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As relações família-profissional num modelo centrado na família

PAPEL DA FAMÍLIA NA INTERVENÇÃO PRECOCE: A INTERVENÇÃO CENTRADA NA

ECOLÓGICO FACTORES DE RISCO FACTORES DE PROTECÇÃO

5. O modelo de intervenção centrado na família e na comunidade

5.3. As relações família-profissional num modelo centrado na família

Uma intervenção centrada na família, deve reconhecer os direitos das famílias enquanto consumidoras de serviços. Esses direitos passam pelo apoio que os profissionais lhes devem dar em todo o processo da tomada de decisões. Como já referimos, para poder tomar decisões a família tem de estar informada e essa é, segundo a maioria dos estudos (Duwa, Wells & Lalinde, 1993; McWilliam, 2003), a principal necessidade expressa pela própria família, quando inquirida sobre aquilo que espera do programa de intervenção precoce. Os aspectos sobre os quais, de acordo com a investigação, as famílias desejam ser melhor informadas são: (i) o problema ou a deficiência do seu filho, (ii) o desenvolvimento da criança, incluindo aquilo que ele, tendo em conta a sua idade, já devia ser capaz de fazer e aquilo que deverá conseguir fazer a curto prazo, (iii) os recursos disponíveis, actualmente e no futuro, e (iv) as actividades a desenvolver com a criança, bem como a forma de lidar com ela (McWilliam, 2003).

Na opinião de Bailey e Powel (2005), a informação tem o potencial de modificar as dinâmicas do poder e sem ela a primazia das famílias no que diz respeito à decisão, limita-se a ser legalista e burocrática. A família tem o direito de ser, desde o início, informada sobre todas as opções que existem disponíveis na comunidade, em termos de serviços e de recursos, para resolver o problema de seu filho, assim como, sobre tudo aquilo que o serviço de intervenção precoce lhe pode, ou não, proporcionar, de forma a poder optar pela solução que considerar mais adequada. Tem ainda o direito de receber informação sobre as competências e as necessidades específicas da criança e de ter acesso a todos os registos, documentos e relatórios existentes. A forma e a extensão da informação que é proporcionada às famílias é, portanto, uma componente essencial e que define, desde logo, o perfil de um serviço de intervenção precoce.

A questão da confidencialidade é outro aspecto fundamental. No decorrer da intervenção a família partilha muita informação e muitos aspectos da sua vida com o profissional. Para que exista confiança na relação é fundamental que este lhe assegure a confidencialidade dessa partilha, é um dever do técnico e um direito da

família. Essa informação só pode ser partilhada com terceiros com conhecimento e autorização expressa da família.

O respeito pela autonomia e pelas decisões da família é, também, uma questão- chave numa intervenção centrada na família, e das mais difíceis de concretizar pelos profissionais. A família deve ter poder de decisão sobre todas as opções, em termos médicos, educacionais ou sociais, que se colocarem em relação ao seu filho e a si própria. Mesmo no que diz respeito ao seu grau de envolvimento no programa de intervenção precoce, é a ela que compete ter a última palavra. Algumas famílias, por exemplo, podem preferir que seja o profissional a conduzir o processo, e isso deve ser respeitado, sem que se façam juízos de valor. Como referem Thurman e Widerstrom (1990, cit. Thurman, 1993) o importante aqui é ter a certeza de que foi a família que tomou esta decisão e não o profissional que tinha, a priori, a expectativa de ser ele a controlar o processo e não criou o espaço suficiente para que a família fosse capaz de o assumir. Esta fronteira é ténue e, frequentemente, os próprios profissionais não têm consciência da forma como conduzem estas questões. Na intervenção centrada na família, tal como salientam Trivette e Dunst (2000b), tão importante é o que é feito como a forma como é conduzida a intervenção.

O relacionamento família-profissional é uma questão com uma importância relevante no desenvolvimento de programas de intervenção precoce. Turnbull, Turbiville e Turnbull (2000) propõem quatro modelos de relação família-profissional baseados no equilíbrio de forças que essa relação pressupõe: (i) o aconselhamento/psicoterapia aos pais, (ii) o envolvimento da família/treino de competências dos pais, (iii) o centrado na família, e (iv) o fortalecimento colectivo. Embora se possa reconhecer uma evolução em termos temporais nestes diferentes tipos de relacionamento, os autores chamam a atenção para o facto de eles não serem estáticos, nem mutuamente exclusivos. Podemos hoje encontrar qualquer um deles em diversas intervenções e podemos mesmo encontrá-los em diferentes momentos de uma mesma intervenção. Os autores consideram-nos como uma evolução ao longo de um continuum de poder, que está exemplificado na figura 17.

O modelo de aconselhamento/psicoterapia insere-se dentro de um quadro de referência psicanalítico, em que o profissional surge como o especialista que tem poder absoluto a nível do diagnóstico e da prescrição do tratamento. A intervenção do especialista incide essencialmente nos pais, com o objectivo de os ajudar a ultrapassar o choque causado pelo problema do seu filho. Turnbull, Turbiville e Turnbull (2000) designam este tipo de poder na relação pais-profissionais como um

poder sobre, com os profissionais a exercerem poder sobre as decisões, a

comunicação, os recursos e os resultados do programa.

Figura 17 – Tipos de relação de poder pais-profissionais e modelos de intervenção segundo Turnbull, Turbiville e Turnbull (2000)

O modelo de envolvimento da família/treino de competências dos pais, tem algumas semelhanças com o utilizado nos programas de educação compensatória, sendo, no entanto, ainda um modelo deficitário, visto que encara os pais como não tendo as competências necessárias para estimular adequadamente os seus filhos e necessitando de ser ensinados pelos profissionais para poderem, por sua vez, ensinar os seus filhos (Turnbull, Turbiville & Turnbull, 2000; Zigler & Berman, 1983). De acordo com a terminologia de Turnbull, Turbiville e Turnbull (2000), o tipo de relação pais- profissionais é ainda uma relação de poder sobre, que se traduz no poder dos profissionais sobre a família, pois são eles quem delineia o programa e decide qual o tipo de intervenção que os pais vão desenvolver com os seus filhos. Espera-se que, um aumento na quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido por estes se traduza num aumento de competências da criança. O objectivo final é, portanto, focado unicamente em ganhos a nível da criança, sem haver qualquer preocupação com a obtenção de resultados positivos para o conjunto da família. Este modelo, como atrás já vimos, tem sido contestado por ser um modelo paternalista, ao desvalorizar a competência dos pais, tornando-os como que um “instrumento” dos técnicos no desenvolvimento do programa educativo.

O modelo centrado na família, surge com a valorização crescente do papel da família, resultante de uma compreensão bioecológica e sistémica do desenvolvimento. Este modelo reconhece que as relações entre a família nuclear, a família alargada e a comunidade, afectam o funcionamento da família e o desenvolvimento da criança, e tem, como objectivo último, promover o bem-estar da unidade familiar (Bailey &

1950s – 1960s 1960s – 1970s 1980s A partir de 1990s

Modelos

Aconselhamento/

psicoterapia Treino de pais

Centrado na família Fortalecimento Colectivo Tipo de Poder Poder sobre Poder com Poder através de

McWilliam, 1993). O tipo de relação família-profissional que aqui se defende, é a relação de parceria, uma relação de poder com, na terminologia de Turnbull, Turbiville e Turnbull (2000): a família e os profissionais partilham o poder, cabendo à família o poder de decisão. O objectivo final do programa é a promoção do desenvolvimento da criança e o aumento das capacidades da família e do seu sentimento de auto- competência, de forma a que se torne autónoma, isto é, capaz de lidar por si só com os seus problemas e os da criança. Como os autores reconhecem, é uma mudança que tem sido difícil para muitos profissionais e que, também, põe problemas às famílias, o que leva a que nem sempre se consiga concretizar.

O modelo de fortalecimento colectivo, é o modelo que Turnbull, Turbiville e Turnbull (2000) propõem para o sec. XXI e que vai alargar o modelo centrado na família. Parte do conceito de fortalecimento1 (empowerment) que tem sido utilizado em diferentes disciplinas da sociologia, à psicologia e ao serviço social, e que, como anteriormente referimos, Dunst (1985) aplicou à intervenção precoce referenciando-o à família. No modelo de fortalecimento colectivo o conceito de fortalecimento preconiza um tipo de relação família-profissionais envolvendo a comunidade, baseado naquilo que os autores designam como poder sinergético: a colaboração entre os vários elementos cria o seu próprio poder que se irradia sinergeticamente através dos contextos ecológicos da comunidade. O programa de intervenção precoce vai resultar desta sinergia de esforços da família, dos profissionais e dos elementos da comunidade. Todas as forças e recursos são envolvidos na persecução de um objectivo comum e enfatizam-se as respostas criativas e inovadoras. Enquanto que no modelo centrado na família, o papel dos profissionais é o de capacitar a família com vista ao seu fortalecimento, pressupondo uma maior competência da parte dos primeiros, neste modelo estão todos em pé de igualdade, família, profissionais e comunidade, desenvolvem um processo conjunto de capacitação e fortalecimento. A família e os profissionais aumentam a sua capacidade e mestria relativamente aos recursos necessários para alcançar os objectivos desejados, enquanto que a comunidade se torna mais atenta e responsiva.

Como pressupostos, o modelo de fortalecimento colectivo adiciona, aos do modelo centrado na família, o acesso aos recursos (com ênfase nos informais, que todos devem conhecer e ser capazes de mobilizar), a participação (papel e poder de decisão igual entre todos os participantes, inclusive em termos numéricos, poder da família para decidir a sua forma de participação) e a mudança na ecologia da comunidade (as necessidades são vistas aos quatro níveis do contexto ecológico: micro, meso, exo e

1

macrossistema). O papel do profissional é o de facilitador, coaborador ou parceiro e, para as famílias, o modelo de fortalecimento colectivo ocorre, quando deixa de existir o “eles” e o “nós”. Os recursos e a criatividade são postos em comum e os resultados alcançados em conjunto. Neste sentido, a verdadeira sinergia acontece quando a família se sente apreciada pelos profissionais e os profissionais apreciados pela família. Os resultados esperados incluem: a sinergia (a eficácia do conjunto é maior do que a de cada uma das partes), o acesso a recursos novos e renováveis (criados e recriados constantemente através da interacção e sinergia do conjunto de participantes) e o aumento de satisfação de todos os participantes (os indivíduos sentem-se capazes de responder às suas necessidades e mais autosuficientes).

Neste modelo estamos próximos da abordagem centrada nos recursos que Trivette, Dunst e Deal (1997) contrapõem à tradicional abordagem centrada nos serviços, que analisámos no capítulo anterior. Estes autores, como vimos, defendem uma intervenção que, para além de utilizar recursos formais, recorre também ao leque de apoios e recursos da comunidade, os chamados recursos informais. Chamam a atenção para o facto dos recursos informais serem renováveis e estarem em expansão constante, enquanto que os recursos formais tendem a ser limitados e insuficientes. O recurso aos primeiros tem ainda a vantagem de facilitar a inclusão da criança e da família e de ser o género de recursos preferido pelas famílias (Bailey, 1994). Shonkoff e Phillips (2000) chamam ainda a atenção para a mais-valia que advém do carácter não estigmatizante de uma intervenção desenvolvida nos ambientes naturais da comunidade e da proximidade física e psicológica dos locais de vida das crianças e famílias. Uma abordagem deste tipo, mais abrangente, que corresponde já à designação de intervenção centrada na família e na comunidade, tem-se mostrado, tanto do ponto de vista da prática, como pelos resultados da pesquisa, mais capaz de responder às necessidades da criança e da família (Trivette, Dunst & Deal, 1997).

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