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As Ciências da Educação e a intervenção sociocomunitária

A crescente complexidade do mundo actual, com os seus metamorfosismos sociais, levou as sociedades a enfrentar novas realidades e alterações nos seus modos de vida e formas de relacionamento. As mutações sociais aliadas à crise do Estado-Providência contribuíram, também, para um aumento dos sectores desfa- vorecidos da sociedade, da marginalização e da exclusão social, do desemprego e da precarização dos empregos (Azevedo et al., 2013; Batista, 2014; Delgado, 2013). Nesta linha de pensamento, José Alberto Correia considera importante a “constru- ção de narratividades sociais alternativas que se ocupem do combate às desigual- dades, às injustiças e aos sofrimentos sociais” (Correia, 2004, p.3). Para responder às diversas problemáticas sociais, as CE podem aliar o trabalho educativo ao so- cial6 numa visão mais ampla quer de prevenção, quer de ressocialização, quer de

apoio ao idoso – o índice de envelhecimento da população portuguesa mostra a tendência para o aumento da população idosa [O número de idosos para cada 100 jovens evoluiu de 102, em 2001, para 120, em 2010, para 128, e para 133 em 2014 (Pordata)]. Até 2070, as previsões do INE é que o número de octogenários crescerá perto de 165 por cento. Neste sentido, importa apostar na solidariedade entre gerações, nas relações intergeracionais com vista a criar sociedades mais coesas e sustentáveis (Carneiro et al., 2012). Existe uma:

necessidade emergente de se promover a aprendizagem in- tergeracional na Europa como meio de alcançar a solidarie- dade intergeracional. Em 2007, a Comissão Europeia enco- rajou os estados membros a estabelecer uma solidariedade renovada entre as gerações, de modo a confrontar altera- ções demográficas na Europa (Pinto, 2009, p. 6).

Conceber a educação num quadro de enraizamento sociocomunitário poten- ciador da articulação dinâmica entre as aprendizagens formais, não formais e in- formais tem levado, segundo diversos autores, a advogar a Pedagogia Social (PS) – uma área tradicionalmente indexada aos domínios do trabalho social – no seio das CE, com consequente expressão académica e profissional (Carvalho & Baptista, 2004; Baptista, 2013; Ortega, 2013) e a inscrevê-la no campo epistemológico das ciências da educação, numa linha de demarcação relativamente ao trabalho social.

6 A Pedagogia Social (PS) é uma instância epistemoantropológica que, dinamizando os contributos de diversas ciências humanas, os supera, incutindo-lhes uma unidade transdisciplinar e praxiológica

A educação não pode, de facto, ignorar as problemáticas sociais: grupos hu- manos vulneráveis, número crescente de pessoas inativas, e o envelhecimento progressivo da população.

Conclusão

Já existe uma vasta produção científica de investigadores que têm reflectido sobre as questões epistemológicas das Ciências da Educação. No entanto, parece- -nos necessário pontuar, nesta área do saber, as evoluções, as modificações e as deslocações dos centros de interesses no seio da comunidade científica.

Pensamos – como Cros (2008, p. 89) – que as CE, ao longo destas últimas déca- das, mudaram o seu perfil. Passaram da «pedagogia experimental» a um processo de construção de esquemas de inteligibilidade que dão sentido às relações entre os fenómenos e, deste modo, permitem uma melhor compreensão do fenómeno educativo. A construção de uma postura de inteligibilidade contribuiu para afirmar as CE e esvaziar críticas de alguns detractores que as acusam de falta de rigor cien- tífico. As CE confrontam-se com as mesmas dificuldades que as ciências humanas, ou seja, aquelas que estão associadas a um trabalho sobre o homem; porém essa dificuldade é ainda maior pelo facto do seu objecto ser a educação, um campo científico complexo.

As CE são hoje desafiadas por interpelações decisivas de cariz socio-educacio- nal. A intervenção comunitária ganha hoje especial importância no seio das CE. Pensamos que os vários dispositivos discursivos se foram, progressivamente, arti- culando na problematização e materialização do papel do educador na esfera da intervenção socioeducativa. Importa “um olhar tecido na linha de intercessão en- tre as áreas da educação e da solidariedade social” (Baptista, 2013, p.114) de for- ma a “alargar o perímetro do Estado de bem-estar” (Antunes, 2013, p.101). Importa que, pelas CE, se fomente o desejo de aprender ao longo da vida, na escola e fora da escola. Estaremos perante uma reconceptualização das CE cujo significado já era muito claro para os gregos quando falavam de paideia: “As pessoas educavam- -se enquanto viviam: na família, nas ruas, na Ágora, em reuniões, nas palestras, em casa do grammatista, na Academia, no teatro, em aulas particulares com as sofistas que passavam pela cidade, vivendo” (Ortega, 2013, p. 72).

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