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Críticas à corrente que defende a compensação ambiental como

2. O CASO DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL DA LEI DO

2.4 As controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a natureza jurídica da

2.4.4 Críticas à corrente que defende a compensação ambiental como

Como se viu, a linha de pensamento que defende ser tributária a natureza jurídica da compensação ambiental é bastante lógica e coerente; porém, as dificuldades encontradas não têm calão menor do que as avaliadas em relação à natureza jurídica reparatória da exação.

A bem ver, semelhante ao que ocorre com a defesa da natureza jurídica reparatória, as dificuldades verificadas para subsumir a compensação ambiental a uma espécie tributária parecem decorrer ora de uma falha da lei que a instituiu ou um déficit de qualidade legislativa, ora da transgressão de diversos princípios e normas que regem a ordem normativa. Senão, vejamos.

Argumenta-se, por exemplo, a compensação ambiental como um preço

público80 ou como uma taxa. No entanto, a nenhuma dessas espécies poderia

subsumir-se a referida exação. Basta ver, em suma, que o preço público pressupõe a cobrança pelo uso de um bem público, e não a tentativa de compensar um impacto ambiental não mitigável. Por outro lado, a taxa, nos termos do disposto no art. 145, inciso II, da Constituição Federal, e do art. 77 do Código Tributário Nacional, é espécie de tributo cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos ou divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos sob a sua disposição; essa situação não se apresenta quando da concreção de significativos impactos no meio ambiente avaliados no processo de licenciamento ambiental.81

Sobre o assunto, Erika Bechara assim discorre: “a compensação ambiental não é taxa de serviço, afinal, não se vislumbra, nem no licenciamento ambiental (em que é exigida a compensação ambiental) tampouco no ato da exigência da

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Para Sérgio Guerra, a compensação ambiental poderia ser considerada um preço público, “na medida em que o empreendedor estaria remunerando a União Federal pela exploração ou pelo uso de um bem a ela pertencente.” GUERRA, Sérgio. Compensação ambiental nos empreendimentos de significativo impacto. In: WERNECK, Mário et al. (coord.). Direito ambiental: visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 137.

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GUERRA, Sérgio. Compensação ambiental nos empreendimentos de significativo impacto. In: WERNECK, Mário et al. (coord.). Direito ambiental: visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 138.

compensação ambiental e muito menos ainda na implantação de unidades de conservação, um serviço público (geral ou singular, divisível ou indivisível) prestado pelo Estado.” Em relação ao preço público, afirma a autora: “a compensação ambiental não se reveste da natureza jurídica de preço público, tampouco encontra abrigo no princípio do usuário-pagador, porque sua finalidade não é pagar ao Estado uma contraprestação pelo uso ou exploração de um bem público ou difuso; é compensar os prejuízos a serem causados ao meio ambiente, por determinados empreendimentos, que o estado-da-arte não consegue afastar.”82

Ainda, sustenta-se ser a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE a melhor forma tributária a se subsumir a compensação ambiental. Afinal, o art. 149 da Constituição autoriza a União Federal a editar leis criando programas de estímulo ao desenvolvimento de setores da economia nos quais a intervenção estatal seja necessária; e nesses programas se enquadra a defesa ao meio ambiente, vislumbrada como princípio da ordem econômica constitucional (art. 170, inciso VI). A esse respeito, Sérgio Guerra expõe:

a União Federal está autorizada a editar leis que criem programas de estímulo ao desenvolvimento de setores da economia nos quais a intervenção estatal seja necessária, como poderia ser o caso da preservação ambiental, instituída como sub-princípio de temperamento da ordem econômica constitucional (art. 170, VI), nos casos de licenciamentos de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Cumpre asseverar que o antes mencionado art. 149 da Constituição Federal revela os três elementos básicos necessários à instituição da CIDE, quais sejam: (a) a utilização desse instrumento como meio de intervenção e regulação da livre iniciativa; (b) a limitação do grupo atingido pela exação; e (c) os princípios constitucionais a que está submetida. Como visto anteriormente, o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 institui uma compensação ambiental a ser realizada nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, em montante não inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento a depender do grau de impacto ambiental por este causado. Como se vê, a denominada compensação ambiental não está vinculada ao suposto dano ambiental a ser reparado, e, sim, ao montante despendido pelo empreendedor na

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BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental – na lei do Sistema Nacional das Unidades

instalação do negócio. Nessa ordem de considerações, é justo destacar que no plano constitucional, a instituição de uma contribuição de intervenção no domínio econômico propriamente dita deve ter como base um setor econômico que esteja, de algum modo, em desconformidade com os princípios da ordem econômica prevista no art. 170 da Constituição Federal. (...) A bem da verdade, a denominada compensação ambiental instituída pelo art. 36 da Lei nº 9.985/2000, tem por objetivo principal estimular comportamentos compatíveis com a preservação do meio ambiente, o que deveria ser efetivado através da cobrança de espécie de tributo que se ajuste à atividade econômica em questão. 83

De fato, se uma categoria de empreendimentos, cujo conjunto se integra por causarem significativos impactos no meio ambiente, formando por isso um setor econômico específico capaz de afrontar o princípio da ordem econômica acima apontado, legitima-se a intervenção do Estado a exigir a contribuição estampada no referido dispositivo constitucional.

Essa situação, aliás, enquadrar-se-ia perfeitamente no princípio do

poluidor-pagador (que será mais bem analisado no item 5.6.1.4 do Capítulo 5

deste estudo), ao definir determinado setor econômico arcando com a CIDE e, assim, internalizando em sua cadeia produtiva os custos dos impactos causados ao meio ambiente.

No entanto, mesmo considerando a compensação ambiental em análise como uma espécie da CIDE, a sua instituição, pela Lei nº 9.985/2000, certamente prescindiu de pressupostos constitucionais, como, por exemplo, a reserva a lei complementar84, conforme prescreve o art. 146, III, ‘a’, da Constituição Federal85.

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GUERRA, Sérgio. Compensação ambiental nos empreendimentos de significativo impacto.In: WERNECK, Mário et al. (coord.). Direito ambiental: visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 137. Também nessa linha, ver ARTIGAS, Priscila Santos; MILARÉ, Édis. Compensação Ambiental: questões controvertidas. Revista de Direito Ambiental. nº 43. Ano 11. jul-set. São Paulo: RT, 2006.

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É oportuno destacar que há os que defendem ser prescindível a ‘lei complementar’ para a instituição de CIDEs. A esse respeito, vide TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributária e ambiental – os limites dos chamados ‘tributos ambientais’. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.).

Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 139.

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A bem ver, quer como imposto residual, quer como contribuição econômica interventiva, a compensação ambiental deveria ter sido prescrita por meio de uma “lei complementar”, como determinado no art. 154, I, da Lei Maior, ou precedida, como dito acima, de lei complementar de normas gerais específicas (art. 146, III). OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. A chamada ‘compensação financeira SNUC’. Revista

Com efeito, ao ser considerada uma tentativa oblíqua para a instituição de uma CIDE (ou contribuição de intervenção ambiental), sua criação deveria estar prevista na Carta da República e, ainda, respeitar a todos os princípios constitucionais tributários, o que não ocorre na hipótese.86

Acerca do tema do enquadramento da compensação ambiental em uma espécie de impostos afetados com uma finalidade (como a CIDE), Erika Bechara assevera que, além de não visar a um incentivo à ordem econômica, “somos obrigados a concluir que a compensação ambiental, embora afetada a uma finalidade específica – a receita derivada da compensação será inteiramente aplicada nas unidades de conservação –, não deve ser considerada um imposto especial ou finalístico porque não foi instituída com vistas ao financiamento da saúde, educação e seguridade social ou à intervenção no domínio econômico, muito menos ao atendimento de categoria profissional ou econômica”.87

Em relação a outras espécies tributárias, novamente lançamos mão dos ensinamentos de Erika Bechara, ao chamar a atenção para o fato de a compensação não se enquadrar nas figuras de imposto, empréstimo compulsório, e de contribuições sociais. Em síntese, sobre o imposto (em geral), a autora menciona: “diferentemente dos impostos gerais, a receita da compensação ambiental tem aplicação vinculada e, além disso, não é arrecadada pelo Poder Público – este apenas determina e conduz sua aplicação – e nem sempre consiste em pagamento em dinheiro.” Em relação ao empréstimo compulsório, ela expõe: “a diferenciar os empréstimos compulsórios da compensação ambiental, temos que os recursos destinados pelo empreendedor às unidades de conservação, a título de compensação ambiental, não lhe são restituídos; além disso, a compensação ambiental não foi criada para auxiliar a União a lidar com situação de calamidade pública ou guerra, tampouco por motivo de urgência e de relevante interesse nacional ambiental.” Quanto às contribuições sociais, Bechara afirma: “a compensação ambiental não tem natureza jurídica de contribuição social geral, haja vista que, de acordo com a melhor doutrina, não

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GUERRA, Sérgio. Compensação ambiental nos empreendimentos de significativo impacto. In: WERNECK, Mário et al. (coord.). Direito ambiental: visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 142.

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BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental – na lei do Sistema Nacional das Unidades

se podem criar outras contribuições gerais que não as previstas na própria Constituição Federal.”88

Poder-se-ia considerar a compensação ambiental como uma espécie de

Contribuição Negativa89 (reverso da Contribuição de Melhoria), na medida em que a Constituição Federal de 1988 abriu a possibilidade, vinculada a obras públicas, de, por lei complementar ou por lei ordinária, estabelecer-se critérios desvinculados da clássica dicotomia: custo da obra e valorização do imóvel.90 No entanto, isso exigiria uma emenda constitucional, permitindo a exação não apenas em obras públicas, mas em todos os empreendimentos capazes de causar externalidades negativas.91

Não há dúvidas de que, na forma como foi instituída a compensação ambiental pela Lei do SNUC, a obrigação não consegue encaixar-se em qualquer espécie tributária e tampouco respeitar o rigor das regras de instituição de tributos.

Ademais, sob os aspectos materiais, o viés da natureza jurídica tributária da compensação ambiental exigiria ter a norma fixado critérios objetivos para a sua incidência; o que, como já visto tantas vezes, deixou de fazer. De efeito, embora nada impeça a criação de impostos progressivos, as faixas de incidência devem vir discriminadas na lei, sendo inconcebível deixar umas e outras ao talante do agente lançador, tendo, para o caso da compensação ambiental, como único parâmetro a apreciação subjetiva da importância do impacto ambiental causado pelo empreendimento. Ora, a falta de fixação, na lei, de critérios e parâmetros objetivos para a gradação de tributos infringe o art. 150, I, da Constituição Federal e o art. 97 do Código Tributário Nacional92.

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BECHARA, Erika. Ob. cit., p. 174, 175, 185, 188.

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OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito tributário e meio ambiente. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 96.

90

NUSDEO, Fábio. A contribuição de melhoria revisitada: uma revisão e uma proposta. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (org.). Direito tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

91

NUSDEO, Fábio. Curso de economia – Introdução ao Direito Econômico. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2010, p. 379-380.

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Sob um viés tributário, defendendo a compensação ambiental como uma espécie de tributo, José Marcos Domingues salienta que o conceito de significativo impacto ambiental não seria uma tipicidade aberta, mas uma verdadeira tipicidade escancarada, ou uma atipicidade, arbitrária, aleatória, sem limites nem critérios que permitam a sua compreensão.” OLIVEIRA, José Marcos Domingues. A chamada ‘compensação financeira SNUC’. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 133, out. 2006, p. 52.

Deveras, a Lei nº 9.985/2000 sequer listou os graus de impactos possíveis de ocorrer e tampouco correlacionou a eles diferentes alíquotas ou prestações relativas às diversas intensidades de comprometimento do meio ambiente em razão daqueles impactos variados.93

Observe-se, ainda, o princípio da segurança jurídica da tributação, objetivando impedir o confisco da propriedade produtiva, o que certamente ocorre quando se deixa ao livre arbítrio do Administrador Público a fixação das alíquotas que, aliás, não têm sequer um limite máximo.

Ao se defender a natureza jurídica tributária da compensação ambiental, pretende-se, em verdade, adequar a norma para que a obrigação seja considerada um tributo ambiental. No entanto, esse tributo ambiental acabaria por desvirtuar a intenção primeira da concepção da compensação ambiental, qual seja, propiciar efetividade ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, ao permitir a arrecadação de verbas pecuniárias aportadas por empreendimentos capazes de causar significativos impactos ambientais. Assim, além de sua norma instituidora não ter respeitado o rígido sistema tributário, salvo na espécie de CIDE (que, no caso, não poderia ser temporária) ou como uma Contribuição Negativa (que exigiria uma emenda constitucional), a compensação ambiental, de fato, não se enquadra em uma espécie tributária.