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AS DINÂMICAS TERRITORIAIS NA ECONOMIA GLOBAL E OS DESAFIOS AO

O alastramento da economia capitalista internacionalizada foi marcado, ao longo do século XX, por movimentos de crise e reestruturação, os quais têm provocado impactos perceptíveis, sobretudo pelas marcantes diferenças territoriais ao redor do mundo. A partir do pós-guerra, iniciou-se o movimento de internacionalização da economia, juntamente com o crescimento dos fluxos financeiros, a transnacionalização de empresas corporativas. Os movimentos oscilatórios da economia mundial apresentam-se conectados, cada vez mais, ao jogo que relaciona a incorporação de inovações tecnológicas pelos meios de produção industrial face às relações de mercado. Essas configurações, por sua vez, acabam

determinando movimentos que provocam interferências diretas sobre a base física e os processos culturais do território.

Mesmo referindo-se à experiência francesa, Topalov (1988, pg. 14) descreve um momento de transição mundial distintivo e algumas de suas decorrências urbanas e sociais, as quais puderam também ser observadas em diversos outros contextos ao redor do mundo e em outros momentos.

A depressão industrial foi acompanhada de uma brusca interrupção do crescimento urbano e da modificação de suas formas. Não apenas desmoronam as regiões industriais tradicionais já em declínio, como também entraram bruscamente em crise os complexos industriais ultra-modernos recém e massivamente implantados [...] As grandes operações de urbanismo entraram em falência, e foram interrompidas ou desaceleradas. As cidades novas e os grandes conjuntos habitacionais cederam lugar à construção difusa de moradias individuais em periferias distantes, as renovações urbanas à rehabilitação, principalmente especulativa, do habitat existente. [...] Ao mesmo tempo, os movimentos sociais que tinham se desenvolvido na década precedente contra os efeitos da urbanização acelerada se enfraqueceram.

A depressão industrial, a que Topalov se refere, decorreu da crise de acumulação nas economias capitalistas, na década de 1970 nos países considerados de primeiro mundo. Esse processo, por sua vez, implicou em novos arranjos institucionais e espaciais. As escalas foram reconfiguradas a partir da desconstrução do Estado nacional e a constituição de discursos ideológicos que defendiam a flexibilização da produção, a “modernização” e o enxugamento da estrutura estatal, a descentralização dos mecanismos regulatórios e as privatizações de setores, antes estatais. A busca por zonas monetárias favoráveis, de baixos salários e de trabalho semi-qualificado, favoreceu a internacionalização de empresas americanas e européias, juntamente ao desentrave dos mecanismos de regulação sobre a livre circulação dos fluxos financeiros e de controle fiscal, mudando a ênfase da produção de mercadorias para a especulação financeira. Esses novos arranjos, por sua vez, provocaram mudanças espaciais, que geraram novas reflexões acerca da questão urbana e regional (FERNANDES, 2001).

Na seqüência, a partir dos anos de 1980, Sassen (1998) atentava ao reposicionamento político do papel das cidades, na nova fase dos mercados transnacionais. O que ela denominou de cidades globais teriam função estratégica na economia mundial, promovidas pela dispersão e integração global, mediante concentração e controle econômico e da propriedade. Uma geografia da centralidade estaria sendo produzida pela nova economia urbana (das corporações e sua cultura transnacional), sob a lógica da

produtividade econômica urbana, a qual por sua vez gerava competição entre cidades para acessar os mercados globais, em termos de recursos, atividades e investimentos. Assim, algumas cidades não se tornaram obsoletas pela dispersão geográfica promovida pelos avanços tecnológicos. Ao contrário, criou-se a necessidade de expansão, de controle e de gerenciamento central, através da concentração da produção pré e pós-industrial, do setor financeiro e dos mercados multinacionais, onde se adquirem instrumentos financeiros e serviços especializados.

Esse sistema urbano, que opera em níveis regionais, globais e transnacionais, co- existe com a permanência dos Estados-Nação, com formatos diferenciados para os países ricos e pobres, cabendo a esses últimos o papel de zonas de processamento industrial, ao passo que a produção pré e pós-industrial, como já mencionado, estaria reservada aos primeiros.

A lógica que busca as localizações que possam oferecer as melhores vantagens competitivas aos interesses de mercado (zonas monetárias favoráveis, de baixos salários e de trabalho semi-qualificado, flexibilização de restrições trabalhistas, fiscais, urbanas e ambientais) tem provocado a proliferação de problemas ambientais transfronteriços31, a exportação de males ambientais a países pobres, bem como o agravamento de tensões e conflitos sociais que dificultam o fortalecimento de práticas e políticas territoriais, provenientes dos e orientadas aos interesses coletivos.

A complexidade das transações internacionais na nova economia urbana prescinde da atuação em diversas escalas, o que tem levado à interpretação por parte de diversos autores, que as escalas espaciais não são fixas, mas são redefinidas de acordo com os interesses em jogo. Essas dinâmicas refletem as próprias lutas sociais por poder e controle que se dão através do e no espaço. As configurações de escala espacial refletem, segundo Swyngedouw (1977, p. 40),

o movimento perpétuo do fluxo das dinâmicas socio-espaciais [...] Escalas espaciais nunca são fixas, mas são infinitamente redefinidas, contestadas e reestruturadas em termos de sua extensão, conteúdo, importância relativa e inter-relações [...] Claramente, posições relativas de poder social variarão dependendo de quem controla o que em que escala [...] Em outras palavras,

escala espacial é o que precisa ser entendido como algo que é produzido; um

processo que é sempre profundamente heterogêneo, conflituoso e contestado. A

escala torna-se a arena e o momento, ambos discursiva e materialmente, aonde as relações de poder socio-espaciais são contestadas e acordos negociados e

31 Como observado no episódio que gerou a convocação da ONU para a Conferência de Estocolmo, que partiu da representação sueca a qual trouxe à baila o debate acerca dos efeitos contraproducentes da poluição, como a chuva ácida, por exemplo.

regulados. Escala, portanto, é resultado e conseqüência da luta social por poder e controle. [sem grifos no original] (traduzido pela autora)

A percepção escalar torna-se importante para que detectemos, com clareza, por quais caminhos as dinâmicas do poder se efetuam e a quem envolvem. Análises sócio- espaciais, que privilegiam unicamente uma dada escala como ponto de partida, segundo o autor, estão fadadas ao fracasso, pois perdem de vista aonde e como o atual jogo econômico-financeiro efetiva sua força. O poder de agentes hegemônicos, bem como os de resistência, estaria na associação trans-escalar de interesses comuns, solidários ou complementares.

A própria menção de uma escala em detrimento de outra, e em que momento, pode sinalizar embates discursivos que denotam lutas por poder. As construções discursivas que salientam visões estanques entre “local” e “global” são recorrentemente utilizadas para associar valores negativos e positivos, respectivamente, quanto à capacidade de atuação orientada à boa governança e ao adequado planejamento territorial. Essa elaboração pode servir, então, para justificar a atuação e a imposição de exigências por parte de agentes hegemônicos.

As implicações territoriais dessas mudanças econômicas, políticas e sociais em âmbito global podem ser apreendidas através de Santos e Silveira (2001, pg. 11), os quais afirmam que o “espaço geográfico se define como união indissolúvel de sistemas de objetos e sistemas de ações, e suas formas híbridas, as técnicas [...] que nos indicam como o território é usado: como, onde, por quem, por que, para que”. Enfatizando o entendimento de técnica, tal como disposto acima, e a idéia de sistemas técnicos como o conjunto de objetos e formas de fazer e regular, os autores elaboram uma espécie de história do território através da análise da sucessão dos meios que esses sistemas acabam por produzir, a saber: meio natural; meio técnico e meio técnico-científico-informacional.

Os sistemas técnicos eleitos em diferentes momentos históricos são postos em relação, não só em sua condição objetiva e material, mas principalmente aos modos de organização e regulação a eles associados. Fatores esses que acabam por determinar uma territorialização das atividades humanas, que favorece ou não determinadas localidades dependendo de sua fluidez e agilidade em atender as exigências de determinada época.

Desta maneira, há como observar o desenrolar de dinâmicas que ocorrem mediante as inserções e transformações de sistemas técnicos nas localidades, a fim de perceber os movimentos conjuntos e de partes, os quais originam diversas temporalidades e

territorialidades que interagem entre si, ao mesmo tempo sendo constituído pelo e constituindo o todo. Considera-se então o território em seu papel ativo, não como cenário, mas como ator (SANTOS; SILVEIRA, 2001, pg. 20).

Sob este olhar, acreditamos tornar-se possível uma percepção contextualizada que caracteriza a especificidade brasileira, sem perder de vista suas inter-relações com os processos que ocorrem no mundo ou de variáveis relevantes que engendram as transformações territoriais. Reafirmamos, portanto, a necessidade de uma análise não- dicotômica das relações sócio-espaciais, as quais poderiam ser interpretadas como uma teia, aonde as tensões, contradições e conflitos podem ser associados aos nós, que explicitam a rede de inter-relações, que conectam ocorrências aparentemente distintas, entendidas como fatos isolados32.

Da visão do território sob a influência da sucessão de sistemas técnicos, também decorre uma análise que explicita a dinâmica territorial de cidades-mercadoria em âmbito global. Santos e Silveira (2001, pg. 293) nos explicam que as relações que movem o mercado global de cidades não ocorrem de forma aleatória, mas seguem uma lógica caracterizada pela atividade produtiva das corporações e conglomerados empresariais A partir da escolha estratégica, que loca e distribui pontos de interesse, facilitando a operacionalização de suas atividades, essa racionalidade produtiva sempre visa a uma posição competitivamente vantajosa no mercado global.

Quanto mais atributos técnicos e políticos fornecidos pelas localidades (capacidade de centralizar e emitir comandos normativos, financeiros, logísticos e informacionais), maior passa a ser sua atratividade. Acentua-se, assim, a competição e a diferença entre localidades aprofundando a fragmentação sócio-espacial, desestimulando a conformação de articulações cuja base provenha de processos participativos e inclusivos. A máxima que busca a atração por investimentos, como prioridade primeira, ofusca os interesses coletivos em prol daqueles corporativos. Esse fenômeno tem acirrado a competitividade e as desigualdades entre cidades, criando um mercado global de cidades, no qual a sustentabilidade urbana também tem figurado como meta a ser atingida (SÁNCHEZ, 2001a). Portanto, não é mais somente o solo urbano que é alçado à categoria de mercadoria, mas a cidade como um todo.

32 Um caso dessas visões estanques pode ser observado, por exemplo, nos discursos que tentam pregar a existência de modelos únicos e ideais de desenvolvimento, os quais fariam parte do knowhow de um rol de peritos associados a agentes hegemônicos - tais como as agências de fomento multilaterais -, a serem aplicados às realidades dos países pobres (MOURA, 2001, 1999) (FUJITA, 2003). Essa forma de pensar nos parece perigosa, pois pode incentivar a adoção de modelos estrangeiros sem a devida reflexão com referência às especificidades próprias de cada lugar.

Estas estratégias, associadas à emergência das cidades-mercadoria, buscam atingir competitivamente um mercado global de cidades. Esse processo passa a ser fomentado por uma rede de fluxos informacionais, da qual fazem parte as agências supra-nacionais de cooperação multilateral, determinados grupos técnicos de planejadores-consultores e investidores internacionais. O estudo de Sánchez (2001, pg. 351) aponta para as ações dos agentes hegemônicos com vistas à manutenção do paradigma dominante, que acaba por produzir conseqüências problemáticas, as quais explicitam contradições e conflitos que comprometem sua própria validação como modelo. A autora cita alguns aspectos desses problemas:

a atualização técnica do território para o crescimento e para a geração de empregos como uma armadilha que traz ganhos efetivos apenas para alguns segmentos empresariais, as operações urbanísticas para o renascimento da cidade como máscaras para os grandes negócios imobiliários que produzem o encarecimento do solo urbano e a gentrificação33 dos espaços urbanos, a cultura

como mercadoria, a participação consensuada como o esvaziamento da política e o desprezo pela cidadania substantiva e a construção da cidade sustentável como um atributo simbólico adicional para o empresariamento das cidades.

Esta comodificação exacerbada promove uma distorção com relação ao fator essencial que move as questões da urbanização, o processo social que comanda os usos e transformações do território. A priorização de projetos urbanísticos, que encaram a organização de elementos ou conjuntos edificados como meras mercadorias a serem consumidas por públicos especializados a fim de promover a conversão e a acumulação de fluxos financeiros, ignoram a sociedade como um todo. Consequentemente, não dão conta da dinâmica territorial decorrente dos movimentos desse conjunto. Melhoramentos urbanísticos de caráter excludente, como eram ainda no começo do século XX no Brasil, inserem-se na dinâmica de valorização locacional do solo urbano, de modo que acirram tanto as carências gerais de uma maioria excluída quanto tensões sociais e pressões sobre o meio ambiente, tal como discutido na seção anterior.

As considerações para com os efeitos que as escolhas estratégicas operam na configuração espacial e socioeconômica de contextos locais, nos quais partes da estrutura produtiva trans-nacional operam, passam então a ser de menor importância. Como descrito abaixo (SANTOS; SILVEIRA, 2001, pg. 293)

33 Segundo Arantes (2000, pg. 31), o termo decorre do inglês gentry, classe de boa reputação, requalificação espacial e social que promova o retorno das camadas afluentes a determinados locais das cidades.

A presença numa localidade de uma grande empresa global incide sobre a equação do emprego, a estrutura do consumo consumptivo e do consumo produtivo, o uso das infra-estruturas materiais e sociais, a composição dos orçamentos públicos, a estrutura do gasto público e o comportamento das outras empresas, sem falar na própria imagem do lugar e no impacto sobre os comportamentos individuais e coletivos, isto é sobre a ética. Acrescentem-se a tudo isso as inflexões exigidas da política nos planos federal, estadual e municipal para atender às necessidades de instalação, permanência e desenvolvimento das empresas.

Inscreve-se neste debate a noção de divisão territorial do trabalho e de círculos de cooperação, mediante as preocupações relativas à conectividade entre os pontos de interesse logísticos e mercadológicos. Considera-se o

conjunto do fenômeno como um trabalho ‘coletivo’ do território, formando

clusters, que demarcam as conexões entre divisões do trabalho concorrentes e

complementares. Vistas num dado momento de seu funcionamento e de sua evolução, elas aparecem como complementares; olhadas em sua dinâmica, são concorrentes [...] Quando tomamos este como uma totalidade, chegamos à conclusão de que os circuitos de cooperação são também circuitos de competição, o que conduz à questão explicativa maior de saber quem, em determinadas circunstâncias, regula quem (SANTOS; SILVEIRA, 2001, pg. 290)

As transformações no modo de produção, organizadas e regidas pelo sistema de

clusters competitivos-corporativos, provocam uma ampliação transnacional dos contextos

de atuação, conectando as localidades mais produtivas. Clusters são arranjos produtivos entre empresas que realizam atividades produtivas vinculadas entre si, dentro de uma determinada cadeia de produção. Em geral, são compostas por empresas de diferentes portes. O fator locacional (proximidade) nem sempre é um aspecto determinante na junção desses clusters, mas sim a busca pelas melhores vantagens competitivas de mercado. Investimentos em logística e meios de comunicação promovem a inter-conexão dessas empresas. Assim, os clusters configuram-se como pontes trans-escalares, que são fatores cruciais que geram o poder de efetivação produtiva dessas corporações no sistema político- econômico vigente.

Sassen (2001) sumariza que, na América Latina, houve diversos impactos decorrentes desta dinâmica econômica transnacional, tais como: (i) surgimento de novos pólos de crescimento fora das aglomerações urbanas e aumento das aglomerações primaciais; (ii) fortalecimento de ligações dos centros financeiros e comerciais de regiões com mercados globais; (iii) aumento da desigualdade interurbana; e (iv) desconexão regional, o que contradiz a idéia de que esses sistemas promovem a integração territorial

das economias regionais e nacionais. Em países como o Brasil, as forças incidentes sobre o todo e as partes do território geram um fenômeno muito dinâmico, o qual propicia uma desestabilidade constante, de maneira a acirrar desigualdades, tensões e conflitos.

Segundo Fernandes (2001), o entendimento do sistema centro-periferia foi substituído por outro multi-hierarquizado, aonde empresas corporativas foram se tornando transnacionais, impedindo que outros Estados-Nação fizessem o mesmo, estabilizando o sistema financeiro internacional e gerando a crise de emprego nos países de origem dessas grandes empresas.

Se antes era reconhecido o fosso centro-periferia entre nações, a desestruturação das escalas, que favorece a fluidez do capital, tem produzido uma nova geografia dos centros e das margens, gerando as ilhas de riqueza nos mares de pobreza. Essa surge reproduzida simultaneamente em diversas escalas - global, nacional, regional, municipal e intra-urbana-, a depender também de que aspectos produtivos estejam sendo levados em consideração.

A noção do sistema multi-hierarquizado, segundo a lógica do mercado transnacional, nos parece pertinente, sobretudo para compreender as transformações territoriais, urbanas e ambientais, que têm ocorrido na fronteira agrícola, como veremos mais adiante no caso do Oeste Catarinense. Ademais, atentamos ao fato que quando nos referimos à noção de pobreza, podemos significá-la como toda a sorte de mazelas sociais, ambientais, urbanas e a própria incipiência do processo político. Essa última, então, presente em contextos cujas esferas democráticas encontram-se restritas e tomadas pela inércia. A pobreza e demais problemas sócio-espaciais não são gerados por si mesmos, ou somente pela população que sofre diretamente com suas conseqüências, mas são fruto das relações sociais e, mais especificamente, das relações de produção.

Os impactos territoriais da lógica liberal no estágio da economia globalizada, nos países pobres, foram inúmeros e têm deixado lugares, regiões e nações à mercê da desvalorização ou revalorização instantânea provocadas pelos movimentos das empresas, à medida que perseguem a expansão de mercado. A esfera nacional tem deixado a esfera local à sua própria sorte na negociação direta com os interesses de empresas transnacionais e de agências multi-laterais, ao retirar-se da arbitragem entre capital e trabalho e do controle sobre a livre circulação dos fluxos financeiros e da estabilização fiscal (FERNANDES, 2001).

A disseminação e a legitimação dos interesses do capital e da prática da competitividade (OLIVEIRA, 2001), usualmente, fazem-se presentes nas esferas locais

através da utilização das chantagens do emprego, do engodo da geração de tributos, do discurso técnico de peritos34 e, até, da noção de cidade global, empreendedora e sustentável (COMPANS, 2005, 2001).

As decorrências do jogo de mercado não são apenas resultados da pressão sócio- econômica, mas também são frutos de vontade política. Sob essa perspectiva, o poder do Estado seria importante, à medida que pudesse controlar o planejamento do território, ou em outras palavras, determinar os principais investimentos para a organização do espaço, os quais se efetivam por meio de uma série de regulamentos (SANTOS, 2005, pg. 116- 117). Outra orientação que consideramos necessária, referente ao papel do Estado, está vinculada à retomada da noção de bem comum e de espaço público destinado à coletividade como principal orientação das políticas públicas.

Todavia, no capitalismo monopolista, o poder público tem se tornado criador da escassez, estimulando a produção dos vazios urbanos, da especulação e da segregação sócio-espacial, agravando os problemas urbano-ambientais. Seja pela omissão de efetivas políticas urbanas redistributivas, ou pela ação, como no caso do BNH e dos Projetos CURA35, o poder público não tem conseguido minimizar as desigualdades sociais ou atuar sobre os problemas urbano-ambientais de modo eficaz. Em realidade, mediante o imperativo do mercado corporativo, muitas das soluções acabam transformando-se em nova fonte de problemas, já que estão inseridas em meio à mesma lógica dominante, favorecendo o interesse privado e acirrando as diferenças sociais e econômicas, como discutido anteriormente.

O espaço agrícola também sofreu violentamente o impacto das pressões corporativas, pela falta de condições de manobra face à criação do mercado unificado baseado no monopólio e nas inovações técnicas, financeiras e organizacionais, sobretudo vindas do exterior. As remodelações que se impuseram, tanto no âmbito rural quanto urbano, trouxeram a realização do meio técnico-científico e mais recentemente, do informacional (SANTOS; SILVEIRA, 2001), marcado pela presença da ciência, da técnica

34 A livre circulação do capital através do globo necessita também da articulação e da legitimação de sistemas de peritos (consultores associados a organismos internacionais e agências multilaterais), supostamente detentores de conhecimentos avançados, desejáveis e neutros, para que operações - inclusive urbanas e ambientais - possam ser realizadas em determinados contextos. Toda a condição que se opõe a esse contexto chamado de business friendly, passa a ser entendida como um risco e uma ameaça ao crescimento e à inserção competitiva de determinada localidade ou país no mercado global (FUJITA, 2003).

35 O BNH (Banco Nacional da Habitação) e os Projetos CURA (Comunidades Urbanas para Recuperação