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FATORES ASSOCIADOS À EVOLUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

3.2 Demografia, urbanização e participação das crianças no mundo do trabalho

3.2.1 As crianças no trabalho segundo os censos demográficos

O gráfico 15 mostra a evolução da PEA, das taxas de atividade e da proporção de ocupados de 10 a 14 anos de idade, segundo a situação urbana ou rural dos domicílios, conforme os dados apurados pelos censos demográficos realizados entre 1950 e 2010. Para o grupo de idade em questão estes são os únicos levantamentos que nos permitem recuarmos até a metade do século passado para a análise a respeito.

De meados dos anos 70 em diante os dados desta fonte podem ser confrontados com os da PNAD que, conforme já mencionado, são muito diferentes. Mas vejamos primeiramente o que nos indicam os censos, para depois confrontarmos as duas fontes.

Entre os vários recenseamentos realizados desde 1950 ocorreram mudanças para a classificação das pessoas por condição de atividade entre os economicamente ativos e os não economicamente ativos tanto no que diz respeito à definição da PEA quanto aos períodos de referência considerados. Por essa razão, na medida em que analisarmos a evolução das variáveis (apresentadas no gráfico 15) para cada período, tais mudanças serão consideradas. Comecemos pelo período decorrido entre 1950 e 1970.

Gráfico 15

Evolução da população economicamente ativa e não economicamente ativa, das taxas de atividade e da proporção de ocupados no grupo

de 10 a 14 anos de idade, segundo a situação do domicílio, conforme os dados dos censos demográficos – Brasil (1950-2010)

Fontes: CONSELHO … – IBGE (1956b, tabelas 4, 22 e 28); FUNDAÇÃO … – IBGE ([196-]b, tabela 1; 1973a, tabelas 10, 20 e 21; 1983a, tabelas 1.1 e 1.8; 1991a, tabelas 5.4 e 5.9); INSTITUTO … – IBGE (2003a, tabela 1.1.1; 2012c, tabelas 1.1.1 e 1.1.6).

Notas: Dados trabalhados pelo autor.

No período analisado ocorreram alterações nos censos quanto à definição de população economicamente ativa e aos períodos de referência. Em 1950, dados relativos à data de referência, de 1970 a 1991, ao ano de referência, e em 2000 e 2010, à semana de referência do levantamento. Os números (em milhares) apresentados nas bases das barras são referentes à PEA.

(1) Para 1960, os dados relativos ao trabalho aparecem agregados para o grupo de idade de 10 a 19 anos. (2) Para 1970, não se publicou a população ocupada por grupos de idade.

(3) Para 1950 e 1970, não foi publicada a PEA por situação de domicílio. Os dados relativos à PEA urbana e rural e à proporção de ocupados foram estimados com base na distribuição do trabalho por setores de atividade econômica. (4) Para 1980, não foi publicada a população ocupada por grupos de idade segundo a situação de domicílio.

O censo de 1950 foi o primeiro que adotou o conceito de população economicamente ativa (PEA) para apresentar dados sobre o mercado de trabalho. Mas a conceituação então adotada ainda não incluía na PEA os “desempregados”. O texto explicativo a respeito não é claro sobre a diferença entre a PEA e a população ocupada, mas a comparação entre os números apresentados nas tabelas 22 (população presente ocupada) e 28 (PEA presente) evidencia a existência de ligeiras diferenças nos totais de cada um dos setores de atividade (CONSELHO … –

1.266 1.513 2.060 1.785 1.625 1.265 232 387 882 1.012 985 755 1.033 1.125 1.178 773 639 510 20,1 12,8 14,5 10,5 9,4 7,4 6,1 9,7 8,2 7,3 5,4 20,6 22,7 16 ,6 16,6 15,9 19,8 12,9 8,6 6,6 6,2 11,3 6,3 4,2 4,2 23,9 14,6 15,1 15,1 0,0 5,0 10 ,0 15 ,0 20 ,0 25 ,0 0 4.000 8.000 12.000 16.000 20.000 19 50 19 60 ( 1) 19 70 ( 2) 19 80 19 91 20 00 20 10 19 50 ( 3) 1960 (1 ) 19 70 ( 3) 19 80 ( 4) 19 91 20 00 20 10 19 50 ( 3) 19 60 ( 1) 19 70 ( 3) 19 80 ( 4) 19 91 20 00 20 10

total urbana rural

população não economi- camente ativa população economi- camente ativa população residente taxa de atividade (%) população ocupada (%) (% )

IBGE, 1956b, p. xxiii). No levantamento daquele ano os dados sobre trabalho são relativos à situação das pessoas na data de referência do censo.

Como já mencionado, o censo demográfico de 1960 não publicou dados a respeito do trabalho desagregados para o grupo de 10 a 14 anos, sendo adotada a faixa de 10 a 19 anos.

No censo de 1970 o conceito adotado para a PEA já era mais abrangente, tanto pelo período de referência que passou a ser considerado (“pessoas que trabalharam nos doze meses anteriores à data do Censo”), quanto pela inclusão das pessoas “desempregadas” na data de referência, aí incluídas as que procuravam trabalho pela primeira vez (FUNDAÇÃO … – IBGE 1973a, p. xxxi). Mas os dados publicados não permitem diferenciar, por grupos de idade, a PEA e a população ocupada. Neste período de duas décadas entre 1950 e 1970 a população de 10 a 14 anos cresceu quase 88%, passando de aproximadamente 6,3 para 11,8 milhões. A forte migração rural-urbano ocorrida no período resultou que, neste grupo de idade, a população passasse de majoritariamente rural (67,9%) em 1950 para predominantemente urbana (53,9%) em 1970.

Sempre de acordo com os dados dos censos demográficos, no mesmo período, a PEA de 10 a 14 anos cresceu 19,5%, ocorrendo incremento tanto na zona urbana quanto na rural. Mas o crescimento do número de economicamente ativos ocorreu em ritmo muito inferior ao crescimento populacional neste grupo de idade, de forma que a taxa de atividade em verdade declinou consideravelmente, passando de 20,1% em 1950 para 12,8% em 1970.

Esse forte declínio não pode ser atribuído a qualquer efeito relacionado às mudanças adotadas em 1970 quanto ao conceito adotado para a PEA (mais abrangente, incorporando os desempregados) ou ao período de referência para os dados relativos ao mercado de trabalho (que passou a ser de um ano). Pelo contrário, pois se os critérios adotados em 1970 já vigorassem em 1950, evidentemente o levantamento realizado neste ano teria resultado em uma taxa de atividade mais elevada, evidenciando um ritmo ainda mais acentuado de queda do indicador.

Embora o plano tabular do censo demográfico de 1970 (FUNDAÇÃO … – IBGE, 1973a) não tenha incluído tabelas com dados relativos aos ocupados por grupos de

idade, e também à PEA por situação de domicílio, é possível estimar, com base na distribuição por setores de atividade, que a proporção dos economicamente ativos na zona rural (20,6%) era um pouco maior que o dobro da existente na zona urbana (9,7%).

Para as duas décadas seguintes (anos 70 e 80) os dados dos censos demográficos apresentados no gráfico 15 mostram que taxa de atividade do grupo de 10 a 14 anos seguiu trajetória distinta da queda observada no período anterior. De acordo com esta fonte, nos anos 70 a taxa de atividade cresceu entre os residentes em domicílios urbanos e rurais, e voltou a declinar nos anos 80.

Comparativamente ao recenseamento anterior, no de 1980 a definição da PEA sofreu aperfeiçoamento. O texto explicativo sobre os conceitos adotados esclarece que o período de referência de um ano era válido mesmo para quem tivesse trabalhado apenas durante parte dele. Quanto à sua abrangência, a PEA de 1980 considerou entre as pessoas “sem remuneração”, somente as “que trabalharam habitualmente 15 horas ou mais por semana em uma atividade econômica”, e entre as que não estavam trabalhando na semana de referência, as que “nos últimos dois meses anteriores à data do Censo houvessem tomado alguma providência para encontrar trabalho” (FUNDAÇÃO … – IBGE 1983a, p. xxiii).

Em 1991, a definição e períodos de referência adotados em 1980 foram mantidos (FUNDAÇÃO … – IBGE 1991a, p. 33).

Embora a maior precisão conferida à definição da PEA em 1980 possa dificultar um pouco a comparação entre os dados deste ano com o de 1970, é seguro que, apesar de relevantes, as mencionadas mudanças de definição não tenham provocado substantivo impacto contábil que explique a variação positiva das taxas de atividade. As pessoas que trabalhavam “sem remuneração” em ajuda a membros da família já haviam sido consideradas na PEA em 1950 e 1970, de forma que a não inclusão em 1980 das pessoas que habitualmente o faziam por menos de 15 horas semanais podem ter ocasionado efeito contábil de redução da PEA, e não de sua ampliação.

Mas, para o grupo de 10 a 14 anos de idade, o censo de 1980 detectou, comparativamente a 1970, crescimento absoluto e relativo da PEA que impressionam pela sua magnitude. Como mostra o gráfico 15, esse crescimento foi

muito mais acentuado entre moradores da zona urbana, com um saldo líquido de quase mais 500 mil crianças inseridas em atividades laborais, representando uma expansão de aproximadamente 127% no número dos economicamente ativos nas cidades brasileiras no grupo de idade em questão.

Numa década na qual o crescimento da população urbana ainda foi bastante elevado, entre as pessoas de 10 a 14 anos moradoras em domicílios urbanos a taxa de atividade cresceu de 6,1% em 1970 para 9,7% em 1980. Na zona rural, que já vivia o contexto de redução populacional, também se verificou crescimento absoluto e relativo da PEA de 10 a 14 anos, mas a expansão foi muito menor comparativamente à zona urbana.

Tanto na cidade quanto no campo a inversão, nos anos 70, da trajetória de queda da taxa de atividade de crianças ocorrida entre 1950 e 1970 evidencia que ritmo de elevado crescimento da economia, como o ocorrido nos anos 70, não necessariamente resulta em redução do trabalho infantil.

Por sua vez, pelo que mostram os dados apurados pelos censos demográficos, a década de 80, conhecida na literatura brasileira como a “década perdida”, é justamente a que marca o início de um período, que não mais se interrompeu, de efetiva queda da PEA de 10 a 14 anos, tanto em termos absolutos quanto relativos. Muito embora, entre a população urbana neste grupo de idade a PEA tenha crescido mais uma vez em ternos absolutos, com aumento de 120 mil pessoas entre 1980 e 1991, essa expansão se deu em ritmo menor que o próprio crescimento da população urbana na mesma faixa etária. Isso resultou em queda da taxa de atividade de 9,7% para 8,2% entre os anos mencionados.

Na zona rural, os anos 80 marcam o primeiro período de efetivo declínio absoluto da PEA de 10 a 14 anos, com um saldo líquido de aproximadamente 400 mil pessoas a menos na comparação entre 1980 e 1991, representando um decréscimo de 34,4%. Esta redução foi significativa, em primeiro lugar, porque naquela década a PEA rural como um todo se manteve no mesmo patamar de 12,8 milhões de pessoas, indicando a ocorrência de “substituição” de mão de obra infantil por adulta. Em segundo lugar porque, de acordo com o censo demográfico de 1991, naquele ano a PEA de 10 a 14 anos urbana (1,012 milhões) aparece, pela primeira vez, como maior que a rural (773 mil). E, em terceiro, porque mesmo em um contexto no qual já

ocorria diminuição na base da pirâmide etária da população rural, com o grupo de 10 a 14 anos declinando ao longo da década de aproximadamente 5,2 milhões para 4,7 milhões de pessoas, a diminuição da PEA rural nesta faixa etária foi de tal ordem que a taxa de atividade “encolheu” de 22,7% para 16,6%. Ainda assim, em 1991, a taxa de atividade entre os moradores na zona rural no mesmo grupo de idade ainda era mais que duas vezes maior que a verificada na zona urbana (8,2%).

No censo demográfico de 2000 a definição da PEA sofreu novas alterações. Como visto, de 1970 a 1991 o período adotado para a sua mensuração considerou o trabalho realizado nos 365 dias que antecederam a data de referência dos levantamentos. Em 2000, passou a ser considerado o período de referência de uma semana, ao invés de um ano, como ocorrera nos três levantamentos anteriores. Por outro lado, o conceito adotado tornou a PEA mais abrangente, que passou a considerar todas as pessoas ocupadas por “pelo menos uma hora completa” na semana de referência. Como visto, no levantamento anterior, entre os sem remuneração (que compõem grande parte do contingente de trabalhadores de 10 a 14 anos, sobretudo na agropecuária) só foram considerados como parte da PEA os que habitualmente trabalharam 15 horas ou mais, de maneira que a mudança de definição implicou acréscimo contábil.

Outra alteração, embora de pequena importância para a mensuração da PEA de 10 a 14 anos, é que agora esta passou a considerar, entre as pessoas desocupas, as “que tomaram alguma providência efetiva na procura de trabalho no período de referência de 30 dias”, ao invés do período de dois meses considerado no levantamento anterior.

As definições adotadas em 2000 foram mantidas em 2010, permitindo boa comparabilidade entre estes dois levantamentos (INSTITUTO … – IBGE, 2003a; 2012c).

Vejamos então como evoluiu a inserção do grupo de idade em questão no mundo do trabalho de 1991 em diante.

Nas décadas de 1990 e 2000 o processo de urbanização prosseguiu, com a população urbana de 10 a 14 anos evoluindo de aproximadamente 12,4 milhões em 1991, para quase 14 milhões em 2010. Este aumento foi compensado pela redução, no mesmo grupo de idade, do número de residentes em domicílios rurais, que

passou de aproximadamente 4,7 milhões em 1991, para 3,2 milhões em 2010. Dessa forma, no conjunto, o contingente total de pessoas neste grupo de idade se manteve praticamente estável nestas duas décadas, com ligeiro crescimento nos anos 90 e pequena diminuição na década de seguinte.

Nas mesmas décadas a PEA de 10 a 14 anos continuou diminuindo tanto em termos absolutos quanto relativos, com a taxa de atividade evoluindo de 10,5% em 1991 para 9,4% em 2000, e chegando a 7,4% em 2010, conforme nos indicam os dados dos censos demográficos apresentados no gráfico 15, que também mostram queda na proporção de ocupados.

Mas como ocorreu mudança na definição da PEA em 2000, vejamos separadamente o que ocorreu em cada um dos períodos, ou seja, entre 1991 e 2000, e entre 2000 e 2010.

Entre 1991 e 2000, a PEA de 10 a 14 anos diminuiu aproximadamente 160 mil pessoas, ou 9,0%. Em termos absolutos, 83,4% desta diminuição se verificou em domicílios rurais.

Parte da redução observada resultou de efeito contábil decorrente de mudança do período de referência de 365 dias adotado em 1991 para o de uma semana adotado em 2000. Anteriormente (1991), eram contadas como parte da PEA as pessoas desocupadas que tivessem trabalhado em algum momento no ano de referência, enquanto em 2000 só foram considerados economicamente ativos os desocupados que tivessem procurado trabalho no período de referência de 30 dias. Isso explica também em ampla medida, a redução mais acentuada na zona rural, na qual é maior a sazonalidade e menor a “procura” de trabalho.

Por outro lado, esse efeito tende a ser contrabalançado pelo fato de que, para o cálculo da PEA (e também o da população ocupada), em 2000 foram consideradas as pessoas que habitualmente trabalhassem menos de 15 horas semanais sem remuneração, ao contrário do que ocorreu no levantamento de 1991, que conforme mencionado, só considerou os que trabalhavam 15 horas semanais ou mais.

Na verdade, para o grupo de idade em questão, parece ser praticamente nulo o efeito combinado das duas mudanças no que diz respeito à PEA. Já a população ocupada seria um pouco menor se em 2000 fosse adotada a mesma definição utilizada em 1991.

Se não considerados em 2000 os que trabalhavam habitualmente até 14 horas semanais, o número de ocupados de 10 a 14 anos teria aproximadamente 150 mil pessoas a menos, resultando um número de ocupados 13,6% menor, e uma PEA 9,5% menor (INSTITUTO … – IBGE, 2003a, tabela 1.1.3) 51.

Por outro lado, recorrendo à PNAD, que para vários anos apresenta dados relativos à população ocupada na semana de referência e também no período de referência de 365 dias, e adotando como parâmetro os números relativos a 1999 e 2001, podemos estimar, para 2000, o número dos economicamente ativos como sendo 16,5% maior caso considerados os 365 dias como período de referência, como ocorreu em 1991 (INSTITUTO … – IBGE, 2002a, tabela 4.35; 2003a, tabela 1.1.3). Assim, ao invés de termos em 2000, uma taxa de atividade de 9,4% e a proporção da população ocupada equivalente a 6,6% (gráfico 15), esses indicadores seriam ligeiramente diferentes, resultando respectivamente 9,9% e 5,7%. Entretanto, como se vê, tais diferenças não alteram o fato de que nos anos 90 declinaram tanto em termos absolutos quanto relativos a taxa de atividade e a ocupação de crianças de 10 a 14 anos.

A queda ainda mais acentuada da proporção de ocupados está diretamente associada ao forte crescimento do número de desocupados no período em questão. Entre 1991 e 2000, segundo os censos demográficos, o número de desocupados de 10 a 14 anos cresceu algo em torno de 160 mil pessoas, evidenciando que em 2000 a “procura de trabalho” por parte das crianças era ainda uma prática bastante comum.

Nos anos 90, a desocupação se tornou ainda mais frequente entre os moradores de domicílios urbanos. O censo de 1991, que considerou a procura de trabalho nos dois meses anteriores à data de referência, totalizou aproximadamente 324 mil desocupados, dos quais 71,2% entre moradores em domicílios urbanos. Em 2000, mesmo com o período de referência tendo diminuído para um mês, o número de

51. Na publicação relativa ao censo de 2000 que consultamos não há tabela na qual estejam cruzadas, por grupos de idade, as variáveis “sem remuneração” e “horas trabalhadas”. Evidentemente, nem todas as pessoas de 10 a 14 anos que trabalham até 14 horas semanais o fazem sem remuneração, mas essa deve ser a situação de quase todas elas. Das 1.142.438 crianças deste grupo de idade ocupadas, 440.498 eram “não remunerados em ajuda a membro da família”, 111.858 “trabalhadores na produção para o próprio consumo”, ao passo que “somente” 154.857 trabalhavam habitualmente até 14 horas (INSTITUTO … – IBGE, 2003a, tabelas 1.1.3 e 1.1.7).

crianças de 10 a 14 anos desocupadas cresceu para 482 mil, entre as quais 87,7% viviam em domicílios urbanos.

Como evidencia o gráfico 15, para os anos da série considerada para os quais contamos tanto com os números da PEA quanto com os de ocupados, 2000 foi o ano que apresentou menor proporção de ocupados relativamente à PEA. A baixa capacidade da economia brasileira quanto à criação de empregos nos anos 90 (conforme será visto) mesmo para os adultos deve ter contribuído para o forte descompasso entre a oferta e a demanda de trabalho no grupo de 10 a 14 anos captada pelo censo demográfico de 2000 52.

Seja como for, na década de 90 foi registrado importante avanço quanto à redução do trabalho de crianças de 10 a 14 anos. Mas, em termos relativos, ocorreu redução da taxa de atividade e da proporção de ocupados apenas entre os moradores em domicílios urbanos, enquanto na zona rural estes indicadores se mantiveram praticamente estagnados, com o declínio da PEA e da população ocupada ocorrendo em ritmo muito próximo ao da própria redução da população de 10 a 14 anos nela residente. Caso não houvessem ocorrido as mudanças de definição mencionadas, a queda absoluta da PEA na zona rural teria sido menor, uma vez que aí os efeitos contábeis das mesmas mudanças são mais acentuados do que na zona urbana.

A comparação dos dados levantados nos censos demográficos de 2000 e 2010, entre os quais foi mantida a conceituação e períodos de referência (semana) adotados para mensuração da PEA, mostra que permaneceu a tendência de redução dos economicamente ativos no grupo de idade de 10 a 14 anos.

O número absoluto declinou de aproximadamente 1,62 milhões em 2000 para 1,26 milhões em 2010, uma redução de aproximadamente 360 mil pessoas, ou de 22,1%. Assim, a taxa de atividade foi reduzida de 9,4% para 7,4% no mesmo período.

52. Em 1950, no grupo de 10 a 14 anos, os desocupados totalizaram somente 1,1% dos economicamente ativos, mas esta pequena proporção pode ter resultado do fato de ter sido este o primeiro censo a contabilizar a PEA. Para 1970 não foi publicada tabela com o número de ocupados por grupos de idade. Os desocupados totalizaram 10,4% da PEA em 1980, e nos levantamentos seguintes a proporção cresceu para 18,1% (1991) e depois para 29,7% (2000), voltando a declinar para apenas 15,5% em 2010. É difícil avaliar em que medida tais variações decorrem propriamente de mudanças no mercado de trabalho ou se são devidas principalmente a alterações conceituais e metodológicas nos levantamentos censitários. Para os números absolutos a respeito, ver a série histórica dos censos e PNAD apresentada na tabela 30, no Apêndice B (p. 411).

Mas, novamente, a queda da taxa de atividade foi mais expressiva na zona urbana (de 7,3% para 5,4%) do que na rural (de 16,6% para 15,9%).

Além disso, quando adotamos como indicador o número de ocupados, a década passada foi de menor progresso para a redução do trabalho no grupo de idade em questão. Grande parte da redução da PEA (360 mil pessoas) esteve associada, na realidade, ao declínio do número de desocupados (quase 287 mil pessoas), indicando que contrariamente ao que ocorrera nos anos 90, agora o que havia declinado era principalmente a oferta de trabalho pelas crianças. No grupo de idade de 10 a 14 anos, o número das que haviam procurado trabalho no período de referência de trinta dias diminuiu de 482 mil em 2000 para 196 mil em 2010, em valores aproximados.

Dessa maneira, o censo de 2000 contabilizou 1.142.438 pessoas ocupadas neste grupo de idade, e em 2010 a conta foi apenas um pouco menor (1.069.425), resultando em redução de somente 6,4% no número absoluto de ocupados após toda uma década na qual a questão do trabalho infantil entrou definitivamente na agenda pública nacional e, por meio do PETI, o Estado brasileiro passou a desenvolver ações mais especificamente voltadas ao seu combate desde o nível federal de governo.

Chama atenção ainda que, neste período, mesmo a redução na proporção de ocupados se deu de forma estreitamente associada à continuidade do processo de migração rural-urbano, ainda que este processo tenha ocorrido em ritmo muito menos acentuado que nas décadas anteriores.

Como mostra o gráfico 15, a tímida redução de 6,6% para 6,2% na proporção de ocupados não se verificou nem entre os moradores da zona urbana, na qual a variável permaneceu estagnada em 4,2%, e nem entre os da zona rural, entre os quais também permaneceu estacionada no patamar de 15,1%, patamar agora 3,6 vezes maior que o verificado nas cidades.

O mesmo gráfico evidencia que a diminuição da população rural de 10 a 14 anos, em termos absolutos, começou a ocorrer já nos anos 80, e foi de tal ordem que, em 2010, a população neste grupo de idade que residia em domicílios rurais (3,2 milhões de pessoas, aproximadamente) representava somente 61,9% do