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Durante a história da língua latina, foram surgindo novos vocábulos de carácter popular. Estes começaram a ser utilizados, frequentemente, e começaram a substituir outros69. É o caso de vadere que suplanta ire em algumas

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Ernout (1954, p. 185-192) analisa esta questão, apresentado mais exemplos. Na mesma obra, o autor relaciona a substituição de alguns verbos irregulares por outros com uma tentativa de normalização e de eliminação de formas anómalas (id., p. 151-162).

formas. É também o caso de edere substituído por comedere e manducare. E, ainda, de sapere, que surge em vez de scire, já nas Cartas de Cícero (Väänänen, 1981, p. 76).

Esta tendência não se restringe só aos verbos. Os nomes comuns e os adjectivos são também suplantados por vocábulos de sentido equivalente. Equus é substituído por caballus, os por bucca, caput por testa. Grandis surge por

magnus, infirmus por aeger e formosus por pulcher.

O fenómeno de substituição, como se pode observar pelos exemplos, dá a preferência a vocábulos mais extensos. Este ponto pode ser confirmado por uma tendência semelhante, documentada no Appendix Probi, que consiste na substituição de nomes comuns no grau normal pelo correspondente diminutivo:

auris non oricla, fax non facla, mergus non mergulus (Väänänen, 1981,

p. 201-202).

Na epigrafia, a substituição de algumas palavras por outras novas está documentada na epigrafia da Península Ibérica e na de Pompeios, com exemplos do século I para ambos os casos (Carnoy, 1906, p. 259-260; Väänänen, 1966, p. 108-110). Os vocábulos que suplantaram outros, em muitas situações, acabaram por passar para as línguas românicas: boca tem como étimo buccam e orelha auriculam.

Nas inscrições do território português, temos exemplos de novos vocábulos que começaram a suplantar outros já existentes. Em relação a nomes comuns, temos dois exemplos: BARCARVM (IRCP 73), do século III, com barca em vez de

nauis; e CABALLOS numa clara relação com o feminino EQVAS (IRCP 142.2.),

de finais do século I ou inícios do século II, com caballus em vez de equus. O vocábulo VACCA, com omissão de -m (RAP 469), também está documentado para fazer a distinção entre o feminino e o masculino. A inscrição em que se encontra tem uma data bastante precisa: 9 de Abril de 147.

No âmbito dos adjectivos, registamos o uso de sanctus, -a, -um com deus ou dea, numa fórmula que não era a mais habitual, em inscrições votivas, maioritariamente a sul, em formas como DEAE SANCTAE e DEO SANCTO. Por

vezes, estas expressões eram seguidas do nome da divindade. Noutros casos, surgem isoladas.

Quanto a verbos, temos alguns que suplantam outros ou expressões equivalentes. O verbo debere surge a marcar a ideia de obrigação nas duas Tábuas de Aljustrel (IRCP 142 e 143), em detrimento da construção tradicional da perifrástica passiva. O verbo donare surge em alguns exemplos, sendo preterido o uso de dare ou suplantando outras construções: DONARE (IRCP 142.2.) e

DONAVIT (IRCP 339; EO 31; EFRBI 206; Egit. 1). O exemplo mais antigo é o

último: ano 16 a.C.. O verbo statuere, através da forma STATVERVNT e

STATVIT, está registado, em inscrições funerárias em contexto de ponere ou da

expressão faciendum curauit. Estes exemplos registam-se, maioritariamente, em inscrições da zona centro. Está documentado, ainda, um caso em que a expressão hic situs est surge alterada: STATVS HI(c) EST (EFRBI 7). O exemplo data da primeira metade do século I. Também está registada outra alteração, mas esta mais anómala: HIC STITVS EST (EFRBI 216). A inscrição em que se encontra o exemplo data do século I. O verbo tractare está documentado num contexto em que o sentido poderia ser representado por outro, visto que representa a ideia de negociar: TRACTARE (IRCP 142.4.). A inscrição em que se encontra o exemplo data de finais do século I ou inícios do século II.

Destacamos, ainda, uma palavra extremamente comum em toda a epigrafia funerária, que, apesar de estar a suplantar outra, acabou por ser suplantada na evolução do latim para o português. Esta palavra é MARITA. Derivada de maritus, ela surge em algumas epígrafes, sobretudo da zona sul, em vez de uxor. O exemplo mais antigo data da segunda metade do século I (IRCP 585). Os outros, no caso dos que estão datados, são dos séculos II e III. Em grande parte dos exemplos, quando a palavra está em dativo, surge a forma monotongada: MARITE (v. Cap. II, 2.1.)

Em relação a diminutivos, estão documentados exemplos que estão em vez do nome no grau normal. Temos, por ordem alfabética: FLAGELLIS (IRCP 143.10., 143.13. e 143.17), do período entre os anos 117 e 138;

TESSELAM (IRCP 602), sem data, e a forma de plural TESSELLAS (IRCP 35), do

século III; e VERSVCVLOS (FC 71), da segunda metade do século II (v. 1.2.1.).

4. Empréstimos

O latim recebeu a contribuição de várias línguas, através de empréstimos lexicais. Com estes novos vocábulos, pretendia-se designar, sobretudo, novas realidades: a designação de uma técnica dominada por outro povo ou a designação de algo desconhecido para os Romanos, por exemplo. As palavras importadas poderiam, também, designar realidades já conhecidas, mas adoptava-se a palavra estrangeira, por razões de prestígio.

O latim recebeu empréstimos do etrusco e, sobretudo, do grego, mas os povos celtas e os povos germânicos também foram responsáveis por alguns70. De origem etrusca são palavras com um certo valor depreciativo, como, por exemplo,

scurra e uerna (Ernout, 1954, p. 91).

O grego foi a língua que deu uma maior contribuição ao latim, através de diferentes tipos de empréstimos71. Sob a forma de empréstimo directo, temos palavras como camera, machina ou scaena. O vocabulário de algumas áreas, nomeadamente técnicas, é de origem grega. A influência grega fez-se sentir em duas fases: a primeira, numa época mais antiga, no designado período pré-literário (Ernout, 1954, p. 57-72); a segunda, numa fase posterior, a partir do século III a.C. (id., p. 72-84). Um dos elementos que distingue estas duas fases é o facto de as palavras pertencentes à primeira terem sofrido uma maior

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Além destes, Ernout demonstra que parte dos empréstimos relacionados com os nomes de vegetais, de legumes, de flores e de frutos, com o vocabulário marítimo e com a designação de elementos da fauna tem origem mediterrânica (1954, p. 17-57).

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Dentro do grupo dos empréstimos gregos, pode distinguir-se dois tipos: o empréstimo directo, que implica a adopção de uma nova palavra com o sentido que esta tem na língua estrangeira (Ernout, 1954, p. 57-86), e o empréstimo semântico, que consiste na atribuição de um novo sentido, estrangeiro, a uma palavra já existente no vocabulário (id., p. 86-91).

transformação fonética. A influência grega veio, de novo, a verificar-se, depois do período clássico, impulsionada, sobretudo, pelo cristianismo (id., p. 84-86).

As línguas célticas também emprestaram algumas palavras ao latim.

Carpentum e sagum são vocábulos importados na época de Lívio Andronico e de

Énio. Plínio, o Antigo, regista alauda e betulla e, numa fase mais tardia, camisia e

leuca são adoptadas (Väänänen, 1981, p. 83). Os povos germânicos contribuíram

para o latim com palavras como brutis, burgus ou ganta, surgindo esta última na obra de Plínio, o Antigo.

Na epigrafia da Gália, surgem documentados empréstimos gregos, empréstimos de origem celta e empréstimos de origem germânica (Pirson, 1901, p. 229-237). Para a Península Ibérica, Carnoy apresenta um reduzido número de empréstimos gregos e de empréstimos, como o próprio designa, de origem bárbara (1906, p. 255-257). Nas inscrições de Pompeios, na segunda metade do século I, devido à localização da cidade, estão, sobretudo, documentados empréstimos gregos, nomeadamente termos técnicos (Väänänen, 1966, p. 110-111).

Na evolução do latim muitos destes empréstimos passaram para as línguas românicas. Camisiam, empréstimo celta, em português, evoluiu para camisa.

Nas inscrições do território português, os empréstimos registados são de origem grega. No entanto, apesar de estar registado um número razoável de nomes próprios que segue a declinação original (v. Cap. III, 1.2.) e de outros que apresentam elementos gregos (v. 2.1.), o número de empréstimos registado não é muito elevado. Temos, por ordem alfabética: BASI (IRCP 121; EFRBI 116), do século II, possivelmente do ano 173, e de finais do século I ou inícios do século II, respectivamente; HYPOCAVSTIS (IRCP 142.3.), de finais do século I ou inícios

do século II; POETA (IRCP 482d-e), sem data; PROSCAENIVM e

ORCHESTRAM (EO 70), do ano 57; e SCAVRARIORVM, SCAVREIS e SCAVRIAE (IRCP 142.7.) (v. Cap. II, 2.2.), com a mesma data que HYPOCAVSTIS.

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