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CAPÍTULO I – ELLEN G WHITE EM CONTEXTO

2.3 Ambiente Social

2.3.9 As deficiências na educação

As intensas mudanças que afetaram a sociedade norte-americana ao longo do século XIX tiveram seus desdobramentos também no âmbito da educação. O cenário filosófico iluminista, que chegara ao seu apogeu no final do século XVIII, projetava-se no século XIX por meio da filosofia racionalista, que ganhava força com o cientificismo empirista. Essas ideias, que já havia muito corriam o mundo, encontraram na complexidade de ideias e na liberdade de expressão desfrutadas na jovem nação americana o ambiente ideal para se fortalecerem num século turbulento e desafiador.

O otimismo, que era o principal elemento do pensamento iluminista, apostava na inerente bondade da natureza humana e na capacidade de superação do indivíduo inteligente a partir da potencialização de suas capacidades próprias. Apregoava a necessidade de educação de tal natureza como meio de transformação da vida social. À medida que a sociedade foi piorando em alguns aspectos, o discurso da educação como remédio para correção dos males sociais foi ganhando força. A ideia era que “se o homem era bom por natureza, então ele e o mundo inteiro poderiam ser transformados por meio da educação universal”243. Educação e escola passaram a ser as palavras de ordem, embora a infraestrutura necessária para sua realização fosse ainda precária.

243 KNIGHT, George R. Los Cambios En La Educación. In: LAND, Gary y Otros. El Mundo de Elena G. de

Até 1830, havia nos Estados Unidos poucas escolas públicas244, e por isso a quase totalidade do ensino oferecido era o das escolas particulares, cobrados preços que boa parte das famílias não se dispunham a pagar, ora por falta de condições, ora por falta de consciência da importância da instrução aos filhos. Além disso, a infraestrutura dos prédios onde funcionava as escolas era precária, não oferecendo condições de luz, ventilação, mobiliário e material didático adequados ao ensino minimamente satisfatório245. Há registro ainda de que faltavam professores, e os poucos que havia não estavam suficientemente capacitados para ensinar e disciplinar246. O resultado era que “todos os tipos de escolas públicas e a maioria das escolas privadas careciam de um bom nível acadêmico”247. Os processos de industrialização e novo modelo de comercialização encontraram uma nação pouco instruída para fazer frente às suas novas demandas.

À medida, no entanto, que a sociedade foi sendo convencida pelo otimismo racionalista e empurrada pelo capitalismo industrialista a preparar seus filhos para o novo modelo político e econômico que desafiava as cidades, o número de escolas públicas foi aumentando, e para elas corria uma enorme massa de pessoas interessada na instrução que ali se oferecia gratuitamente. Esse interesse e demanda fizeram com que durante as décadas de 1830 e 1840 houvesse um “renascimento da educação” na Nova Inglaterra.248

O aumento do número de escolas primárias foi acompanhado, na segunda metade do século, pela abertura de novas escolas públicas secundárias e universidades particulares249. A par dessa nova efervescência educacional estava a mudança significativa do projeto pedagógico norte-americano250, provocado por uma combinação de fatores, cujo fenômeno é registrado nas seguintes palavras:

Na primeira metade do século XIX, a população dos Estados Unidos era em sua maior parte protestante, rural, agrícola e de origem britânica ou do Norte ou Oeste da Europa. Tudo isso mudaria nas décadas seguintes à Guerra Civil. O País se viu envolvido num constante e crescente processo de urbanização e industrialização, enquanto que a imigração proveniente do Sul e Oeste da Europa modificou radicalmente o equilíbrio social e religioso da

244 KNIGHT, George R. Los Cambios En La Educación. In: LAND, Gary y Otros. El Mundo de Elena G. de

White. 1. ed. Flórida (Buenos Aires): Asociación Casa Editora Sudamericana, 1995, p. 184.

245 Ibid., p. 185. 246 Ibid., p. 184-185. 247 Ibid., p. 184. 248 Ibid., p. 184. 249 Ibid., p. 186. 250 Ibid., p. 186-187.

Nação. Na nova imigração agregou-se à população já existente um importante elemento católico e judaico. Esses recém-chegados tinham escala de valores e estilos de vidas que preocupavam aos norte-americanos das velhas gerações. Estas mudanças afetariam totalmente a educação.251

Outros fatores também contribuíram para as mudanças no campo educacional. O cientificismo, o darwinismo e a alta crítica252 influenciaram fortemente os métodos de se fazer educação nas escolas norte-americanas, fossem essas públicas ou privadas. Esses novos métodos dividiram os educadores quanto ao conhecimento essencial. Enquanto os cientificistas afirmavam que “a ciência é o conhecimento mais valioso para todo terreno que o homem penetre”253, os tradicionalistas protestavam afirmando que “um conhecimento pessoal de Jesus Cristo era o mais essencial”254.

Essa polarização filosófica continuou no âmbito educacional para além do século XIX, e sua intensificação nos anos de 1875 a 1914 fez com que os historiadores chamassem esse período de “etapa de confusão nos planos de estudo”255, cujas discussões englobavam os currículos das escolas primárias, secundárias e superiores256. De todos os fatores mencionados como causa dessa confusão e mudança definitiva no plano pedagógico, nenhum afetaria mais a educação do que o industrialismo. Sua filosofia foi o principal elemento,o que fez com que o projeto educacional anterior, que era de caráter mais erudito e religioso, fosse gradualmente substituído por outro, de caráter utilitário e econômico, que servisse aos ideais de formação de mão de obra para a crescente demanda da força industrial produtiva. Esse industrialismo abriu caminho para o cientificismo e o darwinismo, cujas propostas também impactaram profundamente a matriz pedagógica norte-americana.

O preparo de mão de obra para o mercado, que até a primeira metade do século era feito em escolas especializadas de preparo técnico, passou a ser feito de maneira mais demorada e a partir de currículos mais utilitaristas, especialmente nas universidades que

251 KNIGHT, George R. Los Cambios En La Educación. In: LAND, Gary y Otros. El Mundo de Elena G. de

White. 1. ed. Flórida (Buenos Aires): Asociación Casa Editora Sudamericana, 1995, p. 189, com tradução própria.

252 Ibid., p. 190.

253 Ibid., p. 190, com tradução própria. 254 Ibid., p. 190, com tradução própria. 255 Ibid., p. 191, com tradução própria.

256 Ibid., p. 196, pontua que “nas últimas décadas do século XIX e parte do XX, a educação secundária estava

passando pela mesma confusão nos planos de estudo vivenciada pela educação superior.” Já na página 197, informa que “As escolas primárias também estavam sendo afetadas pelas mesmas forças que desmoronavam os planos de estudos tradicionais das escolas de ensino médio e superior ao término da Guerra Civil.” (tradução própria)

tiveram um crescimento significativo na virada do século. Conforme se relata, “esta mudança no lugar de preparação de um profissional era parte de um movimento generalizado tendente a elevar o nível de instrução para o posterior acesso à prática profissional”257.

Mesmo em muitas das ditas universidades cristãs, o darwinismo e a alta crítica ganharam espaço, e com eles houve a derrocada gradual dos princípios de vida cristã que até então ditavam a crença e a prática do dia a dia social da América protestante.258 O modelo de escola religiosa havia se transformado no modelo de escola polivalente, cujo currículo abarcante tinha por função básica o preparo do indivíduo para a nova cultura, não importando o nível de pertinência ou de compatibilidade desta com os ideais religiosos de outrora, sob os quais a Nação havia sido fundada. “O resultado final destas mudanças foi que, por volta de 1915, o mundo educativo norte-americano era quase irreconhecível em relação à década de 1820.”259 “De fato, em todas as instituições de educação superior o antigo currículo clássico havia sido descartado.”260

Em suma, as deficiências educacionais do século XIX haviam dado lugar às novas deficiências que despontavam com o século XX. E se os problemas de infraestrutura, currículo e métodos haviam desafiado com tamanha força a sociedade do século findo, mal sabiam os pensadores da época que a democratização e a profissionalização da educação não livraria a Nação das novas e desafiadoras ideologias do novo século que despontava.

Em protesto contra o currículo educacional meramente teórico e utilitarista, e por isso parcial e desprovido de fundamentação cristã, Ellen White deixou vasta obra delineando sua proposta de educação integral para o serviço integral. Esse modelo de educação propunha a utilidade humanista em lugar da utilidade capitalista. Para ela, “além de ter formação acadêmica nas aulas, deveriam, como parte de sua educação, trabalhar no campo, aprender artes manuais e desenvolver o físico, o espiritual e o social tanto quanto o intelectual”261. Algumas de suas citações demonstram a seriedade com a qual ela elaborou tal proposta:

257KNIGHT, George R. Los Cambios En La Educación. In: LAND, Gary y Otros. El Mundo de Elena G. de

White. 1. ed. Flórida (Buenos Aires): Asociación Casa Editora Sudamericana, 1995, p. 192, com tradução própria.

258 Ibid., p. 194.

259 Ibid., p. 198, com tradução própria. 260 Ibid., p. 199, com tradução própria.

261 SEPÚLVEDA, Ciro. Elena G. de White: Lo Que No Se Contó. 1. ed. Flórida (Buenos Aires): Asociación

O conhecimento de Deus é o fundamento de toda verdadeira educação e de todo serviço verdadeiro.262

A verdadeira educação é um preparo missionário. Todo filho e filha de Deus é chamado a ser missionário; somos chamados ao serviço de Deus e de nossos semelhantes; e habilitar-nos para essa obra deve ser o objetivo de nossa educação.263

A verdadeira educação significa mais do que avançar em certo curso de estudos. É muito mais do que a preparação para a vida presente. Visa o ser todo, e todo o período da existência possível ao homem. É o desenvolvimento harmônico das faculdades físicas, intelectuais e espirituais. Prepara o estudante para a satisfação do serviço neste mundo, e para aquela alegria mais elevada por um mais dilatado serviço no mundo vindouro.264 Quantos podem responder sinceramente a esta pergunta: Qual é a educação essencial para este tempo? Educação significa muito mais do que muitos supõem. A verdadeira educação abrange a disciplina física, mental e moral, a fim de que todas as faculdades sejam preparadas para o melhor desenvolvimento, para prestar serviço a Deus e para trabalhar pelo soerguimento da humanidade.265

Em contraposição às contradições curriculares de seu tempo, a autora propôs em seus escritos uma prática educacional totalmente inovadora em relação aos modelos da época. Sua proposta pode ser verificada detalhadamente nas compilações publicadas na forma dos seguintes livros: Conselhos aos Pais, Professores e Estudantes266, Conselhos sobre Educação267, Educação268, Fundamentos da Educação Cristã269, Mente, Caráter e Personalidade-I270, Mente, Caráter e Personalidade-II271 e Orientação da Criança272. Mas a

262 WHITE, Ellen G. A Ciência do Bom Viver. Tradução de Carlos A. Trezza. 10. ed. Tatuí-SP: Casa

Publicadora Brasileira, 2004, p. 192.

263 Ibid., p. 395.

264 WHITE, Ellen G. Educação. 9. ed. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003, p. 13.

265 WHITE, Ellen G. Fundamentos da Educação Cristã. Tradução de Naor G. Conrado. 2. ed. Tatuí-SP: Casa

Publicadora Brasileira, 1996, p. 387.

266 WHITE, Ellen G. Conselhos aos Pais, Professores e Estudantes. Tradução de Isolina A. Waldvogel. 5. ed.

Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000. 572 p.

267 WHITE, Ellen G. Conselhos sobre Educação. Tradução de Carlos A. Trezza. 3. ed. Tatuí-SP: Casa

Publicadora Brasileira, 2002. 178 p.

268 WHITE, 2003, op. cit. 269 WHITE, 1996, op. cit.

270 WHITE, Ellen G. Mente, Caráter e Personalidade-I. Tradução de Luiz Waldvogel. 5. ed. 2.ª Impressão.

Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005. 369 p. ISBN 85-345-0325-7.

271 WHITE, Ellen G. Mente, Caráter e Personalidade-II. Tradução de Luiz Waldvogel. 4. ed. Tatuí-SP: Casa

autora estava consciente de que a reconstrução do modelo educacional era apenas uma, dentre as inúmeras outras necessidades desafiadoras da realidade de intensa desigualdade social na qual se afundava a jovem nação norte-americana.