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3.2 Definição de Diferença

3.2.3 As diferenças e a diferenciação do ensino

Para falar sobre este aspecto, serão utilizados, sobretudo, os estudos realizados por Philippe Perrenoud (2000, 2001) sobre pedagogia e diferenças. Uma primeira pergunta a fazer quando se fala em diferenciação é: o que se propõe é tratar pedagogicamente as diferenças ou individualizar o ensino?

Considerando os aspectos da realidade brasileira, onde os professores do primeiro ano do ensino fundamental têm entre 20 e 25 alunos na sala, seria inviável falar numa individualização, ou ficar com a “impressão de que diferenciar é dar tantas aulas particulares quantos alunos houver” (PERRENOUD, 2000, p. 46), sem contar que a riqueza e diversidade que existem numa sala podem colaborar para realização de interessantes atividades compartilhadas.

A concepção de diferenciação aqui tratada é aquela que permite que todos os alunos experimentem situações, com a maior frequência possível, de aprendizagens que sejam significativas para eles. Apesar de parecer uma tarefa simples, reorganizar as metodologias de trabalho pedagógico para atender às diferenças existentes entre os alunos exige uma reestruturação da escola, uma revisão de seu currículo e das práticas pedagógicas.

A proposta de pedagogia diferenciada remonta aos primeiros movimentos da educação nova. Claparède e Freinet retomam essas ideias, mas elas só ganham destaque na ação docente a partir dos anos de 1970. Surgem como uma resposta ao progressivo fracasso escolar e contra as desigualdades sociais que se reproduzem na escola. Para se obter sucesso na implementação de uma pedagogia diferenciada, faz-se necessário realizar uma análise

profunda dos mecanismos que geram as desigualdades na escola, para só então proceder a ação (PERRENOUD, 2000).

Perrenoud (op. cit.) chama atenção para a concepção naturalizada do fracasso escolar, mostrando a necessidade de compreender além do discurso escolar e das diferenças individuais este fenômeno.

O estudo realizado por Paula e Tfouni (2009) colabora para um entendimento mais profundo sobre o insucesso escolar, os discursos e estudos a respeito dele. Segundo estas autoras, vários estudos são realizados ao longo do tempo para justificar a ausência da aprendizagem. Ora justifica-se por uma incapacidade individual para aprender, ausência do dom; ora pela incapacidade técnica do professor para ensinar; por questões institucionais, já que a escola é vista como uma reprodução da sociedade; ou ainda por um viés da política, que se revela nas relações de poder e violência simbólica ao negar a cultura popular.

Estas justificativas são generalistas e, de certa forma, contribuem para uma naturalização do discurso pedagógico sobre o fracasso. Paula e Tfouni chamam atenção para a força institucional que possui o que elas denominam de DPE (discurso pedagógico escolar) e os sistemas de ensino acabam pautando-se sobre este discurso ao determinar “o que pode ser ensinado, como se deve ensinar e o lugar que cada um deve ocupar [...]” (op. cit., p. 123). Daí a dificuldade em atender as singularidades dos sujeitos e ponderar que:

[...] enquanto o DPE propõe um modelo de educação que desconsidera a singularidade, a contingência, em um processo no qual ‘as diferenças são apagadas, a diversidade é negada, e a homogeneização é impingida aos alunos, tornando seus discursos e produções semelhantes e passíveis de controle, o que é atingido principalmente através da cópia, reprodução literal, ou paráfrase’ (TFOUNI e cols., no prelo, p. 8), a explicações que ele fornece sobre o fracasso escolar são dadas com base nas características do indivíduo ou da família. (op. cit., p. 123).

Existe um elemento perigoso nesse discurso, que é o de criar uma representação social da escola pública como o espaço em que a aprendizagem nem sempre é possível a todos. Como a representação social, em muitos casos, tem um caráter mais forte que a realidade em si, acaba por legitimar essa ideia, que, no entanto, já tem sido provada como falsa.

Se ponderarmos que essa cultura escolar, esse discurso pedagógico é uma construção histórica, logo há possibilidade de ser transformada. As pedagogias diferenciadas poderiam ser um caminho? Como alerta Perrenoud (2000), pode ser possível em longo prazo, desde que se busque uma “concepção clara e partilhada das causas das desigualdades e dos patamares de diferenciação.” (op. cit., p. 15), pois da gênese das desigualdades que geram o fracasso escolar é que procede a pedagogia diferenciada.

Sendo assim, “a diferenciação é pensada como uma micro orientação, com a diferença de que não se trata de dividir os alunos em formações hierarquizadas, que cristalizam e ampliam as diferenças, mas entre grupos ou dispositivos que supostamente trabalham para assegurar a igualdade dos níveis de aquisição, pela diversificação dos procedimentos e dos atendimentos.” (op. cit., p. 41).

Nesse processo de considerar didaticamente as diferenças, quatro obstáculos se impõem, segundo Perrenoud (2000): as questões em torno do ensino e aprendizagem que ainda perpetuam mecanismos tradicionais; a confusão sobre o que seja diferenciar, que pode levar a um processo de individualização; a avaliação que deve ser formativa e não apenas diagnóstica; e a questão das relações afetivas e do distanciamento cultural entre professores e alunos.

Com todos os obstáculos que se apresentam, considerar as diferenças numa sala de aula seria “organizar as interações e as atividades, de modo que cada aluno seja confrontado constantemente, ou ao menos com bastante frequência, com as situações didáticas mais fecundas para ele.” (PERRENOUD, 2001, p. 27).

Tomando as palavras de Délia Lerner (2002, p. 42), “[...] é necessário definir modificações que desterrem o mito da homogeneidade que impera na instituição escolar, e o substituam pela aceitação da diversidade cultural e individual do aluno.” Indo além, mas do que aceitação, é necessária uma mobilização no sentido de não permitir que tais diferenças que são culturais e individuais, se transformem em desigualdades no ensino e na aprendizagem.