dar conta com precisão de seu conteúdo, considerando os vários tipos de descrições possíveis (por exemplo, nominais, verbais, simples, complexas).

Pode-se acrescentar, conforme o entendimento aqui discutido, que a noção de frase é insuficiente para abarcar o critério enunciativo, isto é, a frase não dá conta da efetivação em uma situação enunciativa concreta, da ligação com outros enunciados, porque ela não se configura como o produto de uma enunciação, mas sim como unidade do sistema da língua, sendo a gramática tradicional que lhe reserva atenção. Não é dessa unidade que a ATD precisa para realizar a análise de conjuntos de textos de toda espécie, literários e não literários,

mas sim, usando as palavras de Adam (2011, p. 106), “de uma unidade textual mínima que

designação de uma microunidade sintático-semântica (a que o conceito de proposição atende

muito bem)”. Eis aí a razão de o autor sugerir designar como unidade textual mínima a

proposição-enunciado ou proposição enunciada. Ele explica muito claramente: “ao escolher falar de proposição-enunciado, não definimos uma unidade tão virtual como a proposição dos lógicos ou a dos gramáticos, mas uma unidade textual de base, efetivamente realizada e produzida por um ato de enunciação, portanto, como um enunciado mínimo” (p. 106).

Feitas essas considerações conceituais, pensamos ser oportuno reunir, no quadro disposto a seguir, os principais traços que definem a proposição como uma microunidade enunciativa e textual, segundo o raciocínio apresentado em Adam (2011, p. 108-111).

A proposição- enunciado

É uma unidade textual mínima;

É o produto de um ato de enunciação, pois é proferida por um enunciador e supõe um coenunciador;

É, ao mesmo tempo, uma microunidade sintática e uma microunidade de sentido;

Tal como a proposição clássica, liga um objeto de discurso ao que é dito a seu respeito por intermédio de um predicado verbal ou nominal, ou ainda monorrema;

Liga-se a um ou a vários outros enunciados elementares; convoca um ou vários outros enunciados em resposta a eles ou como simples continuação;

Apresenta três dimensões complementares: uma dimensão enunciativa, uma potencialidade argumentativa e um valor ilocucionário;

Está sujeita a uma condição de verdade (verdadeiro ou falso/mentiroso) e de ficcionalidade (nem verdadeiro nem falso).

Quadro 1: Traços definidores da proposição-enunciado como unidade textual mínima

Entres os elementos reunidos no quadro, precisamos colocar em destaque as três dimensões que compõem a proposição-enunciado, porque uma dessas dimensões será o foco principal da seção 2.2 deste capítulo. Desse modo, reproduzimos aqui o Esquema 10, por meio do qual Adam (2011) faz uma apresentação triangular resumidora, mas não hierarquizada, desses três componentes da proposição-enunciado. Vejamos:

Figura 4: Esquema 10 – Dimensões da proposição-enunciado

Fonte: Adam (2011, p. 111).

O autor descreve esse esquema com as seguintes palavras (destacadas de negrito no texto-fonte), atestando sua relevância:

[...] toda representação discursiva (Rd) é a expressão de um ponto de vista (PdV) (relação [A] – [B] e que o valor ilocucionário derivado da orientação argumentativa é inseparável do vínculo entre o sentido de um enunciado e uma atividade enunciativa significante (relação [C1 – [B]). Enfim, o valor descritivo de um enunciado (A) só assume sentido na relação com o valor argumentativo desse enunciado (C1). O sentido de um enunciado (o dito) é inseparável de um dizer, isto é, de uma atividade enunciativa significante que o texto convida a (re)construir. (ADAM, 2011, p. 113).

Entendemos, assim, que a representação discursiva, a responsabilidade enunciativa e o valor ilocucionário são inseparáveis na constituição de uma proposição-enunciado. Na base desses níveis situa-se uma série de noções teóricas advindas do diálogo estabelecido com as perspectivas enunciativa, discursiva e semântico-pragmática. Por questões de recorte teórico- metodológico, não examinaremos em nosso trabalho os três níveis. Daremos conta, na seção a seguir, da responsabilidade enunciativa.

2.2 ACEPÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA E A DELIMITAÇÃO