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1.2 FENÔMENO DA URBANIZAÇÃO

1.2.1 Quarto Período (1945-1964): Crescimento Urbano

O quarto período engloba o segundo pós-Guerra até o golpe militar de 1964, correspondendo à fase nacional-desenvolvimentista e à expansão da base territorial da economia. A partir de 1950, a postura tecnocrática predominava na formulação da questão urbana a serviço do nacional-desenvolvimentismo. O projeto de constituição da nação deslocava-se para o eixo econômico, como visto anteriormente. Essa ideologia conseguiu articular tal projeto mediante uma prática de modernização acelerada, baseada na internacionalização da economia e tendo na sociologia um dos campos importantes para o desenvolvimento dessas idéias.

Ribeiro e Cardoso (1996) mencionam o advento das teorias da marginalidade, que afirmavam uma concepção dualista da sociedade, onde, além da oposição campo-cidade, a qual se associou à dualidade tradicional-moderno, também reforçava uma oposição no interior das cidades, entre os integrados e os marginais. Tais teorias tendiam a ressaltar que a insuficiência de mão-de-obra, exigida pelos novos padrões urbano-industriais de

desenvolvimento, aliava-se à incapacidade dos migrantes em adequar-se ao modo de vida urbano, formando assim um círculo vicioso que reproduzia a marginalidade. Esse fenômeno foi denominado de urbanização sóciopática. Os autores ressaltam uma tendência anti-urbana como substrato dessas interpretações, expressas em noções tais como: inchaço das cidades, megaencefalia urbana, migrações desordenadas, congestão etc.

Por outro lado, assumiu-se que a constituição da nacionalidade deixava, definitivamente, de ser buscada numa essência rural, para ser valorizada uma perspectiva industrial e modernizadora, considerada como a redenção do país, fórmula para a superação do atraso. O nacional-desenvolvimentismo, em sua feição mais radical, iria levar adiante essa concepção ao postular um dualismo estrutural, oriundo da condição colonial da nação16.

As forças que influenciaram tal atraso foram consideradas tanto a dominação estrangeira como seus aliados, a saber, as oligarquias rurais. Nesse sentido, a constituição da nacionalidade passava necessariamente pela modernização, que implicava a urbanização. Essa permitiria romper com as visões localistas prevalecentes nos pequenos povoamentos do interior, desenvolvendo-se com base em uma percepção social identificada com o nacionalismo (RIBEIRO; CARDOSO, 1996). Em Chapecó, esse embate expressou-se nos conflitos políticos entre a elite vinculada à atividade madeireira e a classe empresarial que começava a investir na atividade agroindustrial.

Leme (1999, pg. 31-35), por sua vez, percebe nestas tensões dualistas o incremento das discussões acerca dos planos regionais, com vistas a enfrentar a corrente migratória do campo para a cidade, a crescente urbanização e as problemáticas advindas desse fenômeno. A temática regional apareceu, de maneira mais expressiva, após a Segunda Guerra Mundial como objeto de planejamento e intervenção17.

16 Como se pode depreender da análise das obras de Roland Corbisier, em Diniz Filho e Carvalho Bessa citados por Ribeiro e Cardoso (1996).

17 Em diversas épocas, questões inerentes à supremacia e hierarquia entre cidades (redes e hierarquias urbanas) alimentaram fatos históricos. Fatores ligados à constituição identitária de grupos sociais e sua relação com determinados lugares também podem ser fatores determinantes no estabelecimento de redes urbanas. Como nenhuma cidade pode ser tomada como uma unidade totalmente isolada, sempre haverá relações interagentes entre elas, seja sob um aspecto concorrente ou complementar. Um conjunto de cidades pode configurar redes em quadros diversos, os quais podem também se sobrepor, dependendo da caracterização ou interesse em jogo. Segundo Pelletier e Delfante (1997, pg. 111), a hierarquia “não decorre somente do domínio científico e político, logo das elites, mas também diz respeito às mentalidades coletivas”. Desde meados do século passado desenvolveram-se diversos métodos de hierarquização urbana, de acordo com determinados critérios, tais como: população, função político-administrativa e irradiação econômica. Foram classificados tipos de redes hierárquicas, observados aspectos espaciais das redes urbanas e formuladas teorias, visando também à elaboração de políticas para as mesmas (PELLETIER; DELFANTE,1997, pg. 111-125).

Segundo a autora, a década de 1950 consistiu em um momento de transformações significativas no campo dos estudos urbanos no Brasil, por conta da emergência de novos temas, novos métodos e da participação de profissionais advindos de outras áreas do conhecimento. Percebe-se a configuração de uma nova divisão profissional organizada por classes.

Os quadros das prefeituras foram preenchidos por profissionais formados pelas escolas de engenharia. Esses foram os primeiros a trabalharem em equipes multidisciplinares, que formularam planos diretores e aprofundaram questões relativas ao zoneamento e às proposições legislativas correspondentes, formaram os primeiros departamentos de urbanismo nas municipalidades e defenderam a separação entre os cursos de engenharia e arquitetura, além da criação de cursos de especialização em urbanismo (LEME, 1999, pg. 31-35).

Feldman, citada por Leme (1999, pg. 32), salienta que a construção da legislação urbanística de zoneamento, como a de São Paulo, por exemplo, conformou-se como saber codificado entendido por tais profissionais e foi instigado por demandas de “interesses pontuais de proteção de qualidade ambiental e de valores imobiliários no quadrante sudoeste, a parte mais valorizada da cidade de São Paulo”. Ribeiro e Cardoso (1996) identificam que já na década de 50 percebia-se que a relação dos planos com a regulação pública não estava sendo efetivada. Os planos produziram normas que não estavam sendo cumpridas favorecendo, assim, o alastramento de problemas que tentavam combater. Foi somente neste contexto que a importância dada à questão urbana no país veio a surgir, segundo eles.

Como dito anteriormente, os mecanismos de conversão de capital, viabilizados a partir de normas técnicas associadas ao urbanismo e à produção do solo urbano, foram e continuam sendo a principal mola propulsora do crescimento urbano e da geração dos problemas urbano-ambientais.

O grupo de urbanistas que se formou a partir do Padre Lebret e o escritório da SAGMACS, composto por diversas formações disciplinares – como arquitetos, engenheiros, sociólogos e economistas -, projetava expectativas de transformação social através do trabalho profissional. A inserção deste profissional ocorreu através dos escritórios de consultoria e do ingresso ao ensino nas universidades. Só a partir da década de 1970 é que passaram a integrar equipes em órgãos de planejamento municipal (LEME, 1999, pg. 32-35).

Este período também evidenciou o surgimento mais expressivo da classe média, diversificando a divisão social do trabalho em curso, fato que se refletiu na configuração do espaço, incrementando as propostas modernistas monofuncionalistas e as suas soluções suburbanas, tais como os locais de residência longe dos centros de produção e as propostas de “fuga da cidade”.

De acordo com Leite (2006, pg. 133), apesar do surgimento de defesas em prol de uma visão social dos espaços públicos18, o quadro geral que apontava para a rígida organização da paisagem calcada na verticalização e no adensamento sobre o lote não se alterou, mesmo que as estruturas de organização física e de serviços, baseadas nos conceitos de parcelamento e propriedade, já se apresentassem deficitários.

Em 1960, a capital do Brasil se transferiu para Brasília e, a partir de 1964, com o golpe e a ditadura militar, as práticas no campo do planejamento territorial se modificaram consideravelmente, marcadas principalmente pela atuação da SERFHAU19, a qual instaurou uma nova fase no planejamento urbano20.

Segundo Leme (1999, pg. 21), entre 1960 e 1985, configuraram-se duas linhas no debate urbano

Uma que se iniciou nos planos de melhoramento que, em seguida, se ampliaram para o conjunto da área urbana, para a aglomeração e receberam a denominação, já na década de 70, de planos diretores de desenvolvimento integrado. A outra linhagem é aquela que tem origem no movimento modernista e se difunde com os Congressos do CIAM. No Brasil a construção de Brasília será a ressonância principal deste movimento.

Tais linhagens, distintas em princípios e objetivos, englobaram saberes diferenciados e infiltraram-se também de forma diferente nas instituições de ensino e de classe, fazendo-se presentes em quase todas as escolas de arquitetura e urbanismo. Como crê a autora, essas correntes demarcaram e distanciaram duas trajetórias, que distinguiram o planejamento urbano do urbanismo modernista21.

18 Segundo a autora, defendida por: Burle Marx e sua intenção pedagógica em prol do nacionalismo e da natureza, sem furtar-se ao urbano; Roberto Coelho Cardoso, com a defesa dos espaços públicos na promoção do encontro das pessoas e do papel da vegetação como elemento de projeto para a estruturação dos espaços livres; Miranda Magnoli, Rosa Kliass e Fernando Chacel pela visão social dos espaços públicos.

19 Sigla de Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, criado pela Lei nº 4380 de 21/08/1964 (cap. VII, art. 54, item g).

20 Leme (1999, pg. 21) reconhece essa mudança e encerra a periodização de seu estudo, ao passo que Ribeiro e Cardoso (1996) realizam uma análise abrangendo o período entre 1950 até meados da década de 1990, dispondo as principais correntes acerca do debate urbano.

21 Esta avaliação faz-se congruente à distinção adotada, neste estudo, entre planejamento urbano e urbanismo, já explicitada anteriormente.

Assim, apreende-se que as diversas transformações ocorridas até a metade do século XX, como abordado no período anterior, forneceram as bases para um novo estágio que se iniciou em meados dos anos 60, com o golpe de Estado de 1964. O projeto nacional desenvolvimentista, de 1945 a 1964, correspondeu ao projeto da industrialização tardia e a expansão da base territorial da economia, mediante a inserção de infra-estrutura e a modernização e expansão da agricultura. A fase militar criou condições para a rápida integração do país, conjugada ao movimento de internacionalização, como dito, voltado à expansão de mercado e às demandas exteriores. Implantaram-se os grandes projetos orientados à exportação, em sua maioria de produtos do setor primário. O Estado autoritário serviu, então, aos interesses corporativos internacionais e à inserção na nova ordem econômica mundial.