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4. A CRISE AMBIENTAL, O DIREITO E O PRINCÍPIO DO

4.5 As críticas ao princípio do poluidor-pagador

Inúmeros foram os debates fundamentados na alegação de que o princípio do poluidor-pagador oferecia uma carta em branco ao direito de poluir. De fato, muito se sustentou que o princípio do poluidor-pagador iria permitir a poluição mediante um ‘preço’, baseando-se na máxima segundo a qual ‘se pagar, pode poluir’. A esse respeito, Édis Milaré esclarece:

O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao ambiente. Nesta linha, o pagamento pelo lançamento de efluentes, por exemplo, não alforria condutas inconsequentes, de modo a ensejar o descarte de resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A cobrança só pode ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, pena de se admitir o direito de poluir. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagador-poluidor (pagou, então pode poluir). Esta colocação

263

Recomendação OCDE C(72)128, de 26 de Maio de 1972, “Guiding Princíples Concerning International

gramatical não deixa margem a equívocos ou ambiguidades na interpretação do princípio.264

Em breve síntese, em que pese à discussão, tem-se hoje o entendimento preponderante de que o pagamento efetuado pelo poluidor ou predador não lhes confere qualquer direito a poluir.265

Critica-se, ainda, o principio do poluidor-pagador, partindo-se da premissa de que a inclusão dos custos da utilização dos recursos naturais na cadeia produtiva acabam, em última instância, sendo assumidos pelos consumidores dos bens dali derivados. Sobre o assunto, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE tem uma posição de neutralidade face à transferência dos custos dos poluidores para terceiros, considerando que, do “ponto de vista da conformidade com o princípio do poluidor-pagador, não interessa se o poluidor transfere para os seus preços parte ou todos os custos ambientais ou se os absorve.”266

Ademais, é certo sustentar o fato de o mercado, mediante a lógica da competitividade, encarregar-se de fazer com que os custos com a utilização dos recursos naturais não sejam transferidos para terceiros. Segundo essa lógica, caso haja um aumento significativo do preço final do produto, o seu consumo deixará de ser incentivado, podendo, inclusive, ser inviabilizado comercialmente, forçando o consumidor a procurar outro com preço mais acessível. Significa dizer que a lógica do mercado impõe ao empreendedor/poluidor arcar – ainda que em parte – com os custos da utilização dos recursos naturais; isso não significa, logicamente, que não vá repassar esses custos para o produto final, como faz com todos os seus outros custos.

Ademais, conforme Fábio Nusdeo, o fato de a inclusão dos custos pela utilização dos recursos naturais encarecer os produtos finais redunda em grande vantagem. Afinal, a ideia é exatamente essa, pois os maiores preços levarão a uma diminuição do seu consumo, reduzindo, assim, a utilização do meio

264

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 7ª ed. São Paulo: RT, 1075.

265

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 72.

266

Note on the implementation of the polluter pays principle. OCDE, 1975. In: The polluter pays principle:

ambiente. Por outro lado, estimulará a conversão da tecnologia para fins de controle de tais externalidades pela introdução de produtos e meios de produção de menor agressividade ambiental.267

O que importa, segundo a OCDE, é a utilização dos recursos naturais ser computada na cadeia de produção e de consumo, de modo a internalizar as externalidades negativas decorrentes, que envolvem o consumo do que foi produzido e o descarte dos seus resíduos.

Aliás, existem avançados estudos indicando que a restrição ao uso dos recursos naturais por medidas de comando e controle preventivas e mitigatórias – as quais também representam a inclusão de custos na cadeia produtiva – não implicam efeitos adversos no crescimento da economia ou na competitividade do mercado. Conforme Richard Revesz e Robert Stavins, “recent studies have

reinforced this conclusion, finding that environmental regulation does not reduce labor demand, and dos not impair productivity. Such findings are not surprising, given that for all but the most heavily pollution industries, the costs of complying with environmental regulation area a small share of the total costs

of production – an average of about 2 percent”.268

Outra crítica dirigida ao princípio do poluidor-pagador consiste em não permitir equacionar ou atenuar a injustiça ambiental; ao contrário, pode de fato piorá-la, porque, ao impor ao poluidor um preço pela degradação ambiental, ele pode procurar implementar sua atividade em locais onde esse custo não é tão alto, indo, por consequência, instalar-se em países pobres ou subdesenvolvidos. Nesse sentido, não restam dúvidas de que os maiores sofredores com as mazelas ambientais são os pobres, desassistidos ou excluídos da sociedade em que vivem nesses países.

Em suma, as mazelas criadas pelo aproveitamento irracional dos recursos naturais transcendem a perda de rentabilidade do processo de acumulação capitalista e atingem classes menos privilegiadas. Fácil, assim, verificar que a

267

NUSDEO, Fábio. Curso de economia – Introdução ao Direito Econômico. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2010, p. 380.

268

REVESZ, Richard L. STAVINS, Robert N. Environmental Law and Policy. NYU Public Law Research

Paper 82; NYU Law & Econ Research Paper 04-015; Harvard Public Law Working Paper No. 102; KSG Working Paper No. RWP04-023. Setembro/2004. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=552043>. Acesso

exploração dos recursos do meio ambiente se dá por poucos, enquanto que as externalidades negativas269 dessa exploração são, em geral, sentidas por uma maioria desprotegida.

Ulrich Beck frisa: “a história da distribuição de riscos mostra que estes se atêm, assim como as riquezas, ao esquema de classe – mas de modo inverso: as riquezas acumulam-se em cima, os riscos em baixo. Assim, os riscos parecem

reforçar, e não revogar, a sociedade de classes”. E pontua: “são principalmente

as vizinhanças mais acessíveis aos grupos de menor renda da população, nas redondezas de centros de produção industrial, que são oneradas no longo prazo por conta de diversos poluentes no ar, na água e no solo.”270

Não obstante as críticas, não há como duvidar da suma importância do princípio do poluidor-pagador, mormente por ser o fundamento de criação de inúmeros mecanismos e instrumentos capazes de internalizar os custos da utilização dos recursos naturais, equacionando – ainda que apenas em parte – a sua escassez e, também, evitando a assunção das externalidades negativas pela sociedade em geral. O princípio do poluidor-pagador permite racionalizar o processo, fazendo os exploradores – os que auferem lucros – dos recursos naturais, assumirem os custos daí decorrentes. Esses mecanismos e instrumentos, por sua vez, podem ter cunho reparatório, preventivo e, ainda, compensatório.