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2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS (ATD) E OS POSTULADOS PARA

3.3 DESCRIÇÃO DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS

3.3.2 O perfil do pesquisador iniciante

A classificação dos periódicos institui uma separação nítida entre a excelente, a boa, a mediana e a má qualidade, se assim podemos dizer, da produção intelectual dos programas de pós-graduação no Brasil. Fica claro que a qualidade dessa produção está diretamente

relacionada à titulação e à experiência acadêmico-científica do pesquisador, até porque, como vimos, tudo isso figura entre os critérios avaliativos utilizados pelo Qualis. Tomando essa informação por base, passamos agora a explicar a denominação de pesquisador iniciante, empregada ao longo do nosso trabalho como referência aos autores dos artigos científicos adotados como corpus da pesquisa. Esse termo iniciante pode recobrir, ao mesmo tempo, o pesquisador situado em nível graduação e de pós-graduação (mestrandos e doutorandos) e se opõe, por diversas razões, a experiente ou especialista, termos empregados para designar o pesquisador com titulação de doutor.

Outros estudos sobre questões do texto acadêmico já utilizaram esta denominação. Citemos, como exemplo, o de Boch e Grossmann (2002), que emprega os termos principiante/iniciante e especialista, referindo-se, respectivamente, a estudantes universitários e pesquisadores estabelecidos na prática científica. Os autores fazem um comparativo das formas e funções do discurso do outro entre artigos científicos de especialistas e relatórios de estudantes, propondo uma discussão em defesa do “ensinar os estudantes a construir uma posição enunciativa legível, quando eles se apoiam em citações.” (p. 106).

Em nosso trabalho, a utilização do termo pesquisador iniciante ou principiante leva em conta o conjunto de características dispostas no quadro a seguir. A elaboração do quadro teve apoio no estudo de Cervi (2013), uma tese de doutorado que apresenta uma proposta para medir a reputação acadêmica do pesquisador, mediante os elementos que configuram o seu perfil. A proposta do autor “tem como premissa ser abrangente e adaptável, pois engloba a vida científica do pesquisador construída ao longo de sua carreira científica. Tais premissas permitem a utilização da abordagem em diferentes áreas e em diferentes contextos [...]” (p. 19).

O PESQUISADOR DA ÁREA DE LETRAS/LINGUÍSTICA

Iniciante (principiante, ou em formação) Experiente (especializado na área de atuação) - Estudante de graduação ou de pós-graduação

(especialização, mestrado e doutorado);

- Titulação mínima de graduado (para mestrandos) e de mestre (para doutorandos);

- Trajetória científica correspondente aos anos de formação acadêmica obtida (não ultrapassa o doutorado em andamento);

- Quando mestrando ou doutorando, pode ter experiência na orientação de monografias de graduação ou de especialização,

- Quando doutorando (já tendo titulação de mestre), pode ter participação em projetos de pesquisa e na orientação de alunos de iniciação científica; - Publicação em livros e periódicos avaliados com

- Titulação de doutor;

- Trajetória científica como pesquisador da área já estabelecida: abarca não somente a formação acadêmica (graduação e pós-graduação lato e stricto senso), mas também o desenvolvimento de projetos, a orientação de dissertações de mestrado e teses de doutorado, a participação em defesas de mestrado e de doutorado, a participação em eventos (conferências, mesas redondas, palestras, entre outros), a publicação de trabalhos em livros e periódicos, com os melhores estratos de avaliação e com dimensão nacional e internacional; - Liderança em projetos financiados por agências de fomento, em consultorias, em comissões ou comitês avaliadores (de programas de pós-graduação, de

os estratos inferiores à categoria A (ressalvados os casos em que figuram como coautores de trabalhos com pesquisadores doutores);

- Não há trajetória na orientação de dissertações, nem de teses; também não há participação em defesas desses dois tipos de trabalho;

- Poucos artigos publicados e citados;

- Trajetória científica e status acadêmico em construção.

periódicos etc.);

- Muitos artigos publicados e citados por outros pesquisadores;

-Trajetória científica consolidada na área, definindo sua especialidade e competência em temáticas específicas; - Status acadêmico reconhecido e consolidado entre os pares.

Quadro 10: Perfil dos pesquisadores iniciantes vs. experientes

Os dados do quadro não podem ser tomados como absolutos, afinal é preciso considerar, entre outros fatores, o contexto social onde está inserido o pesquisador, bem como o quesito tempo. Nem todo pesquisador com titulação de doutor, se for jovem, por exemplo, apresentará uma trajetória científica equilibrada e consolidada. Além do mais, na atual efervescência e exigência de publicações, os mestrandos e doutorandos podem também exibir número elevado de artigos. De toda forma, para os propósitos desta pesquisa, o conjunto de características do quadro pode ser tomado como parâmetro para o estabelecimento da categoria iniciante, em distinção à especialista/experiente, pois consideramos que as condições de publicação dos periódicos da área de Letras/Linguística, os critérios avaliativos do Qualis Capes, bem como a própria lógica de funcionamento do campo científico, com suas hierarquias e contradições, convergem para a legitimação dos dois perfis apresentados.

Levando em conta os traços descritos na segunda coluna do quadro a respeito de pesquisadores experientes, podemos supor que eles nos servem de referência para pensarmos num possível parâmetro da escrita acadêmica a que os estudantes da graduação devessem alcançar, após um logo trajeto científico. Não significa que a qualidade da escrita de um (iniciante) deva ser necessariamente medida pela do outro (especialista), o que já consistiria numa relação desigual (BOCH & GROSSMANN, 2002), afinal nos parece inútil forçar os estudantes, sobretudo os de graduação, a se enquadrarem no modelo de produção escrita do pesquisador constituído, quando, na verdade, somente com uma trajetória de experiências construída ao longo do tempo, somadas às investidas de esforço e progresso, é que podem passar por etapas de aperfeiçoamento de sua escrita.

Assim, também não é o caso de acreditar cegamente que a posição de especialista/experiente representa o modelo ideal (correto, melhor, perfeito) de escrita sob o qual o estudante de graduação deva se espelhar, mas, ao se considerar o crédito que a produção especializada tem, levando em conta as atividades de pesquisa, de leituras e de outras escritas que lhe antecedem e lhe dão possibilidades de refinamento, as instâncias avaliativas pelas quais já foi submetida, o público especialista para o qual se dirige, a natureza

do meio de circulação, entre outros aspectos, ela pode sim dar margem para uma escrita que exibe o saber dialogar, negociar sentidos com outras vozes e construir uma voz autoral.

Queremos dizer, afinal, que é possível interferir ao longo do processo, enquanto o estudante de graduação vai se fazendo pesquisador e autor. Como parte da trajetória que ele precisa percorrer até alcançar a chamada autonomia, está o papel do ensino, do profissional que o orienta, que faz apontamentos e interfere positivamente em suas produções acadêmicas. O nosso pressuposto é o de que a intervenção pontual advinda do ensino ou da orientação da produção textual na graduação pode ajudar a superar muitos dos problemas de escrita que se arrastam até a pós-graduação, e aproximá-la, tanto quanto possível, do nível mais avançado. Por isso, olhamos para os textos já avaliados e qualificados como bons, para deles inferimos possibilidades de contribuições para o ensino. O conceito de responsabilidade enunciativa é a via que escolhemos para mostrar como isso pode proceder, porque, no texto acadêmico- científico, esse conceito relaciona-se muito bem com o diálogo com as fontes, com a (não) assunção de pontos de vista, com posições de engajamentos ou de distanciamentos, com atitudes reflexivas sobre o dito, com a construção de autoria etc. Para nós, construir, assumir e gerenciar pontos de vista constituem-se como um dos cernes de toda produção acadêmico- científica.