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Segundo Período (1822-1930): Por Outro Projeto de Nação

2.2 MEIO AMBIENTE, SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

2.2.2 Segundo Período (1822-1930): Por Outro Projeto de Nação

Neste período, deteremos nosso olhar em um momento da história brasileira que consideramos singular, pois diz respeito às possibilidades de conformação de um projeto de nação associado a uma visão territorial que buscava equilibrar diferenças regionais e visualizava um Brasil mais independente de interesses hegemônicos estrangeiros. Consideramos importante abordar esses possíveis históricos, mesmo que não logrados, pois dizem respeito ao entendimento das relações de interesses e forças, que de alguma forma também explicam situações concretas e observáveis na realidade brasileira atual. Tal período ocorreu na transição do Segundo Reinado do Império para a Primeira República. Esse debate diz respeito à preocupação acerca da natureza no pensamento brasileiro, orientada para uma visão territorial de desenvolvimento.

Como pudemos apreender no capítulo anterior, embora a questão do planejamento nacional e do desenvolvimento de suas regiões tenha surgido explicitamente a partir da década de 1930, junto a um discurso nacionalista e modernizante, a visão de conjunto acerca do território nacional tem estado presente desde o final do período colonial, contrariamente à impressão generalizada. No Segundo Reinado do Império, preocupações acerca das problemáticas regionais já compunham um quadro de percepções sobre o conjunto e suas contradições (PEDRÃO, 2003, pg. 166-167).

Esta afirmação é reforçada por Pádua (1987) (2004), a partir de sua investigação acerca do pensamento político e da crítica ambiental no Brasil escravista. O autor já reconhece a ocorrência de uma reflexão consistente acerca do ambiente natural em pensadores que, entre 1786 e 1888, elaboraram uma produção intelectual considerável. O denominador teórico comum a todos se caracterizava por um viés antropocêntrico, político, cientificista e economicamente progressista, enraizado no ideário iluminista do século XVIII, embora houvesse certa diversidade de conteúdos em suas proposições. Esse pensamento foi incorporado através do trânsito luso-brasileiro68 de alguns intelectuais como José Bonifácio, Joaquim Nabuco e André Rebouças, dentre outros.

68 O autor identifica dois focos institucionais, como gênese desse grupo de autores: i) A Universidade de Coimbra, em sua fase que privilegiou a filosofia natural e a economia política (após 1772); e ii) a Academia

Entretanto, quando o autor menciona o fator político, esclarece que não se refere à reflexão sobre os “mecanismos de conquista e exercício de poder, mas sim ao sentido clássico de meditação e debate sobre a sobrevivência e o destino da comunidade política” (PÁDUA, 2004, pg. 13). Para alguns intelectuais, a natureza compunha um ideário que fazia parte de um projeto de nação, pois os recursos naturais possibilitariam o progresso do país, de maneira que seu uso deveria ser planejado cuidadosamente.

O conhecimento da natureza dar-se-ia pelo conhecimento científico, que possibilitaria a modernização tecnológica e operacional do sistema produtivo e das instituições sociais. Essa formulação caracterizava-se pelo predomínio de conhecimentos no campo da filosofia natural, do direito e da economia, além da postura pragmática e progressista derivada do Iluminismo Europeu. A concepção de progresso estava associada a essa visão, assim como o atraso e a degradação da natureza estavam relacionados às práticas tecnológicas e sociais rudimentares do colonialismo predatório. Portanto, a noção de natureza não estava influenciada, nessas visões, por concepções que assumiam valores intrínsecos, sejam estéticos, éticos ou espirituais.

Destaca-se a importância do legado teórico deixado por Bonifácio e alguns outros intelectuais abolicionistas, ao abordar um nexo causal entre a produção escravista e a destruição do ambiente natural. A escravidão impedia, na visão desses autores, o estabelecimento de uma dinâmica sócio-espacial mais equilibrada no país. Todavia, o viés predominante sempre era o desenvolvimentista, que continuou influenciando outras gerações de autores mesmo em meados do século XIX.

Pádua (1987, pg. 38-42) também investigou outros pensadores, partidários da corrente do abolicionismo monarquista, liberal e reformista do século XIX, que foram influenciados por José Bonifácio, tal como Joaquim Nabuco e André Rebouças. Eles apostavam no regime moderado da monarquia constitucional associada a reformas sociais bastante avançadas no âmbito da promoção da integração social e do combate ao escravismo e ao latifúndio improdutivo, por exemplo.

Na segunda metade do século XIX, em reação ao movimento romântico, houve a crescente valorização do cientificismo. No tocante à questão da natureza, o cientificismo no Brasil, de acordo com Pádua, expressou-se basicamente segundo duas posições, a saber: i) uma que concluía ser difícil o estabelecimento de uma civilização por essas terras,

Real das Ciências de Lisboa, fundada em 1779. Entre 1722 e 1822, 866 brasileiros formaram-se em Coimbra e dentre esses uma pequena parcela constituiu o primeiro grupo de intelectuais nascidos no país (PÁDUA, 2004, pg. 14).

devido à grandiosidade dos recursos naturais que aqui existiam e sua facilidade em obtê- los, na linha das teorias reducionistas de inferioridade racial e determinismo geográfico, que tentavam explicar as diferenças entre a cultura técnica européia em contraposição às etnias nativas; e ii) outra que procurar avaliar de modo mais realista o potencial nacional, mas reforçava o pessimismo com relação ao povo e à terra brasileira, dando como solução a adoção dos ideários pregados pela modernidade ocidental.

Há, nessas visões, uma postura eurocêntrica que associava tanto à terra quanto às populações nativas, a responsabilidade pelo insucesso presente ou futuro do Brasil, sem questionar a qualidade das relações econômico-produtivas e de poder que aqui se deram historicamente.

A abordagem cientificista influenciou também Nabuco e Rebouças, só que perpassando a crítica às dinâmicas sociais e políticas, bem como as formas predatórias de exploração da natureza. Ambos já relatavam no Brasil um diagnóstico ambiental pouco alentador, denunciando a baixa fertilidade de solos pelo descontrole e a decadência das monoculturas, bem como a expansão do desmatamento e da seca, desde a faixa litorânea até a fronteira amazônica, reconhecendo a pobre e descontínua articulação do território. A crítica feita por Nabuco e Rebouças, assim como por José Bonifácio, orientava-se segundo a crença no conhecimento científico, no crescimento industrial moderno e no desenvolvimento do livre comércio. Assim, a causa dos problemas ambientais estava, para eles, no fato dessa modernização não ter sido realizada nas práticas sociais e produtivas do período colonial (PÁDUA, 1987).

Em 1876, André Rebouças lançou a proposta da criação de parques nacionais no Brasil, inspirado no modelo norte-americano, mediante a argumentação do progresso associado à atividade turística e ao desenvolvimento das regiões. No plano intelectual e mesmo no ativismo público, a influência romântica, que permeou os inspiradores do movimento americano como Muir, Emerson e Thoreau, não esteve presente no caso brasileiro69. Nele, percebe-se um enfoque fisiocrata associado à prevalência de um modelo rural modernizado com vistas ao progresso, de postura claramente anti-urbana, mesmo que a Europa permanecesse como referência civilizatória (PÁDUA, 2004, pg. 18-19).

69 Segundo o autor, mesmo nas produções literárias de Gonçalves Dias, Bernardo Guimarães e José de Alencar, há um caráter “superficial do naturalismo romântico no Brasil” devido ao tom subjacente expresso nas obras, que coloca a destruição ambiental como um preço ao avanço civilizatório e que, mesmo como movimento cultural, não provocou mobilizações em defesa da destruição das reservas naturais do país (PÁDUA, 2004, pg. 18-25).

Os argumentos anti-urbanos não eram centrados, porém, nas problemáticas sociais e ambientais associadas à economia política liberal ou à crítica à modernidade industrial, mas nas mazelas sociais e na degradação do ambiente urbano em si mesmo, como se essas fossem qualidades inerentes às cidades70.

Esta “metacrítica do progresso”, como se refere Pádua, mesmo que produzida por uma dissidência minoritária da elite social brasileira, a qual desejava um desenvolvimento autônomo para seu local de origem, consistiu em uma crítica ao modelo técnico da matriz produtiva escravista calcada na grande lavoura e, por vezes, também serviu à defesa da independência e à recusa ao colonialismo. O progresso almejado deveria, então, ser atingido através da ciência, a qual evitaria a destruição do meio natural, promoveria a sua conservação e forneceria condições para o desenvolvimento do potencial econômico nacional.

Estas perspectivas com relação ao tema da natureza seriam uma dentre outras quatro grandes visões existentes à época no país, a saber (PÁDUA, 2004, pg. 27-28): i) desvalorização do meio natural através da indiferença pela sua destruição ou desqualificação ativa; ii) reconhecimento da grandeza do meio natural, porém considerando-o como um impeditivo ao desenvolvimento social humano; iii) enaltecimento à pujança do meio natural, aliado ao lamento acerca da destruição da natureza como um preço a ser pago em troca do progresso; e iv) louvor à natureza em termos abstratos e retóricos, ignorando o seu desaparecimento concreto, como comentado no período anterior.

Aquele projeto de progresso defendido por uma fração da elite brasileira não foi posto em prática e nem disseminado, seja em forma de políticas públicas efetivas ou como fonte de mobilização e ativismo social. Teorizações para explicar tal fato ainda não têm sido aprofundadas nos meios acadêmicos, pois remetem a questões complexas e bastante amplas. Entretanto, Pádua (2004, pg. 31-32) sugere alguns desses fatores, baseado em análises de outros autores bem como em observações de aceitação mais generalizada, os quais seriam: i) idéias representativas de um grupo extremamente minoritário em meio às elites socioeconômicas do país, as quais eram insensíveis às argumentações de tais autores, pois essas vinham de encontro a seus interesses (o modelo criticado sustentava a elite senhorial e a máquina do Estado); e ii) a inércia dos poderes públicos, face à configuração

70 No capítulo anterior, pudemos observar através de Ribeiro e Cardoso (1996) como essas posturas influenciaram a questão urbana no país.

dispersa do território, a escassez dos recursos financeiros e os interesses da Coroa, dificultando a implantação de mudanças referentes às relações de produção no país71.

Outro pensador crítico estudado por Pádua (1987, pg. 45) e influenciado pelo cientificismo do século XIX foi Euclides da Cunha. Esse escritor retratou as precárias condições da população carente associada à denúncia da destruição da terra brasileira. O projeto nacional de Euclides também assumia a luta pela civilização, como Nabuco e Rebouças. Muito embora Euclides já demonstrasse certo questionamento e desconfiança com relação à modernidade, sobretudo no tocante ao estilo de vida urbano e seu “ar de superficialidade”. O que ele defendia era uma integração nacional através da adoção da modernidade liberal, do conhecimento científico sobre o território do país, do aumento da produção através de técnicas industriais, da multiplicação de estradas, da difusão dos benefícios da educação, da saúde, enfim, de civilização às populações interioranas. Essa linha de pensamento fez-se presente nos argumentos daqueles que pensaram criticamente a natureza no Brasil, até início do século XX.

No período que vai até a Primeira Grande Guerra, no começo do século XX, ainda persistiram as posturas cientificistas acríticas, como comentado anteriormente. Também surgiram autores ufanistas, que traziam uma imagem otimista do país, em reação ao pessimismo dos escritores cientificistas, reacendendo a prática laudatória dos escritores românticos.

Em 1914, Alberto Torres lançou duas obras que tinham como tema a relação entre natureza e projeto nacional e que significaram a retomada do pensamento crítico sobre a natureza no país. Pádua (1987, pg. 48) aponta semelhanças com o conteúdo da crítica de José Bonifácio, tanto em termos de postura intelectual como na abordagem dos temas. A retomada, quase um século mais tarde, dos elementos críticos presentes na obra de José Bonifácio também sinalizou a persistência dos problemas sócio-ambientais no país.

Como Torres já havia vivenciado a frustração do projeto republicano de 1889, ele foi capaz de problematizar os projetos de civilização e de modernidade industrial, realizando uma análise da especificidade social e ambiental do Brasil perante o contexto mundial, de modo a ponderar sobre qual modelo de progresso nos serviria. Segundo Pádua, ainda naquela época, Torres havia formulado uma visão crítica com relação aos impactos sobre a terra e o trabalhador brasileiro provocados pela ação predatória colonial. Ele

71 As ponderações de Pádua nos parecem coerentes, pois vão ao encontro do estudo que fizemos acerca do processo de formação territorial brasileiro, realizado no primeiro capítulo deste trabalho.

também reconhecia a contradição da marcha civilizatória e desenvolvimentista, no fato dela contribuir para a extinção dos recursos finitos do planeta.

O projeto nacional de Torres calcava-se no fortalecimento de uma autonomia nacional, que concedesse benefícios à população e privilegiasse a conservação da natureza, a fim de que o país pudesse resistir ao assédio imperialista, que imporia aquele modelo de civilização criticado por ele. A validade do pensamento de Torres está menos no conteúdo de suas propostas para o país, as quais poderiam ser consideradas um tanto ingênuas aos olhos do presente e mais na qualidade de sua reflexão, que integrava a percepção da ação política e social e suas conseqüências para o território e a natureza. Desse modo, procurava evitar as conseqüências negativas vivenciadas nos países industrializados como, por exemplo, os impactos sociais e ambientais ocorridos pela forte migração campo-cidade. Mediante sua lógica de pensamento, a conservação da natureza e o investimento no trabalhador brasileiro colocariam o Brasil em vantagem nas novas relações internacionais que se configuravam naquele momento, diminuindo a dependência econômica de outros países. A defesa pela nação de caráter rural e a recusa da importação de uma indústria de base estava imbuída desse pensamento (PÁDUA, 1987).

No início do século XX, discussões em prol da elaboração do código florestal Brasileiro já haviam sido iniciadas. Em 1925, foi criado o Serviço Florestal Federal, o que deu novo impulso para a discussão do código (CUNHA; COELHO, 2005).