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Relação das Ciências da Educação com a Pedagogia

A relação entre Ciências da Educação, pedagogia e matérias de ensino parece constituir um ponto sensível das críticas. É, pois, absolutamente necessário para os investigadores do campo educativo situar-se numa posição que não confunda pedagogia e Ciências da educação, mas que explicite a ligação entre elas. Os tra- balhos de investigação sobre a educação são fonte de saberes permitindo aos pe- dagogos formular teorias práticas, métodos, orientações e alimentam os debates entre os diferentes pedagogos, os profissionais no terreno e os decisores políticos.

Em 1952, René Hubert interrogava-se retoricamente: “O que é a Pedagogia? Uma ciência? Uma arte? Uma técnica? Uma filosofia e sobretudo uma filosofia prática?” E responde “É tudo isto ao mesmo tempo?” (Hubert, 1952, p. 5), precisando que se “deve reservar o nome de ciência a esta teoria prática porque implica a existência de um método de investigação igual às demais ciências e porque elabora um sistema

de princípios tomados a outras ciências e capazes de tornar mais racional a arte pedagógica”. Em 2008, Champy-Remoussenard também se interrogava sobre o que se entendia por pedagogo. E perguntava: “É aquele que inspira, prescreve, formula orientações práticas possíveis? É aquele que trabalha como educador?” E respon- dia que o investigador em educação não é neste sentido um pedagogo, mas ele pode ser, além disso, um pedagogo, como pode ser um profissional de educação.

Cabe neste ponto, descodificar a semântica de termos como pedagogo, profissional de educação, e investigador em educação, que, por serem utilizados como sinóni- mos, são fonte de confusão. Para essa descodificação, socorremo-nos de Bachelard (1930): pedagogo é aquele que irá elaborar métodos e propor formas de exercer a atividade educativa; profissional de educação é aquele cuja actividade quotidiana é educar; o investigador em educação é aquele que vai estudar os fenómenos educa- tivos com uma postura científica rigorosa, recorrendo a ferramentas específicas e distanciando-se de um pensamento de uma mera opinião.

Para Planchard (1941, p. 9), a pedagogia representa, de facto, senão o ramo mais adiantado, pelo menos o mais desenvolvido das ciências práticas, tendo filó- sofos, biólogos, psicólogos, higienistas, médicos, pedagogos práticos e sociólogos, rivalizado em esforços para a construção da moderna ciência da educação. Neste sentido, Planchard fala duma “Babel pedagógica” (1941, p. 9).

Em 1967, Gilles Ferry – que foi um dos primeiros a introduzir, em França, uma abordagem psicossociológica da educação, tanto a nível da investigação e conhe- cimento do que se passa no campo pedagógico, como ao nível da evolução das práticas de ensino e da formação dos professores – assina um artigo “ A morte da pedagogia”?3, onde sustenta:

La substitution des «sciences de l’éducation» à la pédagogie, si elle n’est pas une concession purement formelle au lan- gage anglo-saxon, signifie, tout à la fois, l’abandon de spécu- lations normatives au profit d’études positives et, à l’intérieur des sciences humaines, la délimitation et l’organisation d’un champ de recherches orientées vers la compréhension du fait éducatif (Education Nationale, 820, (XII), 33).

Gilles Ferry evoca a necessidade de acabar com o discurso sentencioso e redundante da pedagogia tradicional, de reconhecer o interesse duma aborda- gem não normativa das situações educativas, de abandonar especulações nor- mativas em proveito de estudos positivos de um campo de pesquisas orienta- das sobre a compreensão do fenómeno educativo. Como bem sublinha Filloux (2008, p.307), Ferry teve a:

volonté de participer à la construction d’une autre pédago- gie. Le travail professionnel engagé à partir d’une prise en compte des recherches et des théorisations de la psycholo- gie sociale de l’époque 1950-1960 devient dès lors l’instru- 3 Em 1962 era chefe da redacção da revista Education Nationale.

ment fondamental de cet itinéraire vers la théorisation et la pratique d’une «mutation» de la fonction enseignante, qui devient objet de recherche.

Hameline e Piveteau (1981, p. 6), no Prefácio ao livro de Neil Postman, Ensinar

é resistir, também se pronunciam sobre a significação da pedagogia:

a pedagogia não é, exatamente, a ciência da educação. Ela é uma prática da decisão concernente a esta última. A in- certeza é seu prémio. Incerteza conjetural, aumentada pela mobilidade vertiginosa das referências contemporâneas; mas incerteza essencial desde que o conhecimento e a ação sejam conjugados numa teoria da prática.

Neste campo da relação da pedagogia com as Ciências da Educação, é de real- çar que estas foram objeto de uma institucionalização universitária relativamente recente. Nas décadas de 60 e 70, apareceram, respectivamente, no Québec e em França, as Faculdades de Ciências da Educação e a Licenciatura em Ciências da Educação. No nosso país, as CE, em comparação com outros países da Europa e da América do Norte, tiveram um desenvolvimento muito mais tardio (Campos et

al., 1991) e até um subdesenvolvimento. Enquanto campo disciplinar, emergiram e

institucionalizaram-se em Portugal, entre a 2.ª metade da década de 70 e a década de 804, numa época de “desenvolvimento gradual da investigação em educação e

do questionamento do seu (não) lugar e do seu (não) papel nas transformações em curso” (Ribeiro & Menezes, 2016, p. 233). As CE afirmaram-se aquando das “tenta- tivas de despolitização da educação induzidas pelo processo de normalização que se seguiu ao período revolucionário de 1974-76” (Stoer & Afonso, 1998-1999, p. 317). Nóvoa (1998, p. 123) identifica duas estratégias no percurso das Ciências da Educação5. Uma, mais preocupada com questões institucionais, traduziu-se na

consolidação e expansão das Ciências da Educação no ensino superior, privilegian- do inicialmente a formação de professores (nomeadamente a formação realizada no chamado modelo integrado). Mais tarde, deu-se a criação de outros cursos, não necessariamente vocacionados para o ensino, mas, em qualquer dos casos, com atribuição de graus em Educação ou Ciências da Educação (licenciatura, mestrado e doutoramento), e que corresponderiam a novos perfis profissionais e a abertura 4 Estrela (1999, p. 10) considera que a institucionalização universitária está na base do desenvol- vimento da investigação que se tem realizado no domínio da Educação, independentemente das polémicas epistemológicas e das resistências de alguns sectores.

5 Amado & Boavida (2008, p.9) avançam com uma periodização da história das Ciências da Educação aplicável a países que seguiram de perto uma mesma tradição (França, Espanha e Portugal), e que caracterizam por: 1. Período positivista e republicano; 2. Período da Pedagogia Experimental e da Escola Nova; 3. Período da autonomia e institucionalização universitária.

a novas profissões. Uma outra estratégia, mais voltada para o interior do campo das Ciências da Educação, começou por mobilizar contributos de algumas áreas disciplinares, nomeadamente as da filosofia ou da história da educação e da peda- gogia, trazendo, como consequência do trabalho de alguns autores de referência, uma preocupação muitas vezes vinculada, direta ou indiretamente, às questões da epistemologia da(s) especificidade(s) das Ciências da Educação face a outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia..., elas próprias à procura de construir ou ampliar a sua inserção institucional (Nóvoa, 1998, p. 123).

A afirmação das CE passa por práticas docentes e de investigação mais dialógi- cas e interdisciplinares e por fortalecer a identidade das CE até porque “travailler ensemble au sein de la discipline constitue également une voie pour renforcer son processus de disciplinarisation” (Cros, 2008, p. 85).

O papel das CE é crucial para a compreensão da complexidade de que se ro- deiam os fenómenos sociais e educacionais, sendo por essa razão fundamental que possam contribuir com estudos, investigações de terreno, análises comparadas, partindo de enquadramentos teóricos e metodológicos plurais capazes de garan- tirem a diversidade dos olhares com que elaboramos a nossa limitada compreen- são do mundo (Neto Mendes, 2013, p. 27). Não lhes cabe propor soluções para os problemas, mas desenvolver investigações, transformando problemas sociais em problemas de investigação. Os resultados dessas investigações devem ser, efectiva- mente, tidos em consideração seja pelos decisores políticos, seja pelos profissionais no terreno (Casa-Nova, 2013, p. 71; Afonso, 2013, p. 15). Considera-se necessário criar espaços e estratégias de audição e discussão da investigação em CE e investir em novas formas de dar a conhecer a sua produção científica e considerá-la com se- riedade uma vez que a transferência da investigação em CE é crucial. Naturalmente que as CE, para sobreviverem e se renovarem, devem apostar na interdisciplinari- dade e na multireferencialidade. Sobre este conceito, Cros (2008, p. 90) explicita :

multiréférentialité voulait dire qu’un objet éducatif relève toujours d’une pluralité d’approches hétérogènes, que l’ad- dition de ces approches plurielles ne suffit jamais à produire une transparence de cet objet et qu’il faut donc l’appréhen- der de plusieurs points de vue à la fois (avec une multiplicité de références). Ce cubisme épistémologique mène à l’ambi- tion de constituer une discipline nouvelle, originale, irréduc- tible à la simple collaboration d’autres disciplines: les (ou la) Science(s) de l’Education.

É esta multirrefrencialidade e complexidade do fenómeno educativo que le- vam a sinalizar e destrinçar tendências de investigação e da intervenção educa- cional. Neste sentido, diversos estudos foram produzidos neste âmbito, estudos

esses que são uma contribuição de grande valia para o conhecimento das CE tanto em Portugal como em outros países. Albano Estrela, por exemplo, organizou com outros investigadores, o livro Investigação em Educação: Teorias e práticas (1960-

2005) que dá conta da evolução das Ciências da Educação nesses últimos 40 anos.

A Nota de Apresentação é reveladora da importância desta publicação que: integra um conjunto de textos de especialistas de renome, na área das Ciências da Educação, através dos quais se traça um panorama da investigação e da intervenção em Ciências da Educação, nas últimas décadas do século XX e nos inícios do século XXI. Teresa Estrela e Marta Anadón desenvolvem temas referentes à Investigação em Educação em geral; Ma- nuel Alte da Veiga e Alberto Filipe Araújo centram os seus es- tudos em torno da Filosofia da Educação em Portugal; Mar- cel Postic aborda a Relação Pedagógica, nos últimos 50 anos; José Augusto Pacheco, Jean-Louis Martinand e Fernando Al- buquerque Costa apresentam alguns dos seus trabalhos na área do Currículo, da Didáctica e da Tecnologia Educativa; no que se refere à Avaliação, podemos encontrar textos de Gérard Figari e Domingos Fernandes; na área da Formação de Professores podemos ler textos desenvolvidos por Alba- no Estrela, Margarida Pinto Eliseu, Anabela Amaral e Patricia Ducoing; e, por fim, Nicolau Vasconcelos Raposo, fala-nos da Psicologia da Educação na Universidade de Coimbra. (Estre- la, 2007, pp. 7-8).

Estrela (2007, p. 18) conclui que “começa a afirmar-se a autonomia das CE em relação ao imperialismo das ciências fundamentais como um dos traços relevan- tes dos anos 60/70. Embora se trate de uma autonomia mais desejada do que efectivamente conseguida”.

Ribeiro e Menezes (2016, p. 236), numa amostra de teses de doutoramento em Educação, dos últimos cinco anos, salientam que os problemas tradicionalmente

identificados por diversas análises mantêm a sua actualidade: Administração e Gestão Educacional, Educação Comparada, Teoria do Currículo, Políticas Educati- vas, História da Educação, Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Educação Social de jovens e crianças em risco e disengagement e a mediação socioeducativa.

As Ciências da Educação e a intervenção