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AS DIVISAS NARRATIVAS E SUAS TEMÁTICAS CENTRAIS

2. EM CÂMARA LENTA E K.: ASPECTOS ANALÍTICOS DE DUAS OBRAS DA

2.1. A DESILUSÃO E A BRUTALIDADE EM CÃMARA LENTA

2.1.4. AS DIVISAS NARRATIVAS E SUAS TEMÁTICAS CENTRAIS

A ausência da delimitação de capítulos, aliada ao caráter fragmentário, permitem variadas possibilidades de leitura, interpretação e entendimento aos leitores de Tapajós. Visando colaborar para uma melhoria em todos esses aspectos, poderíamos dividir o seu romance, assim como fizeram muitos pesquisadores, em quatro narrativas – nos quais percebemos temáticas centrais diversificadas, o emprego intensificado de um ou mais elementos estéticos e literários e as reentrâncias de acontecimentos, espaços e personagens.

Os dois primeiros blocos possuiriam uma visível proximidade, visto tratarem ambos da

mesma temática – a luta armada urbana – e de um mesmo grupo de protagonistas.

Ademais, a continuidade lhes seria inerente: o presente e o passado – concebidos por Reimão (2011) como os grandes e fundamentais eixos narrativos – assinalam-se como as estruturas temporais nas quais personagens e acontecimentos desenvolver- se-ão. Ainda que tão similares, faz-se necessária a separação devido a cada um deles carregar características e pontos de vistas próprios acerca do que é relato e trazido ao conhecimento do público leitor.

a) O desenvolvimento e o ápice da guerrilha urbana

Utilizando-se de um ponto de vista deslocado - um narrador observador - o essa micro-narrativa exibiria o passado do protagonista masculino junto a uma organização militante de esquerda.

Identificado apenas pelo pronome “ele”, o personagem teria vivenciado diretamente diversos momentos marcantes ocorridos no Brasil durante o decênio de 1960:

O dia estava escuro, nuvens baixas, a luminosidade cinzenta [...] uma atmosfera de opressão [...] Talvez houvesse um ar mais carregado de preocupação, mas podia também ser só impressão sua. As notícias eram contraditórias, as diversas unidades do Exército aderiam aos golpistas – mas parece que havia resistência. Guerra civil? Ele apressou o passo [...] Quando ele tinha chegado em São Paulo para o vestibular, já se considerava de esquerda. Aquela coisa vaga que tinha algo a ver com as reformas agitadas em todo o país, com as notícias sobre o movimento dos camponeses, com a revolução cubana e com a agitação estudantil [...] Ele pretendia se engajar em alguma coisa [...] O entusiasmo crescera muito desde o dia treze de março, quando soubera daquele comício na Guanabara [...] É claro que os boatos de golpe andavam no ar, em toda a parte, tinha até havido aquela marcha da família ou coisa assim [...] Acompanhou o fracasso do cerco do palácio da Guanabara, a fuga de Jango para o Rio Grande, as tentativas de Brizola.

(TAPAJÓS, 1979a, p. 63-66).

Ele desligou o rádio com um movimento brusco [...] A Agência Nacional tinha acabado de transmitir a decretação do Ato Institucional número cinco: na cabeça de cada um soavam confusamente aqueles parágrafos, suspensão de “habeas corpus” para crimes políticos, recesso forçado do Congresso, novas cassações a critério do Presidente. Sensação de que algo de importante acabava de acontecer, mas o sentido lhes escapava. O pai de Lúcia entrou na sala [...] havia sido militante do Partido há muitos anos atrás [...] começou a falar agitadamente de um golpe dentro do golpe [...] (TAPAJÓS, 1979a, p. 43).

Depois do sequestro do americano, depois da doença do Costa e Silva. A nova lei de segurança, a sucessão nas mãos da junta militar. Um claro processo de endurecimento da ditadura [...] Estava claro que as forças progressistas, para não falar nas forças populares, tinha sido totalmente alijadas dos centros de decisão. Os militares, representando o imperialismo e os setores mais reacionários, estão reforçando seu poder repressivo [...] para impedir qualquer protesto, eles estão dispostos a esmagar todas as resistências. Criaram até novos órgãos repressivos, como a Oban [...] (TAPAJÓS, 1979a, p. 98).

O primeiro trecho retrataria os rumos do país durante o começo do ano de 1964: as reformas pretendidas e defendidas pelos camponeses, a tentativa de organização estudantil em busca de mudanças, o posicionamento da classe média temerosa de uma possível invasão ideológica comunista e refletida na formação de uma passeata (Marcha da Família), a preparação militar para a efetivação oficial de um regime

autoritário, a destituição do então presidente João Goulart e de outros políticos próximos a ele. A atmosfera de opressão, de sufocamento e de apreensão no qual se encontraria o protagonista ao observar todos esses acontecimentos ecoaria na descrição pormenorizada do dia (cinzento, escuro, ar carregado).

A ditadura estaria oficializada e não demoraria a impor significativas alterações na vida de milhares de brasileiros:

Centena de cidadãos e líderes políticos tiveram seus direitos cassados; foi criado o todo-poderoso Serviço Nacional de Informações (SNI), uma espécie de FBI militar. As organizações estudantis independentes foram postas na ilegalidade; os partidos políticos existentes foram sumariamente dissolvidos, e no seu lugar impôs-se um sistema bipartidário com a Aliança Renovadora Nacional (Arena), pró-governo, e a oposição oficialmente tolerada ou Movimento Democrático Brasileiro (MDB); os congressistas recalcitrantes foram cassados e um Congresso dócil foi colocado em recesso repetido; fecharam-se as câmaras estaduais; a Constituição foi suspensa; o direito de habeas corpus foi abolido; as eleições com resultados embaraçosos para o governo foram suspensas; a sucessão vice-presidencial (civil) foi proibida a partir da enfermidade e incapacidade de Costa e Silva; impôs-se a censura aos meios de comunicação, abrangendo tanto a literatura como as artes; o impacto de propaganda da televisão, em particular, foi explorado; o direito de greve foi revogado na prática; e o assassinato e a tortura foram tolerados [...]. (SILVERMAN, 2000, p. 24-25).

Temos, no segundo fragmento, a imagem ficcional da instituição do Ato Institucional nº 5, promulgado em dezembro de 1968 e representação maciça do endurecimento do regime militar (BRASIL, 2007; ARQUIDIOCESE, 1991). É visível as diferentes recepções e entendimentos suscitados por esse decreto: enquanto os mais jovens - e, de certa forma, inexperientes acerca de questões políticas - o observam com confusão e desconhecimento, os membros de organizações de engajamento mais antigas e conservadoras já o definem como um ato divisório e de proporções até então inimagináveis.

Alguns dos mais importantes fatos ocorridos ao longo de 1969 são enumerados logo nas primeiras linhas da terceira citação: o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick idealizado conjuntamente pela Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8); o afastamento progressivo de Costa e Silva da presidência em virtude de uma grave enfermidade; e o crescimento

das forças e das instituições repressoras, iniciado com a oficialização de leis (como a de Segurança Nacional) e que chegaria ao auge com a criação de órgãos civil- militares como a Operação Bandeirantes (Oban). A partir desse ano, as organizações de esquerda experimentariam, segundo Gaspari (2002b, p. 57), uma prova do qual a grande maioria não sairia vitoriosa:

Ao longo de 1969 as organizações esquerdistas brasileiras que se lançaram em atos terroristas foram submetidas ao primeiro grande teste que a existência lhes reservara. Na infância de sua formação, qualquer grupo revolucionário beneficiava-se da falta de informações da polícia, da capacidade de surpreender seus alvos e do apoio de uma rede de militantes cuja fidelidade é proporcional à segurança que lhe faculta a mística de segredo da organização [...]. Na fase seguinte, quando o governo consegue prender combatentes, prevenir ações e intimidar o grande círculo da militância desarmada, dá-se um teste de madureza para o grupo. Alguns não vivem além dele [...]. Quase todos os outros, mesmo sobrevivendo, já não se organizam como a revolução precisa, mas como a repressão condiciona [...]

O ingresso do protagonista em um grupo guerrilheiro não é expresso diretamente pela obra; sabemos, apenas, que os ideais de esquerda o acompanhavam desde a sua juventude e perpassavam por um período de participação nos movimentos estudantis. A realidade encontrada dentro da organização clandestina, por vezes, parece despertar em seu intimo uma postura apreensiva e racional, possivelmente resultante de algumas medidas e posicionamentos por ela demonstrados.

Era preciso [...] falar ao povo para neutralizar a propaganda da ditadura, mostrar os objetivos da guerra revolucionária e indicar os caminhos a seguir. Ampliar a atividade revolucionária das massas, despertar sua iniciativa, para que os próprios operários formassem grupos de guerrilha urbana e de ações. (TAPAJÓS, 1979a, p. 68).

Fernando [...] entrou direto no assunto: “Vocês sabem que tem uma

luta interna, já aberta, no Partido.”. Lúcia prestava atenção [...] Fernando recapitulou os problemas centrais: a luta contra o reformismo, a opção de diversos setores pela luta armada, a oposição dos velhos dirigentes. “Vocês já leram o livro do Debray?” Sem esperar resposta – a alternativa era o foco, mas antes era preciso ganhar uma parcela significativa do Partido. (TAPAJÓS, 1979a, p. 81).

Fernando interrompeu. Afinal, o problema não era bem esse – o que

a organização pretende é a guerrilha rural. Todos os esforços estão voltados para esse objetivo. Algumas mudanças conjunturais não

afetam a estratégia adotada, não podemos nos perder nesses acontecimentos. A estrutura da organização nas cidades, no momento, é apenas para acumular fundos, armas e homens para enviar para o campo. Quando a guerrilha começar, aí sim, vamos interferir na política. O foco será um pólo de atração, um exemplo para todos os revolucionários e para o povo. Ele não soube contestar [...] Falou que já fazia um ano que se falava em guerrilha rural e não aparecia nada. Está certo que a preparação era secreta, mas os militantes precisavam ver algum resultado. Todo mundo confia nos companheiros do Comando, mas tem um monte de gente esperando, sem muita coisa para fazer. Mesmo na cidade é preciso aproveitar esse pessoal todo que está disponível. Se o problema é dinheiro e armas, tem muita gente parada que pode aumentar o volume de ações, muita gente que está a fim disso. Além do que, não custa nada agitar as idéias da organização, fazer umas ações de caráter político, voltadas para a massa [...] Fernando acabou por concordar [...] achava que toda a iniciativa de formas novos grupos e ampliar o volume de ações era válida. Ninguém precisa pedir licença para fazer a revolução. (TAPAJÓS, 1979a, p. 45, grifo nosso).

O anseio pela realização de ações e de um maior apoio das camadas populares à luta contra o regime eram prerrogativas compartilhadas pelas agremiações de esquerda. No entanto, em virtude de visões destoantes entre os seus membros – principalmente relacionadas à adesão ou não à guerrilha armada – algumas sofreriam cisões e um gradativo afastamento ideológico entre si.

Muitas delas passariam a pregar, por exemplo, a teoria do foco, expressão cunhada pelo jornalista, escritor e filósofo francês Regis Debray. Utilizada também pelos militantes cubanos, o foquismo acreditava que a revolução nasceria junto aos meios rurais, ampliar-se-ia com sua chegada ao ambiente urbano e a participação popular (operariado e classe trabalhadora) e, pela combinação dessas forças, a ditadura conheceria o seu fim (GASPARI, 2002a)

Observando atentamente as passagens destacadas no último parágrafo copilado, inferimos ser a organização de Fernando, da qual fazem parte tanto o protagonista masculino como a personagem feminina central, pautada nas ideias difundidas pelo líder Carlos Marighela, ex integrante do Partido Comunista (conhecido também como “Partidão”) e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Uma delas seria a concepção de aproximação entre o espaço urbano e o campal: os subsídios obtidos pelas ações guerrilheiras depreendidas nas cidades (armamentos,

dinheiro, novos adeptos) deveriam voltar-se à formação e ao fortalecimento de agrupamentos rurais (MITRA ARQUIDIOCESANA DE SÃO PAULO, 1988; MOCELLIN, 1989; MIRANDA e TIBÚRCIO, 1999). Essa interligação fomentaria a defesa do binômio proletariado-campesino como as estruturas sociais responsáveis, em uma primeira instância, pela derrubada do regime ditatorial.

A questão da “autonomia tática” e da não necessidade de existência de um partido único a deflagrar a revolução constitui-se como outro comportamento difundido por Marighella: todo e qualquer grupo teria liberdade para gerenciar e promover suas próprias ações armadas (ARQUIDIOCESE, 1991; RIDENTI, 2010).

Marighella não acreditava mais em uma solução que não fosse a imediata luta armada. Dizia que as condições para a violência estavam criadas no Brasil desde que a ditadura se impôs pela força e acreditava que se devia opor à violência, mais violência como única saída contra os que a utilizaram primeiro para prejudicar os interesses da pátria e do povo [...] Marighella pensava que os revolucionários deviam atacar com agilidade e constantemente também nos grandes centros econômicos, políticos e militares. Devia imobilizar o inimigo, desgastá-lo psicologicamente e abrir caminho para a guerrilha rural e o Exército de Libertação Popular. Era uma nova visão da luta armada. (GODOY, 2014, p. 102).

Algumas dessas atividades guerrilheiras são desenvolvidas pelo protagonista e seus companheiros, cada uma delas despertando reações e consequências próprias e muitas vezes distintas entre si.

Era madrugada ainda. Ele viu a massa de operários que entrava na fábrica e os que saíam do turno da noite. Avançou com o carro para uma posição próxima, mas que permitia acesso livre à avenida. O outro carro permaneceu afastado, dando cobertura [...] Um dos companheiros subiu rapidamente no capô do carro, levando na mão um megafone. Começou a falar, enquanto o outro se dirigia aos operários com um monte de panfletos na mão [...] Logo havia um semicírculo em torno do carro: os operários recebiam os panfletos, alguns os olhavam rapidamente, todos ouviam, com mais espanto que interesse, a voz ampliada pelo megafone. O companheiro dizia que os revolucionários eram obrigados a se dirigirem ao povo daquele modo, armados, porque a ditadura não permitia outra forma. Que o povo, oprimido, não podia falar, mas os que ousavam se armar conseguiam fazê-lo [...] Falava da política econômica da ditadura, da sede de lucros dos patrões, do imperialismo e dos

monopólios, explicando que o arrocho era uma arma a serviço da exploração e da opressão do capitalismo. [...] O companheiro com o megafone concluía seu raciocínio, dizendo que era preciso que os operários pegassem em armas, formassem grupos e travassem a luta armada contra a ditadura. Terminou dando vivas à luta armada e à revolução, saltou para o chão e entrou no carro [...] Em frente à fábrica, os operários dispersavam-se lentamente, comentando o que haviam visto. Vários panfletos ficaram pelo chão, espalhados, amassados, pisados, levados pelo vento. (TAPAJÓS, 1979a, p. 66- 69).

O Volks passou lentamente. Era o sinal. Ele ligou o motor do Corcel, esperou que o Galaxie branco que estava na outra esquina arrancasse e o seguiu. A seu lado, um companheiro cujo nome não sabia, retirava a metralhadora de uma bolsa plástica e, com movimentos precisos, colocou o carregador [....]. Tocou com os dedos o trinta e oito na cintura. Tudo em ordem. Os dois carros seguiram em marcha lenta [...] o tempo estava cronometrado. Eles chegariam em frente ao banco momentos depois do carro forte ter ido embora e antes dos funcionários terem tido tempo para esvaziar os malotes – o que facilitaria a recolha do dinheiro e evitaria um confronto com os guardas do carro forte [...] No momento em que o Galaxie parou, um rapaz de paletó e gravata entrou no banco, carregando uma pasta volumosa. Os guardas do banco se voltaram para ele e, simultaneamente, dois outros companheiros, que aparentavam operários esperando a hora de entrar na fábrica, se aproximaram pelas costas dos guardas, desarmando-os e, apontando-lhes suas armas, levaram-nos para dentro do banco, discreta e silenciosamente. Outros dois desceram do Galaxie, onde ficou apenas o motorista e sumiram também no interior do banco. Silêncio. Ninguém percebera nada [...] (TAPAJÓS, 1979a, p. 50) Desde o primeiro dia daquele sequestro interminável eles tinham resolvido se recolher ao aparelho e evitar as ruas. Muito menos fazer ações ou outras atividades. Uma ou outra vez ele saia para cobrir um ponto em ruas escolhidas por serem tranquilas e pouco vigiadas. Desde o dia do sequestro toda a polícia, apoiada pelo Exército, saíra às ruas, montando barreiras, dando batidas. Uma operação gigantesca que colocava em risco quem estivesse circulando em condição irregular. (TAPAJÓS, 1979a, p. 129).

Na primeira citação, temos a descrição de uma panfletagem, atividade definida pelos órgãos militares como “subversiva” e censurável (MITRA ARQUIDIOCESANA DE SÃO PAULO, 1988). Notamos que o principal desejo dos militantes seria a exposição dos ideais revolucionárias, o alerta ao operariado da submissão e da exploração social e econômica das quais são alvo e a busca por recrutar novos membros à organização. Não obstante, a imagem final denotaria a indiferença, o não envolvimento e a ausência

de proximidade e contato entre grande parte da população (nesse caso específico, a classe trabalhadora) com as organizações de esquerda: os panfletos ficaram esquecidos, espalhados pelas ruas; poucos foram realmente lidos e conservados pelos operários.

Já na segunda passagem, na qual visualizamos a realização de uma expropriação de uma agência bancaria, ressalta-se o planejamento e o cuidado nas quais muitas ações armadas necessitariam embasar-se, como a comunicação por meio de códigos, a sincronicidade temporal perfeita, o detalhamento de cada passo e movimento, o cumprimento rigoroso de cada etapa, a delegação de funções específicas para cada um dos envolvidos e o preparo para eventuais imprevistos. O local escolhido é significativo, uma vez que, efetivada com sucesso, a ação armada teria como consequência a arrecadação de uma grande soma monetária a ser empregada para múltiplos e variados fins.

Ações armadas nas cidades eram admitidas com o propósito de treinar guerrilheiros e de levantar fundos para iniciar a guerrilha rural. Com o tempo, as ações urbanas seriam teorizadas também como forma de propaganda armada da revolução e, implicitamente, como meio de sustentar o funcionamento clandestino das diversas organizações. (RIDENTI, 2010, p. 56).

A prática de sequestros políticos - ainda que efetuada em um número reduzido quando comparado com muitos outros atos guerrilheiros – alcançaria, especialmente após o ano de 1969, grande repercussão e visibilidade (tanto nacional como internacional) e colocaria as agremiações clandestinas cada sob a mira incessante das instituições militares e dos órgãos repressores.

No terceiro fragmento percebemos, ainda, a reclusão, a clandestinidade e o abandono dos vínculos sociais e afetivos impostos a todo e qualquer indivíduo que escolhesse o envolvimento total com a luta armada.

Feita a opção revolucionária, o militante era sugado para o interior da organização. [...] Quando era um combatente de tempo integral, ‘profissionalizado’, vivia em aparelhos ou quartos alugados numa rotina em que se alternavam reuniões, encontros e ações. Viver ‘fechado’ significava morar em casas de janelas cerradas, desligado de relações fora do círculo da militância.” (GASPARI, 2002a, p. 351).

Para concluir, é válido ressaltar, entretanto, que a guerrilha urbana teria uma vida efêmera: as medidas opressoras (torturas, mortes, desaparecimentos, prisões) promovidas pelo regime, o isolamento dos militantes e o gradativo afastamento desses com a sociedade brasileira, as desconfianças e traições internas e a ausência de contingentes preparados a levar adiante a ideologia revolucionária contribuiriam, cada uma a seu modo, para o desmantelamento das organizações a ela entrelaçada. A exemplificar ficcionalmente essa realidade, experimentada por muitos esquerdistas durante o final de 1960 e início de 1970, temos o trecho abaixo no qual os personagem enumeram diversas hipóteses a fim de explicar os sucessivos abalos sofridos pelo grupo, mesmo quando seguidas rigorosamente todas as medidas de segurança e proteção.

“Foi um absurdo a gente ter vindo até aqui.” Se um companheiro não aparece no ponto, se deve partir do princípio que ele caiu. Ele concordou. As normas de segurança eram aplicadas frouxamente [...]. Era necessário reforçar a disciplina. Ainda mais agora, com Marcos preso. Sérgio perguntou: “Como será que ele caiu?”. Silêncio. Havia mil hipóteses, mas nenhuma que explicasse de imediato o acontecimento. Ele pensou em como não tinham informações que pudessem prevenir quedas ou, até mesmo, explicá- las. Alguma coisa devia estar errada. A organização era atingida facilmente. Normas de segurança, certo. Mas também alguma outra coisa além disso. (TAPAJÓS, 1979a, p. 124).

Feitas todas essas considerações, inferimos serem as personagens e o enredo as estruturas narrativas mais exploradas por esse bloco textual e as organizações defensoras da luta armada o seu foco temático primordial.

b) A luta armada: desmantelamento, desesperança e crítica.

Tendo por narrador o protagonista masculino mencionado no bloco ficcional apresentado acima, essa narrativa explicita o seu tempo presente: a desesperança, o pessimismo e a melancolia diante da vida e da luta revolucionária; o ódio e a revolta diante das autoridades e dos órgãos repressões; o incessante desejo de saber o destino de sua companheira detida pela repressão suas reflexões acerca das múltiplas razões de derrota da guerrilha armada; e suas críticas frente a determinados ideais e posicionamentos.

O pessimismo e, até certa medida, o niilismo do personagem masculino torna-se latente ao notarmos curtas passagens como “Agora não dá mais para fazer nada, nem por ela nem por ninguém [...]” (TAPAJÓS, 1979a, p. 14); “[...] nada deu certo [...]” (TAPAJÓS, 1979a, p. 14); “Agora, nada mais. Nem esperança, nem sonho.” (TAPAJÓS, 1979a, p. 55); “Nada pior que a solidão quando se tem o sonho da humanidade.” (TAPAJÓS, 1979a, p. 56); “[...] o que fica é um vazio povoado de imagens, lembranças, palavras e frases. Um cansaço imenso, um cansaço definitivo,

uma coisa pesada e sufocante” (TAPAJÓS, 1979a, p. 55); “Depois, não sei. Depois,

mais nada. Depois, olhar para dentro de mim mesmo e ver se sobrou alguma coisa em