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AS EMPRESAS COOPERATIVAS

No documento Economia política (páginas 127-132)

§ 5º AS UNIDADES PRODUTORAS NA ECONOMIA CAPITALISTA 20 AS EMPRESAS CAPITALISTAS

21. AS EMPRESAS COOPERATIVAS

a) Caracteres gerais

Ao lado das empresas capitalistas, há várias outras unidades de produção, entre as quais as empresas cooperativas.

As cooperativas também são sociedades, constituídas entre nós sob a forma de sociedades em nome colectivo, anónimas, em comandita ou por quotas, mas que economicamente se caracterizam por estes dois traços fundamentais:

1º. Supressão dos conflitos da economia capitalista pela reunião no empresário das qualidades antagónicas

Há muitas divergências de interesses na economia capitalista; daí resultam conflitos que, se por vezes são susceptíveis de solução, na maior parte dos casos persistem insolúveis.

É de todos os dias o conflito entre o operário e o patrão; aquele acha que ganha pouco, o patrão pensa que lhe dá demais. Constante é, igualmente, o desacordo entre o lavrador, que pretende vender caro os seus produtos, e o comerciante, que lhos quer comprar a baixo preço.

E o conflito repete-se entre os camponeses e os pequenos indus- triais e comerciantes, de um lado, e os bancos, do outro: estes negam- -lhes o crédito que aqueles pretendem e de que, de facto, necessitam; e, se por vezes lho concedem, é, ao contrário dos seus desejos, a juro demasiadamente elevado.

Conflitos como estes, ou como o que se verifica entre os consumi- dores, que pretendem comprar barato, e os retalhistas, que tentam ven- der caro, são, repetimos, constantes e inevitáveis.

E o pior é que não se toma possível, umas vezes, ou fácil, outras, uma verdadeira conciliação de interesses. Na maioria dos casos, o inte- resse de uma das partes — da mais fraca, claro está — acaba por ser sacrificado ao interesse da outra.

Mas, se é assim, por que não cortar o mal pela raiz, eliminando os conflitos? Ora, os conflitos eliminam-se se se eliminarem as duas partes, ou seja, se se reunirem numa só.

É esta a lógica do cooperativismo: a reunião, na pessoa da parte mais fraca, da qualidade da outra parte. Com efeito, o conflito entre o patrão e o trabalhador desaparece logo que se conjuguem na mesma

pessoa as qualidades de patrão e de operário, isto é, logo que os traba- lhadores sejam patrões de si mesmos. A este tipo de cooperativas, onde se tomam os operários patrões de si próprios, dá-se o nome de coopera- tivas operárias de produção.

Como o conflito entre o lavrador e o comerciante também desapa- rece quando os lavradores se tomarem comerciantes dos artigos e géne- ros que produzem. Temos então, as cooperativas de venda.

Igualmente deixa de existir qualquer conflito entre o pequeno indus- trial, o pequeno comerciante, o camponês e o banqueiro quando aqueles se tornarem banqueiros de si próprios. Eis as cooperativas de crédito.

Finalmente, elimina-se o conflito entre o consumidor e o comercian- te logo que os consumidores passem a fazer, eles próprios, o comércio dos artigos que adquirem. São as cooperativas de consumo.

2º. Distribuição dos lucros consoante a contribuição de cada sócio para a obra comum

As cooperativas — que são, como acaba de ver-se, sociedades de pessoas econòmicamente débeis que procuram tornar-se econòmica- mente fortes adquirindo as qualidades dos fortes que se lhes opõem: os patrões, os comerciantes, os banqueiros — adoptam ainda um princípio de repartição dos lucros diferente do das sociedades capitalistas. Com efeito, os lucros são repartidos, não em função do capital de cada sócio, como acontece nestas sociedades, mas em função do contributo de cada sócio para a obra, para a acção da cooperativa. Assim:

Forma-se uma cooperativa operária de produção. Os seus sócios são simultâneamente trabalhadores e patrões, produzem-se mercado- rias, vendem-se, da venda resultam lucros. Estes não vão ser distribuídos consoante as entradas de cada sócio para a realização do capital, mas consoante a participação de cada um deles na produção, isto é, segundo o trabalho fornecido por cada um.

Constitui-se uma cooperativa de venda, que se propõe transac- cionar os géneros dos lavradores associados. Igualmente os lucros se distribuem consoante a contribuição prestada por cada sócio, isto é, na medida dos géneros que cada um forneceu à cooperativa e por esta fo- ram vendidos.

Organiza-se uma cooperativa de crédito que tem por finalidade conceder empréstimos aos seus associados. Os lucros repartem-se de harmonia com o crédito utilizado por cada sócio, isto é, consoante os

empréstimos que cada um obteve da cooperativa.

Forma-se uma cooperativa de consumo, que se destina a vender objectos de uso corrente aos seus associados. Os lucros distribuem-se segundo as compras de cada sócio à cooperativa.

Como se vê, as cooperativas não só se baseiam num princípio — o da eliminação dos conflitos pela reunião das qualidades antagónicas no empresário — que é estranho às empresas capitalistas, mas ainda distri- buem os lucros por critério diferente, negando os direitos do capital a per- cebê-los, para afirmar os direitos do serviço prestado à obra da sociedade.

b) As cooperativas de produção e as de consumo

Quantas esperanças se puseram, em meados do século XIX, nas cooperativas operárias de produção como instrumento de transformação gradual e pacífico do capitalismo! Na verdade, tornados os trabalhadores patrões de si mesmos, desapareceria o mais grave conflito da economia capitalista e o que, para muitos, há nela de mais condenável: o regime do assalariado.

Passou um século, porém, e o facto é que o regime ao assalariado persiste. Ora, por que é que as cooperativas de produção não se difun- diram? Por que é que os operários continuam submetidos aos patrões, a trabalhar em fábricas que não são suas?

Para darmos a resposta, vamos analisar o modo como se forma e desenvolve uma cooperativa de produção.

Cincoenta, cem trabalhadores resolvem associar-se para montar uma oficina. Todos dispõem de economias, mas as economias de cada um são bastante reduzidas. Assim, a soma é também pequena, não che- gando para constituir o capital necessário à empresa. É preciso, portanto, pedir dinheiro emprestado. E tanto o capital fornecido pelos sócios, como o obtido de empréstimo, ficam a vencer um juro fixo.

Inicia-se, depois, a produção. Desta resultam mercadorias, que vão ser vendidas e porventura originam lucros. Tais lucros são distribuídos de harmonia com o trabalho de cada operário, isto é, de acordo com a contribuição de cada sócio para a obra comum.

Como se vê, também nas cooperativas de produção os associados estão sujeitos a ganhar ou a perder; numa palavra, também eles sofrem risco. Simplesmente, não o sofram como capitalistas, mas como traba- lhadores. Se as cooperativas têm êxito, o trabalho é bem pago; se há

Ora, não há dúvida de que, se todas as indústrias estivessem nas mãos de cooperativas de produção, o regime do assalariado ficaria extin- to. Não o estão, e isso devido a três grandes dificuldades:

Primeiro, para se constituírem cooperativas são precisos capitais. E difìcilmente se consegue organizar e pôr em funcionamento uma fá- brica com a soma das pequenas economias dos seus sócios. Tem de se recorrer ao crédito; simplesmente, os sócios, os operários, que são pobres, pouco crédito podem obter. Daí que, ou se resignem a montar uma pequena oficina, incapaz de competir com as grandes fábricas das empresas capitalistas, ou desistam de formar a cooperativa.

Em certos casos, porém, os operários conseguiram vencer a difi- culdade, reunindo capitais suficientes através das suas contribuições e do dinheiro obtido de empréstimo. Mas tiveram, depois, que vencer outro obstáculo: o da administração da empresa.

É que os operários não têm, geralmente, competência para dirigir a fábrica, e os técnicos que organizam e gerem as empresas capitalistas não querem ser sócios das cooperativas, pois aí ganhariam menos e per- deriam a possibilidade de virem a ser também capitalistas.

Em certos casos, todavia, esta segunda dificuldade foi vencida. As cooperativas conseguiram ser bem administradas, ter êxito, obter lucros. Pôs-se, assim, o problema do seu desenvolvimento; tornaram-se neces- sárias mais máquinas e mais braços, isto é, mais trabalhadores. E aqui surgiu o terceiro obstáculo.

É que, como já disse Werner Sombart, uma das grandes vitórias do capitalismo foi a de conseguir impregnar do seu espírito até as pessoas que o combatem; foi a de conseguir que os operários tenham, no fundo, a grande aspiração de ser capitalistas.

Ora, quando as cooperativas tiveram êxito, se desenvolveram, cha- maram mais trabalhadores, não os chamaram, geralmente, como sócios, mas como assalariados. E, assim, transformaram-se em empresas capita- listas, ressuscitando o regime de trabalho que se tinham proposto suprimir. A estes três motivos se deve o terem-se difundido pouco as coope- rativas de produção. Note-se que, com elas, consegue-se abolir o regime do assalariado, mas não os rendimentos da propriedade: pois, por um lado, tanto o capital subscrito pelos sócios como o dinheiro obtido de em- préstimo, vencem juros; por outro, as cooperativas procuram vender ao

em que a produção estivesse toda em mãos de cooperativas operárias subsistiriam o juro e o lucro.

As cooperativas que se difundiram muito, em certos países, foram as de consumo. Basta dizer-se que nos Países Escandinavos, Suíça, Bél- gica, Austrália, 40 a 50 % da população é sócia dessas cooperativas; e que na Inglaterra agrupam mais de 7 milhões de pessoas e, na França, à roda de 2,5 milhões.

É que as cooperativas de consumo não têm de vencer as mesmas dificuldades que as de produção: precisam de pouco capital, adminis- tram-se com muita simplicidade.

Deve notar-se que, enquanto as cooperativas de produção abolem o assalariado, as de consumo o deixam persistir; e enquanto as primeiras prosseguem lucros, as últimas eliminam-nos.

Na verdade, as cooperativas de consumo têm trabalhadores ao seu serviço nas lojas e armazéns, aos quais pagam salários como as empresas capitalistas; mas, por outro lado, elas distribuem os lucros na proporção das compras feitas por cada sócio, o que pràticamente se traduz no retorno aos sócios do excesso do preço sobre o custo, que eles pagaram. Assim; de- terminada cooperativa vendeu a um sócio mercadorias no valor de 1.000$; chegado o fim do ano apurou que a esse sócio cabia um lucro (chama-se bónus) de 100$; esse lucro resultou, evidentemente, de lhe ter vendido as mercadorias por preço superior ao custo — e superior, precisamente, de 100$; se os 100$ lhe são entregues como bónus, o sócio vem a adquirir, no fim de contas, as mercadorias pelo custo e, portanto, sem lucro.

Igualmente se têm posto grandes esperanças nas cooperativas de consumo, ou melhor, numa cooperativização integral da economia se- gundo os princípios das cooperativas de consumo. Estas criariam explo- rações agrícolas e fábricas que lhes fornecessem os produtos da terra e os artigos industriais por elas vendidos aos sócios. E como as mer- cadorias acabavam por ser vendidas pelo custo, o lucro desapareceria inteiramente.

Mas não desapareceria o assalariado nem desapareceria o juro. O que não quer dizer, claro está, que um cooperativismo integral não signi- ficasse a substituição do capitalismo por outro sistema económico.

Entre nós, as cooperativas têm tido algum incremento nos últimos anos, mas ainda representam quase nada no conjunto da economia do País. Acresce que muitas das sociedades cooperativas não obedecem

rigorosamente aos princípios económicos do cooperativismo e não são, portanto, verdadeiras empresas cooperativas. Todavia, eis o que dizem as estatísticas:

1940 1956

Número total de cooperativas…….. 99 323

Cooperativas de consumo:

— número………... 27 108

— receitas (contos)……... … 301.055

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