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5. Organização das epígrafes para análise

3.6. Os grupos consonânticos

3.6.1. O grupo cs

O grupo cs era grafado, normalmente, através de uma só consoante: x. No entanto, desde o Senatusconsulto das Bacanais que parece ser corrente na epigrafia latina grafar o som de maneira diferente, através das consoantes xs (Väänänen, 1966, p. 64). Desta forma, pretendia-se notar melhor a consoante dupla. Kent (1959, p. XXIII) refere que a grafia xs começa a ser cada vez mais comum a partir da época de Augusto. Na epigrafia de Pompeios, esta tendência gráfica inovadora está atestada num grande número de formas (Väänänen, 1966, p. 64).

Carnoy refere que o grupo cs evolui de maneira diferente na passagem do latim para as línguas românicas, apoiando-se em exemplos epigráficos (1906, p. 161). Na Itália, terá perdido o elemento palatal, visto que no século V abundam os exemplos em que o grupo era grafado com ss. Väänänen também documenta esta tendência para o italiano e para o francês (1981, p. 65). Na Península Ibérica, o grupo terá mantido o elemento palatal, que terá semivocalizado. Um exemplo desta evolução é a passagem de laxare a leixar, em português medieval. Esta forma terá evoluído depois para deixar.

Na epigrafia do território português, a manutenção da grafia x para o grupo

cs está atestada: ALEXANDER, IVXTA, MAXIMA, MAXIMVS, SEXTA, VXOR. No

entanto, diferentes exemplos documentam a grafia xs para registar o grupo: EXS,

MAXSIMIANVS, MAXSIMINVS, MAXSVMA, MAXSVMVS, VIXSIT, VXSOR. Os

exemplos estão registados de modo uniforme pelas regiões sul, centro e norte. A sul, os exemplos datados mais antigos são: MAXSVMA (IRCP 592, 594 e 597),

MAXSVMI (IRCP 594), VXSOR (IRCP 92 e 592), do século I. Na zona centro,

são: EXS (CV 12), MAXSVMA (IRTV 7), VXSORI (EFRBI 236), da primeira metade do século I, e VXSORI (EFRBI 61), do século I. A norte, o exemplo mais

antigo data do ano 3 ou 2 a.C.: MAXSIMI (RAP 477). Por vezes, surge mais do que um exemplo na mesma inscrição: IRCP 451, 592 e 594; RAP 338.

Paralelamente, surgem outras formas de grafar o grupo cs. Numa inscrição da zona sul, temos SESTIAE (IRCP 114). A inscrição data do século III. Ainda a sul, temos VISSIT (IRCP 346) e, também, VCXORIS (IRCP 569). A primeira forma data de finais do século III. Para a segunda, não existe indicação cronológica. Na região centro, temos, numa inscrição sem data, VCSORI (CIL 349).

3.6.2. O grupo ct

O grupo ct apresenta, em latim, tendência para se reduzir a t. Esta tendência está documentada pela epigrafia (Väänänen, 1966, p. 63-64), na segunda metade do século I, e pelo Appendix Probi: auctor non autor e auctoritas

non autoritas (Väänänen, 1981, p. 202). Carnoy refere que esta tendência é

bastante antiga (1906, p. 159). Na evolução do latim para as línguas românicas, o grupo tem, no entanto, um tratamento diferente: enquanto que no italiano evolui para tt, no português e nas outras línguas da Península Ibérica o c semivocaliza. A passagem de octo a oito e de noctem a noite, em português, ilustra a semivocalização.

Nas inscrições do território português, está documentada a manutenção do grupo ct: ACTOR, ACTVM, CONDVCTA, CONDVCTOR, INVICTO, NOCTIS,

OCTAVA, VICTOR.

A redução do grupo a t não está registada, mas existe uma forma que documenta a grafia ct em vez de t: VOCTO (CV 19). O exemplo encontra-se numa inscrição que data do século I ou do século II. Existe, ainda, outro exemplo que pode ser interpretado da mesma maneira: ACTRIVM (CIL 4824). No entanto, o contexto da inscrição, sem data, não é esclarecedor, para se perceber se se trata de uma forma inversa.

3.6.3. O grupo nct

O grupo nct, em latim, reduz-se a nt. Uma confirmação dessa tendência é a grafia nt comum na epigrafia de diversas regiões (Väänänen, 1981, p. 62). Exemplo concreto é a grafia santus em vez de sanctus. Väänänen aponta como tardios os dados epigráficos (1981, p. 62) e Carnoy, na Península Ibérica, regista apenas um exemplo anterior ao século IV (1906, p. 166). No entanto, este último autor nota que, numa inscrição do início do século I, surge uma grafia ao contrário, com nct em vez de nt. Na evolução para as línguas românicas este grupo teve tratamentos diferentes. O português, o castelhano e o italiano confirmam a redução do grupo a nt, não apresentando vestígios da consoante palatal. Exemplos, em português, são as palavras santo e defunto. Em francês, a consoante palatal terá deixado vestígios, levando à presença de um i antes do grupo: saint.

Nas inscrições do território português, a manutenção do grupo nct está documentada: CVNCTA, DEFVNCTO, SANCTAE, SANCTISSIMO, SANCTO. Quanto à redução do grupo em nt, não há formas a assinalar. Também, não há formas com a grafia nct por nt.

3.6.4. O grupo ns

O grupo ns apresenta tendência para se reduzir. Na época arcaica, já há notícias em relação a essa tendência. No século III a.C., num dos epitáfios dos Cipiões, as palavras em que devia estar ns aparecem grafadas apenas com s:

cosol, cesor (Väänänen, 1966, p. 68; Väänänen, 1981, p. 64).

Na época arcaica, o n já correspondia a um débil som nasal quando se pronunciava o grupo (Mariné, 1952, p. 44). Com o passar do tempo, a consoante nasal acaba por perder a força e deixa de se articular, fazendo-se o alongamento da vogal anterior. Esta tendência para a redução do grupo está atestada por vários gramáticos e autores latinos (Väänänen, 1981, p. 64).

Numa tentativa de correcção etimológica, ainda se fez um esforço para a reposição da consoante n, sobretudo na grafia. Tal tentativa relaciona-se, desde o seu início, com a influência de uma classe mais culta. A reposição de n, na grafia e na pronúncia, acaba por não se generalizar, correspondendo apenas a um estrato da população. Os outros continuam a articular o grupo já sem a presença do elemento nasal.

A tendência para a redução de ns está documentada na epigrafia do século I (Carnoy, 1906, p. 171; Väänänen, 1966, p. 68-69; Flobert, 1992, p. 107) e na evolução do latim para as línguas românicas. O Appendix Probi apresenta as formas ansa non asa e tensa non tesa (Väänänen, 1981, p. 201-202). Inversamente, apresenta, também, as formas Hercules non Herculens, formosus

non formunsus e occasio non accansio (Väänänen, 1981, 200-202). Na evolução

para o português, temos, por exemplo, a passagem de mensam a mesa, de

pensare a pesar e de sponsum a esposo.

Na epigrafia do território português, está registada a grafia ns:

AMMAIENSIS, AQVIFLAVIENSES, BALSENSIS, CENSORI, CONSVL, LIBENS, MENSIBVS, OLISIPONENSIS.

A par da manutenção do grupo, está igualmente registada a sua redução, sem o elemento nasal: CALANTICESI, COLLIPPONESIVM, COSTANTINO,

LAQVINIESI, LIBES, ROMVLESIS, SERMACELESIS. Apesar de a diferença não

ser muita, há mais exemplos nas regiões centro e norte do que a sul. Quanto a datas, o exemplo mais antigo, a sul, é do século I: IMPESAM (IRCP 187). Na zona centro, é do mesmo século: LANCIESI (EFRBI 37). A norte, o exemplo mais antigo data do período entre o ano 80 e o ano 150: PVDES (NBA 2.9.).

Inversamente, estão registadas duas formas que apresentam a grafia ns em vez de s: RENSPONSV (IRCP 484), INSIDI (AF 87). A primeira não está datada. A segunda está numa inscrição que é posterior ao ano 150. Podemos, ainda, destacar que a par da abreviatura CONS surge COS, para a palavra

consul. A segunda é aquela que surge mais vezes, mesmo na abreviatura da

3.6.5. Os grupos ps, pt e rs

Os grupos ps e pt apresentam uma tendência para a assimilação, o primeiro para ss e o segundo para tt. A epigrafia documenta a assimilação do primeiro, na segunda metade do século I (Väänänen, 1966, p. 65-66). A evolução do latim para as línguas românicas atesta a assimilação dos dois. Ipse evolui, em português, para esse e septem para sete, tendo, neste último caso, ocorrido uma simplificação do grupo tt.

O grupo rs também apresenta uma tendência para a assimilação. Numa fase primitiva, a assimilação terá transformado o grupo em rr. Esta ter-se-á dado num estádio muito antigo da língua, numa época que Väänänen designa de pré-histórica (1981, p. 62). Um exemplo deste tipo de assimilação é a formação do infinitivo do verbo fero. Ao radical fer ter-se-á juntado se e a forma evoluiu para

ferre. Numa época bem posterior, o grupo terá sofrido outra tendência de

assimilação, que Väänänen classifica de popular (ibid.). Esta segunda tendência de assimilação leva o grupo a grafar-se com ss. Carnoy refere que esta tendência se terá operado em latim vulgar antigo e apresenta exemplos do século II na epigrafia da Península Ibérica (1906, p. 160). Por vezes, o grupo é grafado apenas com s.

Na evolução do latim para as línguas românicas, confirma-se a evolução de

rs para ss. O Appendix Probi faz referência a persica non pessica50 (Väänänen, 1981, p. 202) e persicum evoluiu, no português, para pêssego.

Em relação ao grupo ps, na epigrafia do território português, está documentada a grafia do grupo: CONLAPSOS, IPSE, IPSO, SCRIPSI. Quanto à sua tendência para a assimilação não há registos a assinalar, exceptuando o caso de um exemplo fragmentado do ano 238, no qual se pode perceber a assimilação do grupo em s: ONL[A]SOS por CONLAPSOS (AF 414). Existe uma forma que documenta uma transformação do grupo, mas uma transformação de outro tipo:

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Väänänen refere a existência de formas, em diferentes línguas românicas, provenientes das duas variantes (1981, p. 62).

TERSPICORE (IRCP 263). A forma está por TERPSICHORE. O que ocorre no

exemplo é a deslocação da consoante s (metátese), formando esta um grupo com r. A inscrição em que se encontra data de finais do século II ou de inícios do século III.

Em relação ao grupo pt, na epigrafia do território português, está registada a manutenção da grafia pt: APTO, COEPTVM, EMPTOR, NEPTI, OPTIMAE,

OPTIMVS, SEPTIMI, SCRIPTVM. Quanto à sua tendência para a assimilação em tt, não há casos a assinalar. Temos, apenas, a registar uma forma com a

transformação de p na sua correspondente sonora b: SCRIBTVM (IRCP 143.3.). O exemplo data do período entre o ano 117 e o ano 138.

Em relação ao grupo rs, a sua grafia está igualmente atestada, nas inscrições do território português: ADVERSVS, PERSAE, VNIVERSVM, VRSA. Quanto à tendência do grupo para assimilar, não há formas registadas.

3.6.6. Os prefixos

Na língua latina, são numerosas as palavras derivadas através de prefixação. Devido a este processo de formação de palavras, muitas vezes o prefixo entra em contacto com uma consoante. Um exemplo disto é a junção do prefixo ad com o verbo fero. Quando o prefixo termina em consoante e a palavra a que se vai juntar inicia por consoante, como é o caso do exemplo, há a tendência para a assimilação, que consiste no nivelamento dos traços articulatórios das duas consoantes, caso estas sejam diferentes. Desta forma, torna-se mais fácil a articulação dos segmentos. A assimilação pode ser total ou parcial. No caso do exemplo apresentado, a assimilação que se dá é total: affero. A assimilação pode, ainda, ser progressiva, quando a primeira consoante modifica a segunda, ou regressiva, quando é a segunda a modificar a primeira. O processo de assimilação acontece, sobretudo, quando as consoantes se encontram entre vogais.

Quando se opera a formação de palavras com os prefixos ad e con e a palavra seguinte começa por consoante, a tendência preferencial do latim é a ocorrência da assimilação total (Väänänen, 1981, p. 61). No entanto, é comum a existência de formas não assimiladas: adficio. Estas seriam preconizadas e defendidas pelos gramáticos. Väänänen, analisando vários materiais, chega à conclusão de que as formas assimiladas seriam mais comuns nas inscrições e as formas não assimiladas nos manuscritos (1981, p. 61). A junção de ad com os verbos mitto e moueo, normalmente, não dava origem a assimilação, para não haver confusão, oralmente, com amitto a amoueo. Carnoy (1906, p. 165) documenta na epigrafia formas assimiladas e refere que estas eram preferenciais a formas não assimiladas (ex.: astans em vez de adstans).

Considerando os prefixos que terminam em consoante, nas inscrições do território português, há diferentes situações a assinalar. Em relação ao prefixo ab, não existem exemplos a documentar a assimilação. Os existentes não apresentam alterações fonéticas: ABNEPOTI.

Quanto ao prefixo ad, está registada, igualmente, a prefixação sem

alterações fonéticas: ADDICTA, ADDIXERIT, ADIVTOREM, ADIVTAM,

ADMINISTRATAM. Mesmo antes de n ou s, o prefixo mantém-se sem alterações: ADNEPOTI, ADSIGNATA, ADSIGNATOS. A assimilação está registada antes

de c, ACCEPERIT, ACCIPITO, e antes de t, ATTINGERE. Existem duas formas não assimiladas, num contexto em que se esperaria o fenómeno. Uma encontra-se na zona sul, a outra na zona centro: ADLECTO (IRCP 151),

ADLECTVS (Odr. 1 XIII). Só há indicação cronológica para a segunda: século II.

Existe, ainda, outra forma que documenta a assimilação incompleta do prefixo. Neste caso, trata-se de uma assimilação regressiva incompleta, já que o d passa a t, adquirindo a característica de consoante surda à semelhança de f: ATFINIS (EO 125). A inscrição em que se encontra o exemplo não tem indicação cronológica.

O prefixo con está documentado, por vezes com alterações. Está registada a forma com, antes de bilabial: COMMISSA, COMMODA, COMMVNES,

COMPETRI. A forma con, em outros contextos: CONCESSERVNT, CONCORDIAE, CONDICIONE, CONDVCTA, CONDVCTOR, CONFERAT, CONIVGI, CONSERVANDA, CONSERVVS, CONSOBRINI, CONTVBERNALES, CONVICTVS. A forma co antes de gn: COGNATO, COGNOVERO. As formas

assimiladas, antes de l: COLLEGIVM, COLLIGITO. Existem, no entanto, formas não assimiladas, em contexto de assimilação. De sul para norte, temos:

CONLATO (IRCP 187 e 241), CONLIBERTO (AF 245), CONLAPSOS (ERRB 131; CIL 4756). A primeira ocorrência do primeiro exemplo data do século I. O terceiro

exemplo, na primeira ocorrência, tem a data do período entre o ano 235 e o ano 238 e, na segunda ocorrência, tem a data de 238. Para as restantes, não existem indicações cronológicas. Há, ainda, três formas que, pelas particularidades apresentadas, são dignas de registo. A primeira é COIVGI (NBA 3.2.). Assinalamos, neste caso, a ausência de n. A forma data do século II. A segunda é

COMFISCATO (IRCP 143.10.). Destacamos a consoante m, num contexto em

que se esperaria n. O exemplo encontra-se numa inscrição que data do período entre o ano 117 e o ano 138. A terceira é CONIACTIA (IRCP 298). Neste caso, destacamos a vogal i, em vez da consoante l, e a não assimilação do n final do prefixo. A forma data do século II.

No que respeita ao prefixo in, temos a forma im antes de bilabial:

IMMORTALES, IMMVNES, IMPENSA, IMPERATO. A forma in surge em outros

contextos: INCOLA, INCOMPARABILIS, INDOMITAS, INDVLGENTISSIMO,

INFERET, INIMICVS, INSTAT, INSTRVENDVM, INTITVLO, INVENTAS, INVICTO, INVOLAVERIT. A forma i aparece antes de gn: IGNOTVS. Tal como

acontece com os prefixos ad e con, há registo de formas não assimiladas, em contexto de assimilação. Temos para este caso apenas um exemplo: INLATA (IRCP 239). A forma data da primeira metade do século I. Paralelamente, há formas que apresentam n, em contexto de m, ou seja, antes de bilabial:

INMOLANTVR, INPENSA, INPVBERES. Os exemplos ocorrem a norte e,

exemplos datados. A sul, os mais antigos encontram-se na inscrição IRCP 142 e datam de finais do século I ou inícios do século II: INPENSA, INPVBERES.

Em relação ao prefixo ob, temos exemplos da prefixação sem ocorrência de assimilação: OBIT, OBSEQVENTISSIMAE, OBSERVABVNTVR. Temos, igualmente, exemplos de assimilação: OCCASVM, OCCVPABIT, OCCVPANDI. Existe, ainda, uma forma que apresenta a assimilação incompleta regressiva da consoante do prefixo, já que b se transforma na correspondente surda, por influência de s: OPSEQVENTISSIMO (FC 71). A forma data da segunda metade do século II.

O prefixo per só está documentado em formas em que não ocorre

assimilação: PERACTA, PERCIPIENT, PERDVXERIT, PERMISERIT,

PERMITTITO, PERSOLVERIT, PERTINEBIT, PERTINETO. Mesmo antes de l,

prevalece a não assimilação: PERLEGISTI.

Quanto ao prefixo sub, está registado em formas não assimiladas, nos seguintes contextos: SVBDVCET, SVBICITO, SVBIECERIT. Em situação de assimilação, o prefixo está documentado antes de c: SVCCESSIS. Surge, ainda, na forma sus, antes de t: SVSTVLISSE. Em vez de sus, já que esta forma do prefixo também surge antes de c, temos documentadas as seguintes formas:

SVCCEPTO e SVCCEPTVM (IRCP 514). A inscrição em que se encontram não

Capítulo III

1. Nomes

1.1. A declinação

1.1.1. O género

O latim apresentava três géneros: masculino, feminino e neutro. Desde cedo, o neutro apresenta a tendência para desaparecer e para se confundir com o feminino e, sobretudo, com o masculino (Ernout, 1953, p. 2). Esta confusão está documentada com a existência de algumas formas duplas: forma feminina e forma neutra da mesma palavra ou forma masculina e forma neutra (id., p. 2-3). As formas duplas demonstram a hesitação do povo latino entre os géneros e comprovam a ideia de declínio do neutro. Em relação às formas duplas femininas e neutras, Väänänen (1981, p. 102) apresenta exemplos de Énio e de Plauto. Quanto às formas duplas masculinas e neutras, Ernout (1953, p. 2) apresenta como exemplos mais antigos os de Plauto e de Catão51.

A confusão do neutro com o masculino e com o feminino e o declínio deste género estão, também, documentados em epigrafia. Exemplos da época de Augusto e do século I estão patentes nas inscrições da Península Ibérica (Carnoy, 1906, p. 226) e da segunda metade do século I nas inscrições de Pompeios (Väänänen, 1966, p. 82).

Na evolução do latim para as línguas românicas, o género neutro desapareceu, tendo grande parte das palavras neutras sido absorvidas pelo género masculino. A evolução de algumas em diferentes línguas românicas comprova a existência de duplas formas já em latim52 (Väänänen, 1981, p. 102).

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Para este caso, são abundantes os exemplos em Petrónio (Väänänen, 1981, p. 102).

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Väänänen (1981, p. 102) apresenta o exemplo de persicum. Esta palavra tinha a variante persica, já registada no Appendix Probi. Numas línguas românicas, o fruto designa-se com um vocábulo que evoluiu a partir da forma correcta. Noutras, com um vocábulo que evoluiu a partir da variante.

Nas inscrições do território português, existem dois exemplos de palavras neutras que são tratadas como se fossem masculinas. Os dois encontram-se zona centro.

O primeiro exemplo é: MVNIMENTVS (CIL 266). O nome vem acompanhado de HIC, o que reforça a ideia de a palavra ser tratada como se fosse masculina. Um aspecto curioso é, na mesma inscrição, surgir a forma

MVNIMENTVM. Não há indicação cronológica para a inscrição. O segundo é

semelhante: HIC FATVS (CV 44b). Também, neste caso, uma palavra neutra é tratada como se fosse masculina e é precedida de HIC. A inscrição onde se encontra o exemplo data do século III.

Na zona sul, está registada uma forma que pode documentar a confusão entre o neutro e feminino: FATE (IRCP 430). Pelo contexto da inscrição, percebe-se nitidamente que a palavra desempenha a função de sujeito: QVAI

FATE CONCESSERVNT VIVERE. A desinência -e pode ser explicada pelo

tratamento da palavra neutra como feminina pertencente à primeira declinação. A vogal -e resultaria da monotongação da desinência -ae. A inscrição data do século III.

1.1.2. Os temas

Os nomes latinos dividiam-se em cinco declinações diferentes, consoante os seus temas. As diferentes desinências são o resultado de uma evolução, que está documentada, ainda, nas inscrições arcaicas. Kent (1959, p. XXIV-XXV) apresenta exemplos de formas que reflectem a evolução.

Na época clássica, é vulgar surgirem, por vezes, estas desinências arcaicas: na obra de alguns escritores, na declinação de certos vocábulos ou em inscrições. Para o primeiro caso, temos o exemplo de Vergílio que usa a forma -ai como desinência de nominativo plural da primeira declinação. Para o segundo caso, temos a palavra paterfamilias que apresenta um antigo genitivo singular (Kent, 1959, p. XXIV) . Para o terceiro caso, temos algumas formas nas inscrições

da Península Ibérica. Recorrendo a inscrições da época da República, do século I e do século II, Carnoy apresenta uma série de arcaísmos (1906, p. 215-222).

Nas inscrições, para além dos arcaísmos, surgem, por vezes, formas anómalas, isto é, vocábulos que apresentam desinências fora do comum, apresentando, por vezes, desinências de outros temas53. Algumas destas anomalias foram registadas por Carnoy (1906, p. 228-233) para a Península Ibérica, com exemplos do século I e do século II, e por Väänänen (1966, p. 83-85) para Pompeios, com exemplos do século I a.C. e do século I.

Na evolução do latim para as línguas românicas, há a tendência para aumentar a confusão entre vocábulos e temas: as palavras de tema em -e- da quinta declinação passam a temas em -a- da primeira; as de tema em -u- da quarta passam a temas em -o- da segunda e algumas de tema em consoante passam a seguir a primeira ou a segunda declinação (Väänänen, 1981, p. 106-108). Gaeng (1977), recorrendo a inscrições, sobretudo, dos séculos IV a VII, comprova esta tendência e apresenta uma sistematização das desinências em três declinações. Carnoy documenta esta situação na epigrafia, mostrando confusão na declinação de alguns vocábulos (1906, p. 222-226).

A par da redução do sistema de declinações, dá-se também a tendência para o desuso de certos casos (Väänänen, 1981, p. 110-117). O acusativo acaba por ser aquele que se conservou melhor, deixando vestígios em diferentes línguas românicas. Dos outros casos, apenas subsistem alguns resquícios (id., p. 110). Em português, o acusativo é o caso etimológico, a partir do qual se formou o singular e o plural dos nomes comuns.

Nas inscrições do território português, existem formas que apresentam arcaísmos. Um dos exemplos é: SCAVREIS (IRCP 142.7.). A forma esperada seria SCAVRIIS e parece haver, apenas, uma troca de i por e. No entanto, podemos considerar -eis como a grafia arcaica da desinência -is e o i que integra

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Esta situação pode ter como origem a influência da flexão de outros temas ou de outros vocábulos (Väänänen, 1981, p. 107).

o radical estar suprimido54. O exemplo data de finais do século I ou de inícios do século II. Outra forma que apresenta a mesma grafia é: QVIETEI (EFRBI 93). Apesar de se tratar de um particípio com valor de adjectivo, seria de esperar uma desinência semelhante à do nominativo plural dos nomes da segunda declinação:

QVIETI55. A forma concorda com o nome CINERES, na mencionada inscrição. O exemplo data do século II56.

Ao nível dos arcaísmos, temos ainda documentada a desinência -ai para o dativo singular dos nomes da primeira declinação: IVLIAI MARCELLAI (CIL 5251). A inscrição onde se encontram os exemplos não está datada.

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