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2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS (ATD) E OS POSTULADOS PARA

2.2 ACEPÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA E A DELIMITAÇÃO

2.2.3 Assumir a responsabilidade é ser a fonte do dizer: a perspectiva da ScaPoLine

A Teoria Escandinava da Polifonia Linguística (ScaPoLine), liderada por Nølke, Fløttum e Norén (2004), também dedica uma reflexão sobre o conceito de responsabilidade enunciativa, mais precisamente responsabilização. Nesta subseção, examinamos este conceito no âmbito da referida teoria, a partir do trabalho de Nølke (2009), convocando o apoio das leituras de Coltier, Dendale e Brabanter (2009) e de Passeggi et al. (2010).

A ScaPoLine faz evocar os estudos bakhtinianos sobre polifonia e inspira-se na proposta de Ducrot (e o seu parceiro Anscombre), porém se afasta deste autor por alegar que ele centrou sua abordagem polifônica no sistema da língua, na medida saussuriana, em relação a um discurso idealizado. As bases da ScaPoLine advêm das teorias enunciativa, semântica, discursiva, estrutural e instrucional.

Conforme Nølke (2009, p. 18-19), a ScaPoLine distingue dois níveis na análise polifônica: a estrutura polifônica (abreviada structure-p), situada no nível da língua, ou da frase, responsável pelas instruções para a interpretação polifônica, e a configuração polifônica (abreviada configuration), que é parte do processo interpretativo. Essa configuração compõe- se de quatro elementos fundamentais, suscetíveis de serem codificados na estrutura da língua, quais sejam:

 Os locutores como produtores (LOC) assumem a responsabilidade pela enunciação.

 Os pontos de vista (pdv) são entidades semânticas portadores de uma fonte que é conhecida como tendo o pdv. As fontes são variáveis. Eles correspondem aos enunciadores (enonciateurs) de Anscombre e Ducrot.  Os seres de discurso (s-d) são entidades semânticas suscetíveis de saturar as fontes.

 As ligações enunciativas (liens) ligam o s-d ao pdv.14

Considerando esses elementos, a responsabilidade enunciativa, na ScaPoLine, constitui-se como uma ligação que se dá entre o ser do discurso (s-d) e o ponto de vista (pdv)15, em que este s-d pode tomar uma posição em relação ao pdv, julgando seu conteúdo, como verdadeiro ou falso.

14• Le locuteur-en tant que constructeur (LOC) assume la responsabilite de l’enonciation.

• Les points de vue (pdv) sont des entites semantiques porteuses d’une source qui est dite avoir le pdv4. Les sources sont des variables. Elles correspondent aux enonciateurs d’Anscombre et Ducrot.

• Les êtres discursifs (ê-d) sont des entites semantiques susceptibles de saturer les sources. • Les liens énonciatifs (liens) relient les e-d aux pdv. (NØLKE, 2009, p. 19).

15 Abreviações distintas são usadas para se referir ao termo ponto de vista: PdV na obra de Adam (2011); PDV no trabalho de Rabatel (2009) e pdv na ScaPoLine. Nas seções teóricas deste trabalho, mantemos a abreviação

Conforme assimilado por Coltier, Dendale e Brabanter (2009), e reiterado por Passeggi et al. (2010), cada pdv exibe um ser responsável, por quem devemos perguntar. Por sua vez, esta ligação toma como critério a fonte enunciativa, a origem, a paternidade do pdv. Assim, perguntar pelo responsável do pdv significa, antes de tudo, saber quem é a sua fonte. A fórmula que resume esta compreensão é: “X é o responsável pelo pdv se e somente se X é a

fonte do pdv” 16.

Semelhante a Ducrot (1987), a ScaPoLine também leva em conta a variabilidade das fontes do pdv, ou seja, admite a coexistência de locutores e enunciadores. De modo particular, a ScaPoLine postula a existência de sete instâncias passíveis de serem assimiladas como o elemento X referente ao ser responsável pelo pdv. São elas: “dois locutores (l0, L), dois alocutários (a0, A) terciários individuais e coletivos (t, A GENTE homogêneo e LEI)”17. Assim, a fórmula geral do pdv18 é a seguinte:

[X] (JULGA (p))

Onde X simboliza a fonte, JULGA o julgamento e p o conteúdo.

Esta fórmula permite compreender que ser o responsável equivale a ser a fonte do pdv e ser o agente de um julgamento particular, apoiado no conteúdo do pdv. O ser responsável é diferente do pdv, são duas entidades distintas, porém ligadas por uma relação metonímica, na

medida em que “todo pdv tem, entre seus componentes, uma fonte e ser responsável é ser fonte” (PASSEGGI et al., 2010, p. 305). Reproduzimos abaixo o esquema que resume a

versão atual do conceito de responsabilidade desenvolvido pela ScaPoLine.

Responsabilidade

Não-responsabilização

Não-refutação Refutação

Acordo Neutro (?)

Fonte: Coltier, Dendale e Brabanter (2009, p. 22).

usada por cada autor, quando estivermos nos reportando a eles, mas na análise empregamos somente a abreviação PdV, conforme Adam, sem com isso nos afastarmos de Rabatel.

16 « Dans la ScaPoLine, X est responsable de pdv si et seulement si X est la source de pdv » (Nølke 2001 : 51, nos italiques). (cf. COLTIER, DENDALE e BRABANTER, 2009, p. 21).

17 [...] deux locuteurs (l0, L), deux allocutaires (a0, A), des tiers individuels et collectifs (t, ON homogène et LOI) (2004 : 40)17. Il y a donc sept instances susceptibles d’être sources ou responsables des pdv18 et donc susceptibles de prendre en charge un pdv. (COLTIER, DENDALE e BRABANTER, 2009, pp. 21-22)

18 [X] (JUGE (p))

Où X symbolise la source, JUGE le jugement et p le contenu.

Com base no esquema acima, podemos dizer, em síntese, que a ScaPoLine preconiza a existência de um ser do discurso ligado a um pdv (responsabilidade), ou seja, um s-d está na origem deste pdv, mas também admite a possibilidade da não-responsabilização, quando o s- d não é identificado como a fonte (original) do pdv. Além disso, há a ligação de acordo, em que o s-d tomado como não-responsável pode concordar, julgando verdadeiro o pdv (não- refutação) ou discordar, julgando-o como falso, se for o caso (refutação). Nessas ligações, a ScaPoLine parece não deixar certo se há neutralidade, um posicionamento zero do s-d.

Observamos em Ducrot (1987) e na ScaPoLine uma aproximação quanto a considerar a variação de fontes na ocorrência de um enunciado e a partir das quais se assimila o seu desdobramento polifônico. Porém, são visões diferentes, pois enquanto na ScaPoLine o

elemento “X”, responsável pelo pdv, tem que ser a fonte, a acepção ducrotiana admite que o

locutor, que é a fonte e o responsável pelas palavras, ou seja, pelo enunciado, pode não assumir as atitudes expressas e atribui-las a um outro enunciador, do qual se distancia. Em outras palavras, entendemos que, em Ducrot, o locutor é a fonte, mas não significa ser o responsável. De ambas as acepções mostradas, aproveitamos a distinção entre locutor e enunciador, todavia nesse aspecto nosso apoio teórico concentra-se muito mais nas reflexões de Rabatel, com quem passamos a dialogar, na busca de mais uma acepção do conceito de responsabilidade enunciativa.

2.2.4 Negociações de um locutor-enunciador primeiro (L1/E1) com um enunciador segundo