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A personagem silenciada : ficção e repressão nos anos 1970

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKEZIE

MESTRADO EM LETRAS

FERNANDA REIS DA ROCHA

A PERSONAGEM SILENCIADA. FICÇÃO E REPRESSÃO NOS ANOS 1970

(2)

FERNANDA REIS DA ROCHA

A PERSONAGEM SILENCIADA. FICÇÃO E REPRESSÃO NOS ANOS 1970

Dissertação apresentada ao Curso de

Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana

Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do

grau de Mestre em Letras.

ORIENTADORA: Profª. Drª. Helena Bonito Couto Pereira

(3)

R672p Rocha, Fernanda Reis da

A personagem silenciada : ficção e repressão nos anos 1970 / Fernanda Reis da Rocha – 2015.

248 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

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(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas pessoas e anjos presentes em minha vida; por nunca me

abandonar; pelas inspirações e lindos nasceres do sol que pude visualizar nos

últimos meses; por ser uma certeza e uma constante em meu caminhar. Sua

luz e proteção me orientam e me guiam.

A Clélia, minha mãe, amiga, companheira, protetora e porto seguro. Minha

eterna gratidão por me receber como filha e por ser meu exemplo de

dedicação, força, amor e de mulher. Palavras nunca descreverão o que sinto

por você. Obrigada por me aceitar, me entender, me incentivar, me apoiar e me

amar. Obrigada por existir.

Ao Mauro, meu pai, pela oportunidade de nascer e de desfrutar da chance de

realizar as minhas próprias escolhas. Cada uma delas me ensina e contribui

para a minha formação pessoal. Obrigada pela confiança e pela fé em mim

depositada.

A minha querida irmã Luciana. Crescemos juntas, brigamos demais, dividimos

tristezas e felicidades. Os laços que nos unem ultrapassam os de sangue.

Obrigada pela compreensão dos últimos tempos. Nossas conversas se dão até

pelo olhar e alegram os meus dias. Juntas para o que der e vier.

Aos meus familiares, próximos e distantes, pela motivação e pela ajuda sempre

oferecida (e constantemente aceita).

A minha querida orientadora Prof.ª Dr.ª Helena Bonito Couto Pereira, por estar

presente em minha trajetória acadêmica desde o início, por defender comigo

determinadas ideias e temáticas, por entender meus percalços estudantis e

pela sólida caminhada conjunta na qual estamos a mais de cinco anos.

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oportunidade de ser sua aluna e por compor minha banca examinadora (tanto

na Graduação como no presente momento).

A Prof.ª Dr.ª Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão, por aceitar prontamente o

convite de integrar a banca examinadora e por cada comentário realizado.

A todo o corpo docente do curso de graduação e pós-graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. Obrigada por cada ensinamento que

vocês, professores, compartilham com os seus pupilos.

Ao Professor Luiz Camilo Lafalce, responsável por grande parte de minha

formação acadêmica. Agradeço imensamente por cada aula, cada análise,

cada dúvida e cada lição transmitida. Um exemplo raro de profissional e

pessoa.

Aos Educadores Fernando Thomaz e Frank Borges de Campos, por

fortalecerem, no Ensino Médio, meu interesse e paixão pela Literatura e a

História. Tal gesto não será esquecido.

Heloísa e Thiele, nossa jornada entrelaçou-se a mais de cinco anos e torço

para que dure por toda a minha vida. Sobrevivemos ao quinto semestre e ao

mestrado, ainda que não totalmente ilesas. Mas vencemos, assim como

venceremos muitos outros obstáculos pessoais, acadêmicos e profissionais.

Que orgulho sinto de vocês!

Aos amigos que compreenderam minha ausência nos últimos meses e, mesmo

após tantos sumiços e negativas, não desistiram de mim e continuaram a me

motivar e fortalecer. Anderson, obrigada pela presença mesmo estando a

quilômetros de distância; Isis, sou grata por ter você em minha vida a mais de

vinte anos: somos a comprovação de que amizades de infância enfrentam

inúmeras dificuldades, mas resistem ao tempo e duram para sempre.

(7)

conquistas, preocupações e horas seguidas na frente do computador: Vocês

são a prova de que são as pessoas que determinam a energia e a

singularidade do ambiente que frequentamos e de que são em locais

improváveis (como uma academia de ginástica) que conhecemos aqueles que

ansiamos por estarem sempre ao nosso lado.

(8)
(9)

RESUMO

As décadas de 1960 e 1970 proporcionaram, para diversos países, situações

decisivas e únicas que, de diferentes maneiras, repercutiram não somente em

seu território, mas também além de suas fronteiras. No Brasil, tal período

corresponderia a dois importantes fatos: o início, já em 1964, de um governo

ditatorial - marcado pela repressão, o cerceamento, o medo e a censura

e o

anseio de muitas mulheres pela emancipação e pelo exercício e participação

mais ativa em diferentes esferas sociais. Muitas são as obras contemporâneas

acadêmicas e literárias - preocupadas em debater ambas as temáticas:

dentre as pertencentes ao último grupo, selecionamos

Em câmara lenta

(1977),

de Renato Tapajós, e

K.

(2011), de Bernardo Kucinski como escopo central do

presente trabalho. Buscando responder de que maneira o contexto

político-social experimentado pelo Brasil durante os dois decênios já citados

personifica-se, principalmente, nas duas protagonistas femininas

criadas

tendo como inspiração pessoas reais e ligadas aos autores - nossa pesquisa

embasou-se primeiramente na leitura e análise das duas ficções e, em um

segundo momento, em produções e pesquisas de teóricos como Elio Gaspari,

Marcelo Ridenti, Rose Marie Muraro, Antonio Cândido, Renato Franco, Sandra

Reimão, Márcio Selligmann Silva, e Michel Zéraffa e também em documentos

oficiais, como os elaborados pela Arquidiocese de São Paulo, a Secretaria

Especial dos Direitos Humanos e Comissão Especial sobre Mortos e

Desaparecidos Políticos. Embora distantes cronologicamente, essas narrativas

apresentam temáticas e recursos estilísticos próximos e suas figuras femininas

destacam-se por uma forte carga emocional, uma irremediável influência na

história de vida dos demais personagens e por uma característica marcante: o

silenciamento.

(10)

ABSTRACT

The 1960s and 1970s provided to several countries decisive and unique

situations which in different ways had repercussions not only on their territories

but also beyond their borders. In Brazil this period corresponds to two

important facts: the beginning as early as 1964 of a dictatorial government -

marked by repression, restriction, fear and censorship - and the desire of many

women for emancipation, exercise and more active participation in different

social spheres. There are many contemporary works - academic and literary -

concerned with the discuss of both issues: among those belonging to the latter

group, we selected Em Câmara Lenta (1977), Renato Tapajós, and K. (2011),

Bernardo Kucinski as central scope of this work. Seeking to answer how the

political and social context experienced by Brazil during the two decades

aforementioned, embodies itself mainly in the two female protagonists

inspired on real people attached to the authors -, our research was conducted

primarily on the reading and analysis of both fiction and, in a second step, in

production and research of theoretical authors as Elio Gaspari, Marcelo Ridenti,

Rose Marie Muraro, Antonio Cândido, Renato Franco, Sandra Reimão, Márcio

Selligmann Silva and Michel Zéraffa and in official documents, such as those

developed by the Archdiocese of São Paulo, the Special Secretariat for Human

Rights and Special Commission on Political Deaths and Disappearances.

Although distant chronologically, these narratives show thematic and stylistic

features and their close female figures are characterized by a strong emotional

charge, an irremediable influence on the life story of the other characters and a

striking feature: the silencing.

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1.

O CONTEXTO POLÍTICO E A FIGURA FEMININA NA SOCIEDADE

BRASILEIRA ... 19

1.1.

OS DEZ PRIMEIROS ANOS DA DITADURA MILITAR (1964

1974) ... 20

1.2 A MULHER E O DESEJO DE ROMPER BARREIRAS E PADRÕES ... 58

2.

EM CÂMARA LENTA

E

K.

: ASPECTOS ANALÍTICOS DE DUAS OBRAS DA

LITERATURA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA ... 70

2.1. A DESILUSÃO E A BRUTALIDADE

EM CÃMARA LENTA.

... 71

2.1.1 PRIMEIRAS INFORMAÇÕES: A OBRA E SEU AUTOR ... 71

2.1.2. A RECEPCÃO DO ROMANCE JUNTO AOS CRÍTICOS ... 73

2.1.3. A TRÍADE ESTRUTURAL DO ROMANCE DE TAPAJÓS ... 75

2.1.4. AS DIVISAS NARRATIVAS E SUAS TEMÁTICAS CENTRAIS ... 80

2.1.5. APONTAMENTOS FINAIS ... 112

2.2.

K:

O RETRATO LITERÁRIO DA CULPA. DA ANGÚSTIA E DA

DUALIDADE. ... 119

2.2.1. PRIMEIRAS INFORMAÇÕES: O AUTOR, A OBRA E SUA

RECEPÇÃO JUNTO À CRÍTICA E AO PÚBLICO. ... 119

2.2.2. ASPECTOS ESTRUTURAIS ... 123

2.2.3. AS PRINCIPAIS TEMÁTICAS ... 131

2.2.4. APONTAMENTOS FINAIS ... 153

(12)

3.1.

A

CONSTRUÇÃO

DA

PERSONAGEM

NO

ROMANCE

CONTEMPORÃNEO: PRIMEIRAS INFORMAÇÕES ... 159

3.2.

“ELA” E OS DESDOBRAMENTOS DO SILÊNCIO NO ROMANCE

EM

CÂMARA LENTA

. ... 174

3.2.1.

PRIMEIROS APONTAMENTOS: O BINÔMIO RUÍDO X SILÊNCIO

E A AUSENCIA DE NOME PRÓPRIO ... 174

3.2.2.

OS MOMENTOS DE SILÊNCIO DA PERSONAGEM E O QUE

REVELAM. ... 181

3.2.3.

O SILÊNCIO E A TORTURA: RESISTÊNCIA E IMPOSIÇAO. ... 184

3.2.4.

O DISCURSO INDIRETO E DIRETO E O QUE REVELAM DA

PERSONAGEM ... 194

3.3.

O CALAR E O FALAR NA PERSONAGEM FEMININA DE

K.

... 200

3.3.1.

A AUSÊNCIA DO NOME: PRELÚDIO DO SILÊNCIO? ... 201

3.3.2.

O SILÊNCIO NO AMBIENTE FAMILIAR: OPÇÃO OU

IMPOSIÇÃO? ... 206

3.3.3.

A MORTE E O DESAPARECIMENTO: DESDOBRAMENTOS DO

SILÊNCIO. ... 210

3.3.4.

A VOZ COMO CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA ... 215

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 224

(13)

INTRODUÇÃO

Não quero que interpretem, em nenhum momento, a história que vou relatar somente como um problema pessoal. O que me aconteceu pode ter acontecido a centenas de pessoas no meu país... É por isso que não quero tão só relatar uma história pessoal. Quero falar do meu povo. Quero deixar um depoimento [...] e aportar um grãozinho de areia com a esperança de que nossa experiência sirva de alguma forma para a nova geração, para a gente nova.

DOMITILA BARRIOS DE CHUNGARA (DEPOIMENTO A MOEMA VIEZZER)

Os decênios de 1960 e 1970 apresentaram, para diversos países, situações decisivas e únicas que, de diferentes maneiras, repercutiram não somente em seu território, mas também além de suas fronteiras. Entre elas, destacam-se o movimento hippie americano, a Guerra do Vietnã e seus desdobramentos – tanto externos como internos, as revoltas estudantis francesas – e como as mesmas afetaram a mentalidade e ideologia de toda uma geração juvenil, a Guerra Fria, as ditaduras impostas em alguns países latinos e a Revolução dos Cravos em Portugal. Entretanto, no Brasil tal período corresponderia diretamente a dois importantes fatos: o início de um governo militar ditatorial (1964) - marcado pela censura, a repressão e pelo medo - que perduraria até 1984 e ao desejo de emancipação feminina e de uma participação cada vez mais ativa das mesmas na mais variadas esferas sociais.

Muitos são os textos, artigos e obras contemporâneas preocupadas em debater, seja o contexto político brasileiro compreendido entre os governos militares, sejam os impasses vivenciados pela mulher. Entre aqueles pertencentes à literatura ficcional, selecionaram-se duas obras que, cada uma a sua maneira, apresentam, discutem e posicionam-se frente a ambas temáticas: Em câmara lenta, de Renato Tapajós; e K., de B.Kucinski.

(14)

pela censura e seu autor preso. O relato, marcado principalmente pela fragmentação, os cortes, as cruezas de detalhes e as repetições, propõe-se a retratar uma personagem feminina militante: sua luta junto às organizações armadas clandestinas e aqueles que seriam seus últimos momentos de vida. Segundo o próprio escritor (1979, p. X), seu romance é “[...] uma reflexão emocionada porque tenta captar a tensão, o clima, as esperanças imensas, o ódio e o desespero que marcaram essa extrema tentativa política que foi a guerrilha”. Essa enorme carga de sentimentos pode ser melhor entendida se atentarmo-nos ao fato de que o livro foi inspirado em fatos reais e experimentados por Tapajós e por pessoas próximas ao seu círculo afetivo..

Já em K., escrito pelo professor e jornalista Bernardo Kucinski, publicado em 2011, acolhido positivamente por leitores e críticos e merecedor de duas menções honrosas em 2012 (concedidas pelo Portugal Telecom de Literatura e pela União Brasileira de Escritores Rio de Janeiro - UBE-RJ), acompanhamos a saga homérica de um pai em busca de sua filha e de seu genro, que assim como milhares de brasileiros, “[...] foram desaparecidos [...]” (KUCINSKI, 2012,P. 26) pelo governo militar durante a década de 1970. Em meio a um relato fragmentado e mesclado a estórias paralelas – mas com intersecções possíveis entre si -, notamos o desespero, o sofrimento, a culpa e os pensamentos e emoções conflitantes que rondam a figura do protagonista K.

Vale mencionar, acerca dessa obra, dois relevantes pontos, sendo o primeiro deles de caráter externo à narrativa: por tratar-se de uma publicação literária extremamente recente, o rol de pesquisas, artigos e estudos acadêmicos visando debater e analisar suas temáticas e estruturas é singelo, mas vem ampliando-se constantemente. Já o segundo aspecto relaciona-se à existência e entrelaçamento de dois tons narrativos: o ficcional e o memorialístico, permitindo a composição de um livro que conta tanto com personagens inteiramente fictícios e outros inspirados em figuras reais, como a personagem central feminina construído tendo por base Ana Rosa Kucinski Silva, professora de Química da Universidade de São Paulo, irmã de Bernardo e filha caçula de K., desapareceu no ano de 1974, seu “paradeiro” nunca foi descoberto e as autoridades, até hoje, não responderam muitas das indagações que rondam sua pessoa.

(15)

Primeiramente, defendemos a concepção de que ambas as temáticas não somente despertam a curiosidade e a atenção junto a leitores e pesquisadores, como também se mostram plenamente atuais e abertas a debates e posicionamentos ideológicos diversos. O estudo do gênero e dos papéis atribuídos e/ou assumidos pela mulher, por exemplo, encontram repercussão em grupos de estudo nas mais diferentes áreas acadêmicas (sociologia, literatura, artes, filosofia), todos aptos a discutirem e estudarem as diversas modificações enfrentadas pela figura feminina ao longo dos últimos séculos e que, ainda hoje em proporções variáveis, se refletem no comportamento e na atitude de grande parte do antigo “sexo frágil”.

Já a ditadura militar, com seus feitos e consequências, vê-se apresentando como assunto de destaque nos mais variados veículos de comunicação devido ao cinquentenário de sua implantação. O surgimento crescente de livros, reportagens, estudos, documentários e filmes, as inúmeras reedições de importantes obras relacionadas ao período e àqueles que o vivenciaram e as frequentes discussões promovidas por organizações legais – como as Comissões da Verdade - ao redor de aspectos antes renegados ao esquecimento (a abertura de arquivos secretos dos organismos militares, a reavaliação de famosos casos de mortes e desaparecimentos, a busca pela realização de julgamentos de antigos agentes ligados à tortura e à supressão de liberdade) parecem objetivar a elucidação social, a fim de evitar a apatia, o desconhecimento e o esquecimento que durante muito tempo norteou o comportamento brasileiro diante de um golpe que modificou para sempre nossa história e nossa população.

Sendo assim, o presente trabalho constrói-se a partir da seguinte problemática: de que maneira o contexto político e social vivenciado pelo Brasil durante os decênios de 1960 e 1970 é desdobrado, apresentado e representado por duas obras da literatura brasileira contemporânea?

(16)

Tendo por base tais questionamentos, objetivamos realizar a análise, por meio da leitura e interpretação de determinados trechos, das protagonistas femininas de Em câmara lenta e K.. Ademais, pretendemos levantar e discutir tanto as semelhanças como as diferenças existentes nessas duas personagens e em suas obras, procurando estabelecer, assim, um panorama mais completo de uma época de importância ímpar.

Cabe mencionar, por fim e a título de curiosidade, que a presente dissertação constitui-se como um desdobramento do Trabalho de Graduação Interdisciplinar, “Os anos de chumbo e os impasses femininos na obra de Lygia Fagundes Telles”, apresentado ao curso de Letras e aprovado em junho de 2012, no qual se analisou a protagonista militante Lia do romance As meninas. Acreditando na possibilidade - positiva e relevante - daquele projeto ter algumas de suas partes melhor exploradas e revistas com maior maturidade, aliada ao forte interesse pelo estudo e pelo desejo por realizar um maior aprofundamento acerca da ditadura militar e da figura feminina, decidiu-se por lhe dar continuidade.

Para concluir, julgamos necessário comentar a metodologia e estruturação

empregadas para a formulação do presente texto.

Inicialmente, serão focalizados os três primeiros governos militares, delineados

entre os anos de 1964 e 1974: a questão politica, econômica, educacional e

social que envolve o país, a repressão e a censura impostas a movimentos e

meios de comunicação, a crescente prática de violência e tortura diversas

contra todos aqueles que se posicionam contra o governo, a decretação de

Atos Institucionais, o surgimento e a opressão de movimentos estudantis, a

opção de muitos militantes pela luta armada e seus desdobramentos e

consequências.

(17)

Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - foram alguns dos

escolhidos para a formação do embasamento teórico desse primeiro tópico.

Em seguida, a condição feminina constituir-se-á como objeto de leitura e

pesquisa: o posicionamento da mulher diante de uma sociedade patriarcal e

dominada pela figura masculina, o impasse propiciado pela possibilidade de

escolha entre a manutenção ou a supressão de comportamentos e atitudes

tradicionalmente a elas impostos, a independência e a emancipação, o controle

sobre seus próprios corpos, sentimentos e vontades e, ainda, a possibilidade

de transgressão e ruptura de paradigmas através do ingresso e participação

em organizações de esquerda, com ideais revolucionários e contestatórios.

Para tanto, Carla Bassanezi, Ilane Ferreira Cavalcante, Mirian Goldenberg, Carlos Bauer, Contância Lima Duarte, Elizabeth Fernandes Xavier Ferreira, Marco Aurélio Garcia, Rose Marie Muraro e Cynthia Sarti integrarão o rol dos teóricos consultados acerca de tal temática.

Após a constituição desse contexto específico e previamente delimitado, o

trabalho voltar-se-á inteiramente para dois capítulos de análise literária: o

primeiro deles centrado em aspectos gerais de

Em câmara lenta

e

K.:

informações e dados relevantes sobre os autores e a recepção tida por suas

obras no período de seu lançamento, as temáticas centrais e o modo pelo qual

se optou por trabalha-las e explorá-las, a estrutura textual e literária

empregada e sua relevância para uma melhor compreensão e estudo das

obras, os possíveis entrelaçamentos entre ficcionalidade e realidade.

Já o segundo abordará as protagonistas femininas: sua caracterização e

representatividade em cada romance, as relações travadas com os demais

personagens, seu posicionamento frente à questão política brasileira e a

condição feminina na sociedade, além da sua chance ou não de apresentar

sua própria voz e visão dos fatos ao decorrer da narrativa.

(18)

estudos e os artigos publicados por Markus Lasch, Eloísa Aragão Maués, Juliano Carrupt do Nascimento, Tânia Pellegrini, Sandra Reimão, Márcio Selligmann Silva, Janaína de Almeida Teles e Maria Rita Kehl contribuirão para elucidar o debate acerca dos aspectos literários e temáticos mais representativos.

(19)

1. O CONTEXTO POLÍTICO E A FIGURA FEMININA NA SOCIEDADE

BRASILEIRA

Lutar, alguém lhe gritara aos ouvidos. Lutar, ele mesmo bradara em algum lugar de seu destino. Lutar, mesmo pelos meios mais estranhos, contra o desconhecido, o indigno. A prepotência.

ASSIS BRASIL.

Fala baixo, paredes têm ouvidos. Não se mostra o que se pensa, se sente, se lê, se faz e se ama. [...] Quanto medo por dentro. Quanto escuro por fora.

LIA MONTEIRO

No período compreendido entre os anos de 1964 e 1974, o mundo enfrentou situações decisivas que repercutiram, em maior ou menor grau, em diversos países da América Latina e dos demais continentes. Entre elas, destacam-se o movimento hippie americano, as lutas e manifestações em oposição à Guerra do Vietnã e aos desmandos norte-americanos, as revoltas estudantis na França ocorridas em maio de 1968, a chamada “Primavera de Praga”, a Guerra Fria travada entre Estados Unidos e União Soviética, o apartheid africano, Revolução dos Cravos em Portugal (1974) e as ditaduras militares ocorridas no Cone Sul, na qual se destacam a brasileira (1964-1985), a argentina (1966-1973), a uruguaia (1973-1985) a chilena (1973-1990).

Gaspari (2002a) menciona também o surgimento e o crescimento de uma nova mentalidade: as questões de preconceito racial e social passam a ser amplamente contestadas - assim como as relações baseadas na repressão e na competitividade a qualquer custo - e a ideia de um sentimento de viés libertário em relação à estrutura familiar, amorosa ou sexual torna-se um anseio – principalmente entre as mulheres.

(20)

1.1. OS DEZ PRIMEIROS ANOS DA DITADURA MILITAR (1964

1974)

Iniciado em 1º de abril, o período ditatorial brasileiro teve como primeiro presidente o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e, entre os anos de 1964 e 1967, seu governo foi responsável por mudanças significativas nas mais diferentes esferas.

No âmbito político, houve a adoção de medidas como a proibição de greves, a intervenção em sindicatos e movimentos estudantis, a cassação de mandatos, a aprovação de decretos e leis como a Lei de Imprensa, limitadora das funções vinculadas a esse meio de comunicação, além da promulgação de dois importantes Atos Institucionais: o AI-1 e o AI-2.

O primeiro, decretado em 9 de abril de 1964, formalizou e implantou o militarismo como regime nacional, criou a Comissão Geral de Investigações (CGI) - órgão responsável por coordenar inquéritos policiais -, atribuiu ao presidente o poder de suspender, durante seis meses, os direitos constitucionais de qualquer cidadão, determinou eleições indiretas para os governantes e promoveu uma primeira e grande onda de cassações e prisões em todo o território:

O primeiro Ato Institucional, de 09/04/1964, desencadeou a primeira avalanche repressiva, materializada na cassação de mandatos, suspensão dos direitos políticos, demissão do serviço público, expurgo de militares, aposentadoria compulsória, intervenção em sindicatos e prisão de milhares de brasileiros. (BRASIL, 2007, p. 22).

Já o segundo, assinado no ano seguinte, centralizou todas as decisões ao redor do Poder Executivo, instituiu eleições indiretas e sem possibilidade de reeleição para a presidência, promoveu o fechamento de todos os partidos políticos e implantou o bipartidarismo: somente a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida, poderiam existir e atuar em território nacional. Além disso, entregou à Justiça Militar o direito e a competência de julgar todos os crimes considerados contra a Segurança Nacional.

(21)

Em 27 de outubro de 1965, com a edição do Ato Institucional nº2, a Justiça Militar passou a monopolizar a competência para processar e julgar todos os crimes contra a Segurança Nacional, o que equivaleu a ampliar enormemente seu alcance sobre atividades de civis. (ARQUIDIOCESE, 1991, p. 170).

Criado e idealizado em junho de 1964 pelo general Golbery do Couto e Silva, o Serviço Nacional de Informações (SNI) apresenta-se como uma dos primeiros mecanismos de total controle e repressão desenvolvidos pelo regime ditatorial. Objetivava, como comenta a Arquidiocese (1991) e a Revista Caros Amigos (2011) coordenar e vigiar as informações circulantes em todo território brasileiro, principalmente aquelas relacionadas à Segurança Nacional e manter sob controle absoluto o pensamento e as ações de todos os setores da sociedade. Não obstante, também se atribuía o poder de investigar brasileiros e estrangeiros que despertassem suspeita em qualquer um dos órgãos militares e o direito de processar, manipular e repassar notícias sempre favoráveis ao regime vigente.

Gaspari (2002a) alude, ainda, ao surgimento de problemas e

desentendimentos entre o presidente e dois diferentes blocos considerados de

esquerda: um mais reservado e comedido, representado pelos grupos

próximos a João Goulart e Leonel Brizola, e que aspiravam ao

restabelecimento do antigo poder político; e outro de atitudes mais extremadas

e radicais

beirando até mesmo a realização de atos violentos com a intenção

de instituir um novo regime governamental, diferente de todos os já existentes

no cenário nacional.

Em relação à esfera econômica, o governo de Castelo Branco caracterizou-se pela livre entrada de capital estrangeiro e pelo grande favorecimento oferecido a grandes empresas internacionais por meio de diferentes mecanismos e instituições financeiras, ocasionando uma desnacionalização e um sensível aumento do endividamento externo brasileiro. Além disso, com o intuito de controlar a inflação que assolava todo o país, promoveu um recesso econômico responsável pelo aumento do desemprego e pela falência de pequenas e médias empresas.

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trabalhista: enquanto o primeiro exercia um controle repressivo diante das mobilizações sindicais e grevistas, o segundo consolidou-se como

[...] uma política de controle salarial, através da qual o governo intervinha nas relações de trabalho, eliminando a negociação direta entre trabalhadores e patrões, e estabelecia os índices de reajustes salariais baseando-se em cálculos da inflação dos meses anteriores, mantendo os salários muito abaixo da inflação real (PAES, 1992, p. 49).

Além do mais, o achatamento dos salários contribuiu, segundo a Arquidiocese (1991), de maneira direta para o aumento das desigualdades e dos problemas sociais envolvendo as questões de moradia (proliferação das favelas), de necessidades básicas (fome, ausência de saneamento básico e precariedades das condições de saúde) e da violência urbana (crescimento da marginalidade).

Já no campo voltado à Educação, as alterações são inúmeras e substancialmente opressivas: o prédio da União Nacional dos Estudantes (UNE) é atacado e depredado logo no dia da instauração do golpe, grandes Universidades são invadidas por tropas do Exército e da Polícia Militar (como a Universidade de Brasília, no início de abril de 1964), organizações como a já citada UNE e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs) passam a atuar clandestinamente visto seu banimento oficial do contexto universitário. Com a finalidade de despolitizar o ambiente universitário, bibliotecas são interditadas em virtude da presença de materiais tidos como “subversivos”, manifestações de cunho estudantil passam a ser repreendidas e docentes e reitores são cassados, demitidos ou compulsoriamente aposentados devido a seus posicionamentos ideológicos.

Gaspari (2002a, p. 224), ao desenvolver comentário acerca dessa última medida, acrescenta a seguinte colocação, estabelecendo uma ligação entre a proporcionalidade de atitudes liberais e extremistas tomadas pelo presidente militar:

(23)

ciclo perverso. Mais avançava o oportunismo, mais retraíam-se os liberais, mais radicalizavam-se os estudantes, e policializava-se a universidade, fazendo avançar o obscurantismo, e assim por diante.

O meio educacional seria alvo, também, de um decreto conhecido como Lei Suplicy, idealizado pelo então ministro Flávio Suplicy de Lacerda, que procurou tutelar as organizações estudantis, através da substituição da UNE por um diretório subordinado às vontades e imposições determinadas pelo Ministério da Educação. Seu objetivo era deter, assim, qualquer possibilidade de atitudes e ações contrárias à nova ordem política.

Outro aspecto gerador de polêmicas no ambiente universitário envolveu o estabelecimento de acordos entre o governo brasileiro, representado pelo Ministério da Educação e da Cultura, e os Estados Unidos, na figura do United States Agency for International Development desde o ano de 1964: o MEC-USAID. Tal política, visionária de um novo modelo de ensino baseado nos moldes tecnicistas – ou seja, na relação intrínseca entre o ideal educativo e desenvolvimento econômico - foi preterida pelos estudantes, certos de que a mesma resultaria em uma maciça infiltração imperialista (e norte-americana) no país e de que as Universidades perderiam seu status de locais de desenvolvimento intelectual e posicionamento crítico para transformarem-se em “empresas” e redutos formadores de futuros trabalhadores submissos à ordem política vigente. A esse respeito, Duarte (1998, p. 131) argumenta:

[...] com essa série de acordos [...] tornavam-se muito concretos os inimigos contra os quais os estudantes deveriam lutar: o caráter retrógrado da universidade brasileira, o regime militar e o imperialismo estadunidense.

Conhecendo tais dados, conseguimos melhor compreender a colocação feita por Martins Filho (1998, p. 17) acerca da intensificação dos movimentos estudantis já nos primeiros momentos ditatoriais do país:

[...] o governo militar feria de morte duas reivindicações históricas do movimento estudantil: por um lado, o direito à participação, simbolizado na importância da UNE e das UEEs; por outro, a busca de uma universidade ‘voltada para os interesses nacionais’, pública e gratuita.

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das lutas de oposição à ditadura: a organização e o desmantelamento, em meados de 1967, da guerrilha de Caparaó, uma das primeiras tentativas de resistência rural ao regime; e a execução em oito de outubro do mesmo ano, na Bolívia, de Ernesto Che Guevara, grande símbolo dos grupos de esquerda da América Latina.

Entre os anos de 1967 e 1969, a presidência do país esteve sob o comando de Arthur da Costa e Silva. Seu mandato destacou-se pelas seguintes medidas: o estabelecimento de uma nova Constituição, a forte repressão a toda e qualquer greve, passeata e manifestação estudantil e operária, a suspensão – por tempo indeterminado - de eleições (através da promulgação do Ato Institucional nº 8), o fortalecimento e expansão dos papéis desempenhados pelas corporações armadas militares, o controle da política econômica e pela crescente centralização do poder em suas mãos - excluindo, assim, os dois partidos existentes, a ARENA e o MDB, da tomada de decisões políticas. Além disso, com a finalidade de controlar os veículos de comunicação e combater as organizações esquerdistas mais radicais, instituiu uma nova Lei de Segurança Nacional.

Durante seu governo, a Educação caracterizou-se como pólo de drásticas transformações. A primeira relaciona-se à defesa e exploração da política adotada logo após o início do regime: o estímulo dado às instituições de ensino de 3º grau para buscar junto a empresas privadas de convênios e acordos financiadores e mantenedores de seus cursos (privatização e gerenciamento universitários) visando à redução cada vez maior de investimentos e recursos públicos destinados a essa área (OLIVEIRA, 1998). Mesmo não simpáticos a tal intervenção, a juventude de classe média, ao perceber as boas mudanças trilhadas pela economia brasileira ao final dos anos 1960 e que o melhor caminho para acompanhá-las e delas beneficiarem-se seria a posse de um bom diploma, opta pela tentativa maciça de ingresso nas Universidades. Ridenti (2010, p. 145) julga a massificação e a tecnocratização da Educação - incentivada pelo governo - como características expressamente contrárias àquelas esperadas a serem transmitidas pelo ambiente das Universidades, o que provocaria um verdadeiro choque de valores na formação da classe estudantil:

(25)

de massificar o ensino, dando ilusões a uma crescente parcela da população de que seria possível a ascensão social pelo estudo. Essa reforma do ensino superior contrapunha-se aos valores de autonomia intelectual da universidade pública e gratuita, como instituição formadora de profissionais liberais e de livres-pensadores comprometidos apenas com os ideais acadêmicos de liberdade, justiça, igualdade de direitos etc.

A combinação desses dois fatores, somados ainda a um número cada vez menor de vagas nos cursos superiores, resultaria no que se convencionou denominar “crise dos excedentes”, ou seja, estudantes que, mesmo ao passarem no vestibular, não desfrutariam da oportunidade de matrícula no Ensino Universitário. Oliveira (1998) ressalta, ainda, que tal problemática não ocorreu de maneira peculiar e isolada em um ou outro Estado: ela teve ampla repercussão em território nacional e as manifestações – cada vez mais frequentes - em prol da denúncia e da luta contra tal situação configuraram-se como a principal forma de protesto estudantil.

A afirmativa feita por Valle (2008, p. 35.) sintetiza, assim, toda essa questão:

Estará de volta à cena das discussões políticas a crise da universidade brasileira, inflamada pelos protestos dos ‘excedentes’ que, embora sendo aprovados em vestibulares, não conseguem vagas no ensino superior. Tal situação decorre da política educacional do pós-64, pautada na redução de verbas e no abandono de investimentos públicos na universidade, justificados pela estratégia de contenção de gastos em setores não diretamente produtivos.

(26)

O Decreto de nº 477, assinado pelo então presidente e pelos ministros da Educação (Tarso Dutra) e da Casa Civil (Gama e Silva) ao final de fevereiro de 1969 destaca-se, no entanto, como a principal mudança no espaço acadêmico. Em uma das inúmeras cartas datilografadas pela estilista Zuzu Angel e reunidas na obra de Valli (1987, p. 104), temos copilados os itens inerentes ao Artigo Primeiro dessa lei, que terá sua implantação diretamente ligada ao General militar Jarbas Passarinho, futuro ocupante do Ministério da Educação (MEC):

Comete infração disciplinar (na verdade, crime contra a ditadura militar) o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: 1) alicie, incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento; 2) atente contra pessoas ou bens tanto em prédios... dentro do estabelecimento de ensino ou fora dele; 3) pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados ou deles participe; 4) conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; 5) seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor ou membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; 6) use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticas ato contrário à moral e à ordem pública.

(27)

Entretanto, a presidência de Costa e Silva é lembrada e amplamente discutida em razão de três fatores, intrinsecamente co-relacionados e dependentes entre si: os movimentos estudantis, o surgimento crescente de grupos adeptos à guerrilha urbana armada e o Ato Institucional nº 5.

Ao final da década de 60, o mundo presenciaria uma série de protestos

liderada por uma classe que, a cada momento, procurava elevar sua voz a fim

de que suas necessidades e reivindicações fossem ouvidas, debatidas e

colocadas em ação: a juventude. O “Maio Francês” –

a maior greve geral

experimentada pelo continente europeu e que teve início com o embate devido

às discrepâncias educacionais e políticas existentes entre autoridades e alunos

da Universidade de Paris - tornou-se, para muitos, o grande símbolo das

alterações almejadas pelos grupos estudantis.

Essa força contestatória, adicionada ao sentimento revolucionário alcançou

uma grande parcela dos adolescentes brasileiros que, em um primeiro

momento, mostravam-se descontentes com as mudanças observadas no

âmago do meio acadêmico, assim como das áreas precedentes a esse nível de

ensino. Em artigo publicado inicialmente na revista

Visão,

em agosto de 1973,

Ventura (2000a, p. 74) reproduz a seguinte opinião do renomado crítico literário

e professor Alceu Amoroso Lima, mais conhecido por seu pseudônimo

Tristão de Ataíde, acerca da significativa redução do poder de expressão

estudantil, ademais de denunciar a presença de agente repressores infiltrados

nas salas de aula e nos campus universitários:

(28)

Porém, com o transcorrer do tempo e a percepção cada vez maior do

fechamento e dos ditames governamentais militares, das truculências,

agressões e censuras promovidas pelos órgãos de segurança, muitos se

encaminhariam não apenas em prol de mudanças no sistema de ensino, mas

também na luta a favor da democracia e da liberdade política, decisão essa

entendida por muitos conservadores como um ato de ingenuidade juvenil e

manipulação “comunista” e, portanto, “perigosa”:

Buscava-se imprimir no movimento estudantil a imagem de uma conspiração comunista, onde agentes infiltrados estariam manipulando a inocência e o idealismo juvenil. Jamais ocorreu às forças repressivas que os jovens estudantes poderiam ter idéias com raízes próprias, adquiridas através da experiência universitária e de sua observação das transformações do país e do mundo. (HAGEMEYER, 1998, p. 105).

Contudo, não devemos generalizar as ideologias assumidas pelo segmento juvenil: Ridenti (2010) defende que ao mesmo tempo em que havia os defensores da liberdade, da democracia e do fim do regime militar e de suas coerções, existiam aqueles que acreditavam na ditadura, no poder de suas mudanças e nos benefícios promovidos por ela, na real existência de uma subversão que necessitaria de controle e destituição; uma terceira linha de atitude também surgia como escolha possível – o silêncio, a indiferença, o afastamento e o desconhecimento (real ou cômodo) diante das transformações experimentadas pelo país nas mais distintas áreas.

(29)

Ao relembrar os movimentos e a participação estudantil, não podemos deixar de comentar episódios ocorridos em 1968 onde esse segmento social destacou-se como grande protagonista.

O primeiro deles é o assassinato de Edson Luis, ocorrida no restaurante Calabouço, reduto e ponto de encontro utilizado por muitos universitários. Em 28 de março, após mais um confronto entre policiais e frequentadores em virtude das más condições de funcionamento e de higiene do local, Edson – secundarista de apenas dezessete anos – morre ao ser alvejado por um tiro disparado por uma arma policial.

Ventura (1988) e Gaspari (2002a) apontam em suas obras que, ao perceberem o anseio dos órgãos de segurança em camuflar mais uma morte causada pela violenta repressão imposta pelo regime, os jovens optam por impedir a remoção do corpo ao Instituto Médico Legal pelas autoridades, delegando a si próprios a responsabilidade de marchar até a Assembleia Legislativa, realizando ali o velamento do corpo.

A missa em memória do estudante, realizada na Candelária, configurou-se,

segundo Gaspari (2002a), como um dos momentos mais tensos do primeiro

semestre daquele ano: cumprindo ordens advindas das altas instâncias

governamentais, um esquadrão da cavalaria pertencente à Polícia Militar -

objetivando amedrontar e, ao mesmo tempo, provocar possíveis focos de

conflito - bloqueou alguns portões da igreja estreitando os caminhos daqueles

que saíam após o culto. Os padres, preocupados com a possibilidade de novos

atos de violência de ambas as partes, formaram um cordão de isolamento e

orientaram a população a deixarem o local em pequenos grupos e a não se

demorarem nas proximidades. Entretanto, tal atitude não impediu que muitos

jovens, depois de se dispersarem pelas ruas da cidade, fossem perseguidos,

espancados e presos pelos órgãos de segurança.

(30)

posicionamentos e a iniciarem um processo de apoio e solidariedade ao segmento estudantil.

A violência que mata um estudante – que nem era uma liderança subversiva que podia estar comprometendo a “tranquilidade nacional” – se transforma em um forte motivo para a adesão até mesmo de setores das classes dominantes – “que podem ter seus filhos mortos” – ao repúdio à ação da PM (VALLE, 2008, p. 70). As demonstrações que se seguiram à morte de Edson Luis deixaram para nós uma série de problemas e também indicavam uma série de soluções. Ficou evidente que o movimento estudantil não estava só. O processo de radicalização ia tocando todos os setores mais próximos, sobretudo os intelectuais, professores e trabalhadores da indústria da comunicação. (GABEIRA, 1981, p. 59).

Já no período compreendido entre 20 e 26 de junho do mesmo ano, o país assistiria a dois outros acontecimentos relacionados à intervenção militar junto aos universitários: a Sexta Feira Sangrenta e a Passeata dos Cem Mil.

Gaspari (2002a) e a Coleção Caros Amigos (2011) relatam que, no dia 20 de

junho, ao deixarem a reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) após a realização de uma assembleia promovida pela Faculdade de

Economia, cerca de 400 estudantes viram-se cercados por batalhões da Polícia

Militar. Ao tentarem fugir, uma grande parcela ficou encurralada e acabou

sendo conduzida ao estádio do Botafogo, onde se transformaram em alvo das

truculências dos soldados: muitos foram obrigados a andar de quatro e a

estenderem-se no gramado para receber os mais cruéis tratamentos; outros

sofreram espancamentos e pressões psicológicas. Na obra

Os carbonários

,

Sirkis (1994, p. 80) denuncia abertamente muitas outras agressões vivenciadas

por esses jovens:

(31)

Na manhã seguinte, uma sexta feira, o Brasil despertou e deparou-se com os

mais diferentes veículos comunicacionais abordando, por meio de notícias e

fotografias, o embate desleal travado em Botafogo. Estarrecidos com os fatos,

diversos segmentos sociais - encabeçados principalmente pela juventude e

pela classe média, camada da qual pertenciam a grande maioria dos

universitários violentados

iniciaram um grande combate que duraria mais de

dez horas contra as autoridades policiais.

Autores como Valle (2008) e Ventura (1988) defendem a ideia de que esse

grande enfrentamento ocorreu em duas diferentes etapas. Na primeira,

desenvolvida durante a manhã, estudantes lideraram protestos e passeatas

denunciando o autoritarismo militar frente às questões educacionais e às

instituições de ensino (a ausência de verbas públicas às Universidades, os

acordos, interferências e imposições americanas impostas à Educação

nacional) e as constantes repressões e agressões físicas experimentadas por

todos aqueles contrários aos ditames ditatoriais. Já a segunda, no período

vespertino, contou com a grande mobilização de populares indignados com os

cada vez mais frequentes excessos militares, que agora esbarravam e faziam

suas vítimas no seio das famílias abastadas ou financeiramente estáveis.

Em 26 de junho, o centro das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro presenciaram a Passeata dos Cem Mil, manifestação de caráter totalmente pacífico e em resposta direta aos conturbados acontecimentos vivenciados na semana anterior. Sua organização contou com a participação ativa de diversos representantes da classe intelectual brasileira - cantores, escritores, artistas, pesquisadores - ademais do apoio maciço das camadas populares, dos sindicalistas, dos religiosos, dos professores, dos familiares dos estudantes, dos jornalistas e também de um número considerável de deputados e políticos.

(32)

edifícios, como forma de apoio, a chuva de papel picado não parava de derramar-se sobre os manifestantes e, nas ruas, como apontam Valle (2008) e Gaspari (2002 – I), dois gritos misturavam-se e indicavam as próprias dissidências que permeariam os grupos de esquerda: enquanto os mais exaltados e extremistas clamavam o lema “Só o povo armado derruba a ditadura”, os mais conservadores, porém não menos contestadores, pediam “Só o povo organizado derruba a ditadura”.

É interessante comentarmos que tal movimentação popular teria sido uma das últimas realizadas em 1968: praticamente um mês depois, o governo coibiu e proibiu, através de leis e decretos, toda e qualquer ato público contrário ao regime militar (CAROS AMIGOS, 2011).

O confronto na Maria Antônia e o XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) desenham-se como os grandes marcos de outubro.

Logo ao inicio do mês de outubro, mais precisamente no dia 02, o centro da cidade de São Paulo – palco das principais manifestações e passeatas do estado - presenciou o embate entre os dois grupos estudantis: um deles advindo do curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e o outro pertencente à Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Para Carvalho (2013), essa batalha apresentou tanto um cunho ideológico como geográfico, visto as duas instituições de ensino superior localizarem-se em uma mesma rua (Maria Antônia) e localizarem-seus prédios ficarem frente a frente.

(33)

poderia ser relacionado a mais uma ação repressora de direita, as autoridades invadiram os edifícios de ambas as faculdades e prenderam inúmeros jovens.

Alvo de censura e de violência desde a imposição do regime ditatorial e inserida no rol das agremiações postas na ilegalidade pelos órgãos governamentais, a União Nacional dos Estudantes não deixou de realizar seus congressos e encontros durante toda a segunda metade do decênio de 1960: o XXX Congresso, agendado para meados de outubro de 1968 aconteceria apesar de todos os reveses e teria como sede o município de Ibiúna, localizado no interior paulista. Segundo o jornal Folha de São Paulo (1968), grande parte dos jovens que se dirigiam ao sitio Muduru, ponto central das reuniões, chegavam de ônibus e em pequenos grupos, com no máximo 20 pessoas. No total, estima-se que 900 pessoas compareceram e estabeleceram-se na pequena cidade e em suas proximidades.

Não obstante, o rápido aumento de transeuntes e da enorme quantidade de produtos alimentícios e higiênicos por eles adquiridos despertou a atenção dos habitantes: alguns, mais desconfiados, teriam entrado em contato com as autoridades locais que, por sua vez, contactaram soldados da força pública paulista e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Assim, pouco tempo após a abertura do Congresso, e depois de incursionarem pequenas batidas policiais nos arredores, cerca de 200 agentes de segurança invadiram Muduru, apreenderam armamentos e materiais classificados como “subversivos” (livros com temáticas guerrilheiras e de ideologia revolucionária) e prenderam a grande maioria dos ali presentes, inclusive as principais lideranças estudantis do período: Luís Travassos, presidente da UNE recentemente empossado e um dos organizadores e idealizadores da Passeata dos Cem Mil; Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME); Franklin Martins, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) ; Jean Marc van der Weid, presidente do Diretório de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e José Dirceu, vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) entre os anos de 1966 e 1967.

(34)

diferentes organizações de esquerda. Tal fenômeno, que futuramente será um dos principais responsáveis pelo fim de muitos grupos armados, propiciava à repressão o acesso a informações tidas como absolutamente sigilosas, ademais de espalhar a insegurança, a desconfiança e o medo entre os militantes.

Finalizando tal tópico, acreditamos que as palavras de Sirkis (1994, p.36, grifos nossos) - jovem militante que viveu de perto a maior parte dos episódios relatados - conseguem abarcar e sintetizar muito da revolta, dos pensamentos e sentimentos de grande parte da juventude daquele momento:

Outros colégios também estavam em luta e o mesmo acontecia com várias faculdades. Entendi então que a nossa briga não era isolada, que não era apenas contra uma diretora arbitrária, que queria tolher a nossa liberdade de expressão e debate. Era um fenômeno mais geral, era toda uma política educacional destinada a embotar, castrar intelectualmente a juventude.

Então, os universitários que faziam aquelas passeatas no centro da cidade não eram baderneiros, interessados apenas em promover agitação e bagunça. Estavam em luta porque tinham problemas parecidos com os nossos. Passei a sentir uma grande revolta, já não apenas contra a repressão no colégio, mas contra toda política educacional, o governo e a imprensa de direita, que nos caluniava sistematicamente.

Em virtude da repressão, das cassações, do cerceamento das liberdades individuais, das proibições e imposições nas mais diferentes instâncias da vida humana, e do desejo por um governo liberal e democrático, muitos foram aqueles que escolheram, a partir de 1967, pelo ingresso em grupos de esquerda defensores da luta armada e, posteriormente, pela clandestinidade - caminhos esses intimamente entrelaçados:

[...] o próprio Regime Militar, na medida em que fechava, com a repressão dos primeiros tempos, os canais de oposição por meios legais, empurrava à clandestinidade e a métodos violentos os setores sociais insatisfeitos com seu modelo político e econômico-social. (ARQUIDIOCESE, 1991, p, 87).

(35)

Concentradas no eixo São Paulo

Rio de Janeiro e formadas em sua maioria

por universitários, militantes de vertente comunista ou socialista, militares

reformistas e nacionalistas, sindicalistas, intelectuais das mais diversas áreas e

por um significativo número de religiosos, essas agremiações acreditavam que

seriam as responsáveis pela formação de um “homem novo”, livre da

s arcaicas

imposições sociais e da rotina e modos de agir burgueses assumidos pela da

classe média brasileira (GASPARI, 2002a).

Além desse aspecto comum, outros três devem ser considerados, sendo o

primeiro deles a adoção e utilização de táticas de guerrilha urbana, sejam elas

pertencentes a um nível extremado e imediatista

como os assaltos a bancos

e carros-fortes, sequestros de diplomatas estrangeiros para resgatar presos

políticos, atentados a quartéis visando à obtenção de armas e munições

ou

de caráter mais equilibrado e racional, como as panfletagens e infiltrações em

fábricas, indústrias e sindicatos; entretanto, ambas objetivavam enfrentar e

minar as forças dos órgãos de segurança, desmoralizando-os perante a

população nacional e internacional.

A defesa por uma estruturação celular centralizada, bem delimitada e pautada em atitudes que lhes garantissem estabilidade, independência, praticidade e, principalmente, um alto nível de proteção, apresenta-se como outro ponto de contato entre as organizações de esquerda. Gaspari (2002a; 2002b) tabela como sendo comportamentos primordiais a composição de variados quadros táticos, cada qual com funções específicas (liderança, estratégia, recrutamento, etc) e com um diminuto número de membros; a adoção de codinomes e de um novo modo de vida combinado ao afastamento gradativo de todos os laços e traços relacionados ao período anterior à militância e que poderiam, de algum modo, compromete-la; e a total obediência aos programas de clandestinidade e segurança.

(36)

fossem descobertos pelos órgãos repressores; o desconhecimento e a ausência de contato a serem mantidas e respeitadas por aqueles militantes que desempenhavam cargos diferenciados, pretendendo-se que tal cautela preservasse grande parte do grupo caso uma deles caísse nas mãos dos militares.

Já como terceira característica compartilhada entre as esquerdas, temos sua postura oposicionista à contundente participação americana na política e na economia brasileira.

Segundo o documento Direito à Memória e à Verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (BRASIL, 2007), os Estados Unidos teriam apoiado e patrocinado financeiramente a instituição de grande parte das ditaduras e regimes totalitários do Cone Sul entre as décadas de 1960 e 1970, alegando temer uma maciça investida e divulgação de ideias comunistas e, portanto, “subversivas”, após a vitória da Revolução Cubana (em 1959). Contudo, o verdadeiro motivo dessa intervenção relacionava-se ao seu desejo de não perder sua hegemonia perante o continente como um todo.

Já o imperialismo, ao lado do sistema latifundiário, representaria – para agremiações revolucionárias – a principal barreira para o desenvolvimento pleno do capitalismo no país, sistema esse que também não iria progredir e gerar benefícios a todos os brasileiros devido às alianças travadas entre os três estamentos que detinham e usufruíam do controle sobre a maior parte dos lucros: a burguesia, os latifundiários e os empresários estrangeiros. Na perspectiva abordada por Ridenti (2010, p. 36):

O capitalismo brasileiro estaria bloqueado, incapaz de progredir, num processo de estagnação insuperável dentro do modelo econômico da ditadura, que excluía a maioria da população. Talvez, em tese, a única saída para o capitalismo seria seu desenvolvimento nacional independente, com a ampliação do mercado pela incorporação das massas populares secularmente excluídas. Mas isso seria irrealizável, dada a subordinação estrutural da burguesia brasileira aos ditames do capital internacional e seu vínculo umbilical com as classes dominantes agrárias [...]

(37)

De certo modo paradoxal a esse último tópico, é relevante levantarmos a questão muitas vezes esquecida por pesquisadores e até mesmo camuflada e negada pelos próprios militantes do período referente à interferência externa junto a algumas organizações de esquerda. Rollemberg (2001) e Gaspari (2002a; 2002b) não permitem que tal tópico seja subjugado em suas produções escritas e apontam o apoio concedido por países como Argélia, China e, principalmente, Cuba para a guerrilha urbana através da doação de altas quantias monetárias e da oferta de treinamento militar (tático e prático) em seus territórios, a fim de preparar os revolucionários interessados para as vicissitudes com as quais poderiam deparar-se. Entretanto, tais autores exploram momentos diferentes em que essa ajuda estrangeira teria ocorrido: enquanto o primeiro destaca os anos de 1967 até 1972, o segundo apresenta que tal fenômeno dar-se-ia desde a instituição da ditadura, em 1964.

Evidenciam-se, a partir da somatória dessas características, o posicionamento ideológico das esquerdas e tudo aquilo que as colocavam

[...] em confronto com a ordem estabelecida pelo regime autoritário. Ao divergir da ideologia oficial, a esquerda disputa com ela a legitimidade de seu código político, que, segundo seus princípios, poderá re-significar e recriar as práticas sócio-econômicas, forjando com isso uma nova ética e uma nova forma de organização social. Para o regime, a divergência é traduzida como uma atitude de rompimento com o sistema e como uma ameaça à sociedade. Dentro desse quadro, a militância e as organizações políticas antagônicas ao governo são perseguidas e se protegem entrando para a clandestinidade. A essa altura, já está construída a imagem estigmatizada de tais grupos, identificando-os como transgressores da ordem política e social do país. Esse processo de rotulação faz parte da disputa para a definição do sistema central de valores e de poder dessa sociedade, na qual se enfrentam as duas forças. (FERREIRA, 1996, p. 62).

(38)

as propostas politicas, sociais e econômicas mais imediatas a serem implantadas, entre muitas outras.

No entanto, o principal ponto de divergência relacionava-se ao caminho

percorrido para a instauração do socialismo como novo sistema político

brasileiro: uma parcela sustentava a tese de que a revolução ocorreria

mediante a uma etapa transitória - de cunho burguês e caráter libertador; em

contrapartida, havia aqueles sustentadores da tese de que a revolução

ocorreria de forma direta e sem qualquer necessidade de interferência da

classe burguesa: ela seria iniciada por pequenos focos contestatórios

localizados no meio rural e conduzida por militantes, trabalhadores e populares.

Curiosa e paradoxalmente, ambos segmentos defendiam a ascensão de uma

nova ditadura em detrimento do reestabelecimento de um governo pautado na

democracia, demonstrando assim um viés de pensamento contestatório e

extremista em menor ou maior grau e atribuindo àqueles não concordantes

com tal ideário a denominação de conservadores. (EVELIN, 2014).

Como consequência direta dessas discordâncias , as esquerdas depararam-se

com diversas cisões propiciadoras da criação de centenas de pequenos

grupos, cada qual com nomenclatura, ideologia e linha de pensamento própria.

Ainda que beneficiados em seu início, como apresenta Gaspari (2002b), pelos

seus baixos contingentes, pelo desconhecimento repressor de maneiras

propícias de lidarem de modo efetivo e definitivo com as ações armadas e seus

atores centrais, pelo cumprimento consciente de táticas de segurança e

atuação, as agremiações basilares e suas ramificações viram-se próximas a

um risco que lhes seria fatal: o isolamento e a falta de comunicação.

Após esse rol de informações, concentremo-nos em observar mais detidamente a maior organização de esquerda existente no Brasil durante os anos de chumbo e duas das mais importantes agremiações armadas e clandestinas que dela originaram-se.

(39)

todos aqueles membros da organização que se encontravam presos e banidos); ao início de 1960 - com a posse presidencial de João Goulart, a ascensão e a importância política assumida pela figura de Leonel Brizola nos estados sulistas e o aumento gradativo do número de integrantes e zonas de influência em todo o território nacional; e novamente apenas em 1985, com o fim regime militar e a presidência de José Sarney (MARKUN, 2005).

Para Ridenti (2010), as ideias apresentadas por essa organização alcançavam diversos segmentos sociais, sendo o sindical aquele capaz de obter maior destaque em virtude de também posicionar-se contrário imperialismo, fenômeno responsável por frear e conter desenvolvimento autônomo da nação.

Logo após a implantação da ditadura, o PCB voltaria para a ilegalidade e tornar-se-ia a principal organização de esquerda perseguida pelos órgãos repressores em dois momentos distintos: entre 1964 e 1968 (visto sua força e sua influência junto a políticos e sindicalistas e de seu grande contingente); e depois em 1976 e 1978 (em razão da grande parte das demais instituições de esquerda – principalmente aquelas envoltas nas guerrilhas urbanas – já estarem dizimadas e do apoio concedido ao projeto de redemocratização lançado pelo Movimento Democrático Brasileiro - MDB -, único partido de oposição permitido pelo governo).

Ao decorrer de sua existência, seus membros travaram inúmeras lutas internas, sendo a maioria delas baseadas em duas posturas defendidas pelos quadros de liderança e que iam de encontro os desejos de maior parte da geração jovem e contestatória de 1968 que integrava o “Partidão”: a negação e repúdio à luta armada – seja ela urbana ou campal – e a necessidade de uma revolução burguesa entre o até então governo autoritário atual e aquele de cunho socialista almejado e planejado para um futuro próximo. Tal etapa intermediadora, segundo Ridenti (2010, p. 33), contaria com a “[...] somatória de classes sociais progressistas, unidas para desenvolver as forças produtivas” e assim superar “ [...] os entraves impostos ao desenvolvimento nacional pelas relações feudais no campo e pela presença do imperialismo na economia.”.

(40)

Descontente com os rumos adotados e com os posicionamentos - vistos como provas cabais do conservadorismo e da subordinação à classe burguesa – Carlos Marighella optou, em 1967, por desligar-se do PCB e dedicar-se à criação daquele que seria o grupo de maior contingente, expressão e atuação no cenário da luta armada brasileira no período compreendido pelos anos de 1968 e 1973 (ARQUIDIOCESE, 1991; BRASIL, 2007; MIRANDA e TIBURCIO, 1999; MITRA ARQUIDIOCESANA DE SÃO PAULO, 1988): a Ação Libertadora Nacional (ALN), cuja postura revolucionária e ideológica pautava-se em três ideias centrais: a passagem imediata à luta armada; o foquismo; e a negação da classe média burguesa como segmento condutor e propiciador das transformações politicas, econômicas e sociais pelas quais o Brasil deveria passar antes da derrubada de seu governo totalitário.

Vale mencionar, antes de expormos cada uma delas, a existência de uma coerência teórica no projeto contestatório dessa organização, ao passo que é possível estabelecer, entre todas elas, relações de causalidade e dependência.

Contrária ao pacifismo atribuído ao comportamento do PCB após a

promulgação do AI-5, a ALN passou a promover uma série de ações guerrilhas,

como expropriações a bancos, quartéis, trens-pagadores e carros-fortes; e

panfletagens nas portas de indústrias, infiltrações em fábricas e sindicatos,

visando à aquisição de recursos financeiros para a manutenção de seus

quadros e à adesão de novos integrantes, principalmente advindos das

camadas mais populares. Entretanto, Gaspari (2002b) coloca como objetivo

máximo e central desse “terrorismo urbano” a produção de uma latente tensão

política: assustados e inseguros, os segmentos sociais começariam a duvidar

da eficácia do regime militar, levando-o ao desgaste e a desmoralização da

imagem de sistema político seguro na qual tentavam basear-se.

(41)

[...] ‘A ação faz a vanguarda’, torna-se lema central da organização e a ALN começa a surgir como uma estruturação orgânica pouco precisa, sem uma direção coletiva, adotando a ‘autonomia tática dos grupos armados’, sob a consigna de que ninguém precisa pedir licença a ninguém para fazer a Revolução. (BRASIL, 2007, p. 469, grifos nossos).

Cunhada pelo jornalista, filósofo, professor e escritor francês Regis Debray e

praticada pelos militantes cubanos comandados por Ernesto Che Guevara, a

Teoria do Foco fundamentava-se na guerrilha rural como ponto de partida para

uma transformação política que, chegando ao meio urbano, possuiria os

alicerces necessários para findar definitivamente com o regime ditatorial.

Segundo Ridenti (2010), muitos integrantes da Ação e, até mesmo, o próprio

Marighella empreenderam curtas estadias em Cuba, a fim de receberem um

treinamento guerrilho adequado para a condução dessa modalidade de luta

revolucionária, estreitando assim os laços entre determinadas esquerdas

brasileiras e os ideais comunistas fortemente defendidos pela ilha.

Para a ALN, a criação de focos contestatórios no campo (e consequentemente

de um Exército de luta e libertação nacional) somente seria possível mediante

à obtenção de recursos advindos do desencadeamento imediato de operações

armadas nas grandes cidades (ARQUIDIOCESE, 1991) e a alterações na

estrutura agrária como o confisco de propriedades latifundiárias (MOCELLIN,

1989). No entanto, tal pretensão nunca foi atingida pela organização, que

permaneceu nos limites do primeiro estágio, ou seja, nas ações urbanas.

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