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4 DIFERENÇAS ENTRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE

4.2 Quanto aos pressupostos de aplicação

Sabe-se que há diversas espécies (ou formas) de responsabilidade tributária previstas no Código Tributário Nacional (responsabilidade tributária por substituição, por sucessão ou solidária). Interessa-nos, por força do presente trabalho, aquela prevista no inciso III do artigo 135 do referido código, segundo a qual os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado podem ser pessoalmente responsabilizados pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

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Regina Helena Costa (2009, p. 203) explica, de forma resumida, que o inciso III do artigo 135 em questão trata da responsabilidade de terceiros, ou responsabilidade em sentido estrito, referindo-se “(...) à situação em que a pessoa chamada a responder pelo débito do contribuinte deixou de cumprir um dever próprio, legalmente estabelecido.”

Apesar da aparente “simplicidade textual” do inciso III do artigo 135 em questão, a doutrina nem sempre é muito clara ao explicar os pressupostos necessários à aplicação de suas disposições. Porém, conforme adverte Hugo de Brito Machado (2011, p. 160), a correta identificação desses pressupostos é fundamental à aplicação dessa forma de responsabilidade:

Questão de grande relevância, em matéria de responsabilidade tributária, consiste em determinar o alcance do art. 135, inciso III, do CTN, e assim saber em que circunstâncias os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pelos créditos tributários dos quais sejam estas contribuintes. É claro que, em se tratando de sociedades nas quais a lei específica não limita a responsabilidade dos sócios, não há qualquer dificuldade. Entretanto, nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada e nas sociedades anônimas a questão é tormentosa.

O considerável número de casos colocados em julgamentos pelo judiciário evidencia a importância prática da questão, e as divergências dos julgados demonstram como a matéria constitui uma questão extremamente difícil.

Em importante síntese de sua obra, Maria Rita Ferragut (2005, p. 143) explica os pressupostos, ou elementos, para a aplicação da responsabilidade tributária em questão:

1) Elemento pessoal – refere-se ao sujeito responsável pelo crédito tributário: executor material, partícipe ou mandante da infração. É o administrador da sociedade, podendo ser sócio, acionista, mandatário, preposto, empregado, diretor, gerente ou representante. Não deverão ser incluídas nesse conjunto

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pessoas sem poderes para decidir sobre a realização de fatos jurídicos, ou se com poderes, que, no caso concreto, não tiveram qualquer participação no ilícito;

2) Elemento fático – refere-se às condutas reveladoras de infração que exija dolo; excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.

Conforme já exposto neste trabalho, a pessoa jurídica pode ter um ou mais administradores, que podem ser sócios ou não. Apesar da fundamental importância dos sócios numa sociedade, sem os quais ela não existiria, o Código Tributário Nacional não faz qualquer referência a eles ao tratar da responsabilidade tributária em questão, prevista no inciso III do artigo 135.

Maria Rita Ferragut (2013, p. 143) deixa claro, na afirmação acima, que essa responsabilidade tributária exige, juntamente com os outros pressupostos, o exercício de atos de administração por determinada pessoa, seja ela sócia ou não da pessoa jurídica. Portanto, a simples condição de sócio não justifica, de acordo com a redação do inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional, que seja ele responsabilizado pelos créditos tributários devidos pela pessoa jurídica. Para tanto, deve praticar ou ter praticado atos de administração com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

No caso da desconsideração da personalidade jurídica, diferentemente, é juridicamente possível que seja “responsabilizado” o sócio, mesmo que não tenha praticado atos de administração, apesar de o administrador também poder ser “responsabilizado”.

Assim, de acordo com a redação do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, e do artigo 50 do Código Civil, o administrador poderá sofrer tanto os efeitos da responsabilidade tributária quanto os da desconsideração da personalidade jurídica, porém, o sócio, pela sua simples condição de sócio (sócio não administrador), jamais poderá ser incluído no polo passivo da obrigação como responsável tributário, muito embora possa assumir débito por força da desconsideração.

Por outro lado, a responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código tributário Nacional exige a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Ao analisar os

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mencionados pressupostos, Luciano Amaro (2012, p. 354) ensina que a caracterização da responsabilidade tributária em questão depende da prática de um ato para o qual o administrador não detinha poderes ou de ato que tenha sido praticado infringido a lei, o contrato social ou o estatuto da pessoa jurídica.

Hugo de Brito Machado (2011, p. 161) demonstra o mesmo entendimento ao afirmar que:

As leis societárias, mesmo quando limitam a responsabilidade dos sócios, atribuem aos administradores responsabilidade pelos atos praticados com violação da lei, do contrato ou estatuto. E o próprio art. 135, III, do CTN estabelece que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Maria Rita Ferragut (2013, pp. 148-149) esclarece, por sua vez, que a infração à lei de que trata o inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional poderia ser entendida, numa primeira e superficial interpretação, como qualquer conduta contrária ao Direito, respondendo os administradores, de acordo com essa perspectiva, por todo e qualquer ato contrário à legislação (nesse caso, se incluiria, portanto, o abuso ou desvio para fins de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica).

Contudo, a mencionada autora entende que essa interpretação não parece ser a mais adequada, pois é incompatível com o princípio da autonomia

existente entre a personalidade dos sócios e da pessoa jurídica:

Se qualquer infração à lei gerasse a responsabilidade pessoal do administrador, os sócios seriam sempre responsáveis pelas dívidas da sociedade, oriundas tanto de relações de direito público, como de direito privado. Teríamos, então, o fim da separação e da autonomia da personalidade jurídica,

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desprezando-se o fato de que a sociedade há de se responsabilizar pelos seus atos.

Entendemos que Renato Lopes Becho (2012, p. 130) faz a mais importante reflexão sobre essa questão, ao afirmar que tal infração não se refere à prática genérica de atos ilícitos, mas, ao contrário, à prática de atos lícitos, contrários, porém, aos interesses da pessoa jurídica. Para o referido autor, é nessa contrariedade que reside, pois, a ilicitude da conduta:

Considerando que, para nós, os atos ilícitos não são tributáveis, supomos que, no primeiro momento (norma fiscal básica), o fato gerador (fato imponível) realizado era lícito. O ilícito é no animus do agente (responsável), que contraria os interesses do contribuinte. Além da intributabilidade dos atos ilícitos, a prática de atos ilícitos, em geral, pelo responsável, deve ser tipificada no art. 137 do CTN (…).

O referido jurista identifica, assim, duas regras-matrizes quanto à responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do CTN: a primeira se refere à materialidade do tributo, decorrente, sempre, de ato lícito; e a segunda se refere à prática de ato com infração de lei, contrato social e estatuto, sendo esse, pois, o ilícito, que é caracterizado por sua contrariedade aos interesses da pessoa jurídica e que, apesar de não ser um ato propriamente tributário (no sentido que compõe a regra-matriz de incidência do tributo), desencadeia efeitos fiscais, que constituem a imputação da responsabilidade tributária ao terceiro eleito pela lei.

Luís Eduardo Schoueri (2012, p. 534) também defende que a aplicação do dispositivo legal em questão tem como um de seus pressupostos a prática de ato ilícito contra os interesses da pessoa jurídica, conforme se observa na seguinte afirmação: “(...) enquanto o artigo 134 versa sobre responsabilidade tributária de terceiros em situações lícitas, o artigo 135 versa sobre o ilícito (infração à lei ou excesso de poder).”

A prática de ato ilícito contra os interesses da pessoa jurídica parece ser, pois, o fator inconteste para a caracterização da responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional. Contudo,

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diferentemente, a ilicitude que desencadeia a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica não é praticada contra os interesses da pessoa

jurídica; é pratica, em verdade, contra os interesses de terceiros. Essas

diferenças – e outras – estão bem explicadas nas lições de José Augusto Delgado (2005, pp. 203-204):

Os pressupostos são diversos e as consequências também. Na primeira hipótese, a responsabilidade é desviada da pessoa jurídica, que, assim, não é desconsiderada, mas protegida das consequências de ato do sócio.

Na segunda, o abuso protegido pelo princípio da separação patrimonial é contestado. Se o patrimônio da sociedade, que também responde pela dívida no caso, não é suficiente para satisfazer os credores, desconsidera-se a sua personalidade, para considerar o ato abusivo como ato do sócio, sendo esse responsável pelas dívidas.

Logo, enquanto a responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional é uma sanção imposta exclusivamente ao administrador improbo, sócio ou não, em razão da prática de atos contrários aos interesses da pessoa jurídica administrada, a extensão da responsabilidade sobre determinadas relações obrigacionais em razão da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é uma sanção imposta a sócio ou administrador em razão da prática de atos contrários aos interesses de outrem, estranho à pessoa do sócio e da sociedade, não se confundindo, pois, os dois institutos.