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As diferentes formas de prestação de serviços e a questão da elegibilidade

MODELOS E PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO PRECOCE

SÍNTESE DOS PRINCIPAIS MARCOS LEGISLATIVOS NOS EUA RELATIVOS AO APOIO A CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (NEE) E NA INTERVENÇÃO

3. As diferentes formas de prestação de serviços e a questão da elegibilidade

Como referíamos noutro texto (Almeida, 1997a), encontramos hoje uma grande variabilidade nos modelos e nas práticas a nível da prestação de serviços em intervenção precoce. Estas diferenças têm a ver, principalmente, com o tipo de

crianças abrangidos pelos programas, dependendo da forma como são identificados e sinalizados, do tipo de serviços que essas crianças recebem, incluindo aqui os cenários em que eles ocorrem, da estrutura e organização do sistema de prestação de serviços, da existência, ou não, de uma rede de serviços e de recursos na comunidade e da formação daqueles que prestam serviços.

Dois estudos de âmbito nacional realizados recentemente nos EUA, o National

Early Intervention Longitudinal Study – NEILS (Bailey, Scarborough, Spiker & Mallik,

2004; Scarborough, Spiker, Mallik, Hebbeler, Bailey & Simeonsson, 2004; Hebbeler, Spiker, Bailey, Scarborough, Mallik, Simeonsson, Singer & Nelson 2007) e um segundo desenvolvido pelo Committee on Integrating the Science of Early Childhood

Development, no âmbito do National Research Council and Institute of Medecine

(Shonkoff & Phillips, 2000), vieram confirmar a existência de uma variabilidade considerável no que diz respeito às respostas de intervenção precoce. Isto apesar de existir, como já tivemos oportunidade de constatar, uma legislação com linhas de orientação precisas no que diz respeito à idade das crianças elegíveis, aos critérios de elegibilidade (embora a elegibilidade nas situações de risco fique ao critério de cada estado), assim como à prestação de serviços multidisciplinares com envolvimento da família e, sempre que possível e apropriado, a decorrer nos ambientes naturais da criança.

No relatório que o Committee on Integrating the Science of Early Childhood

Development publicou referia-se a existência de políticas e práticas, a nível da infância

precoce, altamente fragmentadas, com pontos de acesso confusos, particularmente problemáticos para a população com necessidades educativas especiais e recomendava-se que o governo e os decisores a nível local tomassem as medidas necessárias para implementar um sistema de intervenção precoce coordenado, funcional e eficaz (Shonkoff & Phillips, 2000). Tendo como referência esta mesma preocupação, Guralnick (2005) veio propor um modelo para a organização do sistema de intervenção precoce enquadrado numa perspectiva desenvolvimental, que teremos oportunidade de aprofundar no capítulo IV.

Para já, porém, queremos reflectir sobre duas questões chave no que diz respeito à selecção da população a ser atendida no âmbito da intervenção precoce: a determinação da faixa etária alvo e a definição dos critérios de elegibilidade.

3.1. O grupo etário alvo para a Intervenção Precoce

Uma questão importante, e muito discutida, quando se coloca a questão da população-alvo para a intervenção precoce, é a da faixa etária abrangida pelos programas. Dunst (1985) referia-a, na definição que então propunha para a intervenção precoce, considerando que esta deveria incluir, de um modo geral, as crianças com NEE do nascimento aos 3 anos de idade.

Nos EUA esta questão da abrangência etária dos programas de intervenção precoce tem sido algo controversa ao longo dos anos, defendendo uns que ela deveria ir até aos 3 e outros até aos 6 anos, embora actualmente a tendência predominante seja para considerar os 0 aos 6 anos, havendo, mesmo, quem defenda um prolongamento até aos 8 anos. Actualmente, a legislação americana considera como faixa etária alvo da intervenção precoce os 0 aos 3, caindo os 3 aos 6 anos no âmbito da educação especial precoce. Tal dicotomia é criticada por Shonkoff e Phillips (2000), que evocam os resultados da investigação actual a nível da neurobiologia evidenciando a forma como as experiências precoces afectam o desenvolvimento cerebral, para considerarem o actual enfoque nos 0 aos 3 anos como altamente problemático, não porque este não seja um período importante a nível do desenvolvimento cerebral, mas porque a atenção desproporcionada que lhe é prestada, começa muito tarde e termina demasiado cedo.

Na origem da dicotomia entre estes dois grupos etários, estão argumentos relacionados com as diferenças reais em termos de desenvolvimento e de contextos de vida diária - com as crianças mais jovens, predominantemente, em casa, em amas ou creches e as mais velhas em contexto pré-escolar – mas estão, também, razões que se prendem com a evolução da legislação norte-americana relativa à educação especial, como tivemos ocasião de verificar.

A prestação de serviços para crianças dos 3 aos 6 anos, com NEE, em contexto pré-escolar, foi inicialmente contemplada em 1975 (PL 94-142), enquanto que a prestação de serviços para as crianças até aos 3 anos, com NEE, só surge, pela primeira vez, em 1986 (PL 94-457) e, posteriormente, nas suas várias revisões, através da Individuals with Disabilities Education Act (IDEA) de 1990, 91 e 97/98. A IDEA, distingue, na parte C, os serviços de intervenção precoce na infância (early

childhood intervention), destinados às crianças até aos 3 anos, dos serviços de

educação especial precoce (early childhood special education), que constam da parte B, desenvolvidos no âmbito da educação pré-escolar e dirigidos às crianças dos 3 aos 6 anos.

São reconhecidas as diferenças entre estes dois tipos de prestação de serviços, a mais saliente das quais é o facto de os serviços prestados às crianças de idade pré- escolar, ou seja, entre os 3 e os 5 anos (parte B), serem menos centrados na família e mais centrados na criança e no contexto educativo (Thurman, 1997). Para além destas, há ainda diferenças em questões relacionadas com a elegibilidade (critérios menos restritivos na parte C), com o planeamento da intervenção (utilização do PIAF na parte C, versus PEI na parte B), com a coordenação de serviços (não contemplada na parte B), com o período de abrangência anual (ano civil na parte C e ano escolar na parte B) e com a prestação pecuniária das famílias (gratuito na parte B e podendo incluir pagamento na parte C). Esta descontinuidade entre as duas partes da IDEA traduz-se, frequentemente, em problemas complexos no momento da transição e os diferentes estados têm tentado minimizar ao máximo estas disparidades. Naqueles em que isto foi menos conseguido, as famílias podem perder a elegibilidade para os serviços, perder algum tipo de serviço específico, ou simplesmente, o coordenador de serviços com quem já tinha uma relação estabelecida (Hebbeler, 1997).

A consciencialização destas questões tem levado variados autores a porem em causa esta divisão em termos etários. Entre outros podemos citar, por exemplo, Thurman (1997) e Shonkoff e Meisels (2000), que nas suas definições de intervenção precoce abrangem as crianças até aos 6 anos de idade. Também a Division of Early

Childhood for Exceptional Children, no trabalho que publicou em 2000 Recommended Practices in Early Intervention / Early Childhood Special Education, apesar de

distinguir formalmente a intervenção precoce da educação especial precoce, considerou, após discussão em focus grupo de vários especialistas, que embora existam diferenças entre os dois grupos etários, existem também semelhanças suficientes para que, na maioria dos casos, as práticas recomendadas se possam, e devam, aplicar aos dois grupos. Na mesma linha, Harbin, McWilliam e Gallagher (2000) defendem a necessidade de modificar a legislação e citam diversos estudos incidindo na opinião das famílias, que referiram que pretendiam que o sistema permanecesse o mesmo até aos 5 anos da criança (Harbin & Kockaneck, 1992) e se mostraram muito descontentes com o processo existente, explicando que tinham levado tempo a adaptar-se e quando tal sucedia viam-se obrigadas a recomeçar tudo de novo (Gallagher, 1997; McWilliam, Lang, Vandiviere, Angell, Collins & Underdown, 1995). Outro aspecto para o qual Harbin, McWilliam e Gallagher (2000) chamam a atenção é o da perda traumática que é para muitas famílias a súbita falta da relação de apoio, também emocional, com o coordenador de serviços.

Recentemente, resultados de alguns estudos vieram, mesmo, levantar a questão da necessidade de se prolongar a intervenção precoce durante os primeiros anos da

escolaridade, para assegurar que os efeitos se mantinham e que existia uma transição das características especializadas do programa para o contexto escolar (Ramey, Campbell, Burchinal, Skinner, Gardner & Ramey, 2004). A própria Division of Early

Childhood for Exceptional Children define crianças de idades precoces com

necessidades educativas especiais como sendo aquelas “entre o nascimento e os 8

anos que têm incapacidades, atrasos de desenvolvimento e risco de problema desenvolvimentais futuros, ou são sobredotadas” (DEC, 2000, p. 151)

Por sua vez, examinando o que se passa a nível europeu, de acordo com do Eurlyaid1, constata-se que, na grande maioria dos países, a intervenção precoce abrange a faixa etária dos 0 aos 6 anos - com dois países a abrangerem os 0 aos 5 anos (Inglaterra e Noruega) e três a abrangerem os 0 aos 7/8 anos (Bélgica, Holanda e Áustria) - sendo o mesmo recomendado pela European Agency for Development in

Special needs Education (Soriano, 2005). Assim, de um modo geral pensamos estar a

interpretar a tendência actual aplicando o termo intervenção precoce à população dos 0 até aos 6 anos de idade, exclusive.

3.2 A questão da elegibilidade em Intervenção Precoce

Quando definimos a população-alvo dos serviços de intervenção precoce, a par da questão do grupo etário a abranger, surge a questão da população a eleger. Neste sentido, importa definir quais as condições que devemos considerar na criança como podendo provocar um atraso no seu desenvolvimento, ou ter um alto risco de o vir a provocar. Esta questão da elegibilidade é uma questão-chave na prestação de serviços de intervenção precoce, já que, a definição da potencial população de crianças a ser atendida, tem imediatamente consequências a nível dos recursos disponíveis e dos necessários e, portanto, importantes implicações financeiras. A questão que, desde logo, coloca aos decisores tem a ver com o nível de prevenção em desejam situar-se, se a nível de uma prevenção primária, secundária ou terciária – assim como dos recursos e capacidade económica, disponíveis.

Como se pode ver na figura 7, a prevenção primária visa reduzir a incidência de novos casos, através da promoção do desenvolvimento da criança, da redução dos factores de risco e da capacitação da família; a prevenção secundária visa reduzir a prevalência, diminuindo ou, preferencialmente, eliminando o impacto da deficiência ou do atraso no futuro desenvolvimento da criança, através desenvolvimento de novas

1

O Eurlyaid é um grupo de trabalho da Comunidade Europeia, criado em 1989, que reúne profissionais, investigadores e representantes de associações de pais, de diferentes estados membros, envolvidos na intervenção precoce

capacidades, ou da manutenção das já existentes e do apoio à família para lidar com as condições inerentes à problemática da criança; finalmente a prevenção terciária tem por objectivo reduzir as sequelas ou complicações decorrentes da situação de deficiência ou incapacidade da criança, através de uma intervenção correctiva, aumentativa ou compensatória e de um apoio à dinâmica familiar (Simeonsson, 1994).

Actuar a nível de uma prevenção secundária ou terciária reduz bastante a população elegível, embora os serviços a prestar a essa população sejam, por norma mais complexos. Nos EUA a decisão de incluir as situações de risco entre os critérios de elegibilidade para a intervenção precoce, foi deixado à decisão de cada estado federado. Em 1997, só dez tinham optado por essa inclusão e, em 2004, já eram apenas nove (Shackelford, 1998, 2004, cit. Scarborough, Hebbeler & Spiker, 2006), obviamente por razões económicas. No entanto, os especialistas são unânimes em chamar a atenção para o facto de serem as crianças em risco, ainda sem uma situação de incapacidade, aquelas que mais beneficiam com a intervenção precoce. Com programas preventivos, de qualidade, evitar-se-ia um grande número de intervenções posteriores, mais complexas e dispendiosas, a um nível secundário e terciário. Seriam menos casos, entre outros, de crianças referenciadas para a educação especial ou outras respostas remediativas, assim como de insucesso escolar, gravidez na adolescência ou delinquência (Upshur, 1990; Richmond & Ayoub, 1993; Thurman, 1993; Guralnick, 1998; Shonkoff & Phillips, 2000). Em intervenção precoce, como em qualquer outro tipo de intervenção, será sempre preferível actuar a nível de uma prevenção primária.

De um modo geral, como referem Shonkoff e Phillips (2000), encontramos uma característica comum a todas crianças elegíveis para a intervenção precoce: constata- se uma situação preocupante, no que diz respeito ao seu desenvolvimento ou

UNIVERSAL:

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