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5. Organização das epígrafes para análise

3.5. As consoantes duplas

Durante algum tempo, não era costume grafar as consoantes duplas, havendo documentação epigráfica que o comprova (Faria, 1970, p. 117). Só nos inícios do século II a.C. há notícias de alteração desse costume. O primeiro exemplo existente de grafia das consoantes duplas é o Decreto de Paulo Emílio, em 189 a.C.48 (Faria, 1970, p. 117; Niedermann, 1997, p. 112). A tendência para grafar as consoantes duplas é atribuído a Énio por Festo. No entanto, o costume para grafar as consoantes duplas parece ter demorado a generalizar-se, como comprova Niedermann, ao analisar uma inscrição de 117 a.C. (1997, p. 112).

Alguns autores defendem diferentes modos de articulação em relação às consoantes duplas (Mariné, 1952, p. 42). Niedermann (1997, p. 112) e Väänänen (1966, p. 58) referem uma tensão particularmente enérgica na articulação destas consoantes. O ouvinte conseguiria distingui-las das simples, já que teria a sensação de estar a ouvir um som duplo, com dois tempos de articulação. As consoantes duplas seriam, assim, pronunciadas com uma só articulação forte e prolongada (Niedermann, 1997, p. 112).

Na evolução do latim para as línguas românicas, houve a tendência geral para as consoantes duplas se simplificarem e se tornarem simples. O italiano

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Kent (1959, p. XXIII) dá um exemplo anterior a este numa inscrição em que se pretendia transliterar uma palavra grega. A inscrição data de 211 a.C..

constitui uma excepção nesta tendência, já que mantém as consoantes duplas. Como as consoantes simples oclusivas surdas em posição intervocálica tiveram tendência para sonorizar, Väänänen (1981, p. 58) refere que as consoantes duplas só se simplificaram depois de as oclusivas surdas terem sonorizado, o que terá evitado ambiguidades. O mesmo autor refere que as consoantes duplas líquidas, rr e ll, resistiram mais tempo do que as outras, sobretudo na zona ocidental da Europa, e exemplifica esta ideia, em português, com a palavra terra. A consoante ll terá resistido melhor em castelhano. A tendência para a simplificação das consoantes simples está documentada na epigrafia do século I (Väänänen, 1966, p. 59-60; Flobert, 1992, p. 107) e é visível, por exemplo, na evolução de flammam para chama, em português. O Appendix Probi documenta a confusão entre consoantes simples e duplas: capsesis non capsessis, suppellex

non superlex, caligo non calligo, garrulus non garulus (Väänänen, 1981,

p. 201-202).

Antes de se ter dado esta simplificação das consoantes duplas, em latim, já se tinha dado a simplificação de algumas consoantes. A consoante dupla ss, no início do Império, simplifica-se depois de vogal longa ou de ditongo. A inscrição conhecida como Laudatio Turiae documenta, ainda no final do século I a.C., a antiga tendência, antes da simplificação49. Na inscrição pode observar-se as formas caussam (I, 18) e caussa (II, 32). A consoante dupla ll também se simplifica, depois de ditongo ou depois de uma vogal longa, se ll for seguida de i. A palavra paulum, em latim, confirma o primeiro contexto. Para além destes dois casos, também se simplificam as consoantes duplas que são seguidas de uma sílaba acentuada longa. A palavra canalis formada a partir de canna exemplifica este caso.

Inversamente, em latim, também se dá o caso inverso: a tendência para tornar dupla uma consoante que era simples. Este fenómeno é designado por geminação expressiva (Väänänen, 1981, p. 59) e ocorre, sobretudo, em palavras utilizadas com valor afectivo. Väänänen refere que tal ocorria com palavras que

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traduziam interpelação ou nomes, com adjectivos que indicavam deformidades e defeitos e com termos infantis e exemplifica com Iuppiter, Varro, flaccus, lippus,

atta e mamma (1981, p. 59-60). O mesmo autor refere que a tendência para

tornar dupla uma consoante simples, por vezes, originava duas versões da mesma palavra: uma com consoante simples, a outra com consoante dupla. O

Appendix Probi também chama a atenção para esta tendência ao apresentar a

forma draco non dracco (Väänänen, 1981, p. 201).

Na epigrafia do território português, a escrita de duas consoantes é a norma seguida, na maior parte das situações, quando se pretende grafar uma consoante dupla. Vários são os exemplos que confirmam esta tendência: ACCAE,

ANNIS, ANNOS, APOLLINI, CARISSIMAE, CIPPVM, ENDOVELLICO, FERRAMENTA, METALLIS, MISSIONE, MITTENT, NVMMOS, OFFICINA, OFFICIS, SVMMAE, TELLVS, TERRA, VACCA.

Em algumas situações, no entanto, verifica-se a escrita de uma consoante dupla como se fosse uma simples. Temos exemplos da redução gráfica das consoantes cc, ll, mm, nn, pp, rr, ss.

De cc, existe o exemplo FLACVS, registado a norte e sem data (AF 223). De ll, diferentes exemplos, ocorrendo alguns mais do que uma vez, e todos registados a sul: ENDOVELICO, ENDOVOLICO, ENOBOLICO, GALIO, NOVELA,

TESSELAM, TITVLI. Das três ocorrências datadas, uma suscita dúvidas: NOVELA (IRCP 611), talvez do século II. As outras duas datam do século I: GALIO (IRCP 446) e ENDOVOLICO (IRCP 517). No centro, existe mais um

exemplo, do período entre o ano 98 e o ano 117: FELAT (FC 357b). De mm, apenas existem dois exemplos da redução da consoante, ocorrendo os dois na mesma inscrição, do século III: MVMIA e MVMIVS (IRCP 333).

A consoante nn é aquela que apresenta uma maior número de casos de simplificação. Os exemplos são mais numerosos a sul do Tejo. Nesta zona, temos: ANIS, ANO, ANONIVS, ANORVM, ANORVN, ANORV, HIRINIANA,

PERENIA. Os exemplos mais antigos datam do século I e da segunda metade do

Na zona centro, existe apenas um exemplo, com a data do século III:

HERENIANVS (CV 44b). A norte, a mesma forma surge repetida duas vezes: ANORVM (AF 294; ERRB 33). Só existe indicação cronológica para a segunda

ocorrência: século II ou século III.

Em relação às restantes consoantes duplas, de pp apenas há dois exemplos de redução: EPOLITA (IRCP 301), HYPOLITVS (IRCP 643). Só o primeiro está datado: segunda metade do século II. De rr, também há dois: TERA (IRCP 399) e REBVRO (Odr. 1 III). Só existe indicação de data para o primeiro: inícios do século III. De ss, há três exemplos: CASIANA e CASIANAE (EO 69) e

MESALA (ERRB 68). Só o último é datado: século I ou século II.

Inversamente, está registada a grafia de consoantes duplas em vez de consoantes simples. Tal acontece com as consoantes c, d, l, p, r, s, t.

A consoante c está grafada com cc, de sul para norte, nos seguintes exemplos: ORICCLO (IRCP 259), PRECCIA e PRECCIVS (IRCP 595a), LVCCIVS (Odr. 3 8). O primeiro exemplo data do século III; o segundo de finais do século II ou inícios do século III. Para os restantes não existe indicação cronológica. A consoante d surge grafada duplamente no nome próprio HADDRIANVS (CV 103) e na abreviatura da expressão DIS MANIBVS SACRVM: DD (IRCP 358). O primeiro exemplo, o único datado, é do período entre o dia 10 de Dezembro de 120 e o dia 9 de Dezembro de 121. A consoante l surge como ll, de sul para norte, em: IVLLIA (IRCP 502), VALLERIA (FE 194), SALLVIA (CIL 5220) e FILLI (EFRBI 227). Datados são apenas o segundo e o quarto exemplos: finais do século III e século I, respectivamente. De p grafado pp, apenas existe um exemplo, sem data: CVPPIDINI (RAP 470). Para a consoante r, também só existe uma forma, igualmente sem data: PRETORRIO (AF 451). A consoante s aparece duplicada na mesma abreviatura em que surge DD: SS (IRCP 358). Para t grafado como tt, temos dois exemplos: CVRAVITT (IRCP 585) e CATTIA (CV 29). O primeiro data da segunda metade do século I; o segundo do século II.

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