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5 O CASO DA FAZENDA CERRO DO TIGRE (FCT)

5.3 Por que a PML está sendo adotada na FCT?

5.3.2 As expectativas

Utilizando-se o referencial teórico como guia desta pesquisa, adota-se aqui os relacionamentos propostos na Figura 3, p. 22. Assim, as expectativas dos gestores, em termos da adoção da PML, podem ter a ver com questões relativas à responsabilidade social e à conformidade ambiental, mas também, e principalmente, com a vantagem competitiva e com a possibilidade de que novos negócios sejam integrados à empresa. Entretanto, estas expectativas poderiam ser resumidas em duas palavras: “expectativas econômicas”.

Relativamente à responsabilidade social, englobando a consciência ambiental, o ecocentrismo, a ética empresarial e os stakeholders verdes, identificou-se o seguinte, em manifestações dos gestores (G) e dos terceiros (T):

21. (G) Se eu usar um agroquímico qualquer eu vou conseguir um ganho maior, mas que custo esse ganho vai trazer para as pessoas de gerações futuras e para os consumidores?

22. (G) É para o bem-estar teu, para uma satisfação tua, por que eu acho que é difícil tu trabalhar ou fazer alguma coisa sabendo que aquilo ali vai acabar prejudicando alguém. Então, quanto mais natural e quanto mais tu puderes proporcionar uma satisfação para a pessoa acho que é melhor. Tu não está enganando a pessoa, o teu consumidor.

23. (G) Eu não desejo para os outros aquilo que não desejo para mim, ou seja, comer produtos envenenados com agroquímicos.

24. (G) Eu prefiro um mundo limpo, sem veneno.

25. (T) Então, lógico, como o Ivo Mello tinha toda essa sensibilidade de ser um pioneiro, logicamente que ele se sensibilizou também por todas essas colocações. E viu que ele também tinha uma responsabilidade como cidadão.

Até porque ele era uma pessoa proeminente nas relações aonde ele tinha influência. Ele achou, então, que também tinha que fazer uma proposta dessas.

Então é isso o que eu sinto que ele está vivendo hoje. Então tu vês que a área dele para o produto ecológico é pequena, em relação à área do produto químico.

Mas é justamente assim. Nós também temos essa relação, de que tanto a pessoa deve saber o lugar aonde ela está, como ela deve saber como ela deve caminhar, na realidade dela.

26. (T) São poucos que têm assim a questão voltada para a parte técnica, voltados para a PML, e que estão investindo do próprio bolso, e que transferem gratuitamente esse conhecimento para quem se interessar. Eles viajam muito. O Ivo esteve em Cuba, na Venezuela, então isso aí tudo é a integração... é muito bonito o trabalho deles.

27. (T) Então, o pessoal têm uma educação e uma formação de opinião voltada para a pessoa. Não são egocêntricos, mas de uma evolução. Eles são de evoluir, dentro do sistema e do grupo. Essa é a educação que o Ivo está transmitindo para seus colaboradores. É uma cultura que está sendo impregnada na cabeça deles.

Quanto à conformidade ambiental, envolvendo as regulamentações e padrões (global/regional/local) e as pressões das ONGs, identificou-se o seguinte:

28. E até foi uma briga que deu agora, pois o Banco do Brasil resolveu mandar fazer valer uma lei que já existia há 5 anos: a pessoa só pode usar o crédito oficial do Tesouro Nacional (que é o caso dos custeios) estando licenciado pela legislação ambiental. Mas essa lei já existe há 6 anos e nunca ninguém fez ela ser cumprida.

29. Como a maioria dessas ONGs ambientalistas têm uma formação ideológica muito forte e, normalmente, são de partidos de esquerda... bem, é claro, as indústrias que vendem, que formulam e comercializam os agroquímicos são multinacionais e, de uma certa maneira, representam o

“outro lado”, então, nós encaramos que esses posicionamentos são muito assim...

Um, tem um interesse econômico muito forte, que é o das grandes corporações.

Mas o outro, hoje, tem a mídia. Eles têm espaço na mídia. Tem um monte dessas ONGs ambientalistas. Elas têm um poder muito grande de chegar na mídia e na sociedade e a sociedade exige muito isso hoje.

A expectativa com a vantagem competitiva, envolvendo questões de diferenciação e redução de custos, foi identificada nestes depoimentos:

30. Então, com essa participação na Coolméia a gente começou a materializar como sendo um negócio. Pela primeira vez, a gente materializou como sendo um negócio o fato da gente estar produzindo um produto diferenciado dos outros. Como sendo um negócio, uma vantagem competitiva, ou seja lá como queira chamar, uma “descommoditização” do produto.

31. A gente está almejando ter vantagem competitiva, pois está se buscando um diferencial nos nossos produtos. A gente quer agregar valor ao produto, ter uma marca, ter uma imagem positiva, que se consiga explorar.

32. Vocês acreditam que vocês conseguem diferenciar o produto de vocês? Acho que sim. É uma tendência mundial. E acho que em cima do arroz, porque o arroz ecológico integral já está abrindo as portas nisso aí.

Automaticamente, os outros produtos vão andar atrás.

33. O arroz ecológico integral a gente já vende na Coolméia. A Coolméia é de Porto Alegre. Sim, e aqui em Alegrete também. Já tem um restaurante, o Piattolle, que faz o nosso arroz. Eles têm o maior orgulho de ter o arroz ecológico integral. Eles estão divulgando e as pessoas estão comendo mais.

34. No plantio direto, por exemplo, os custos são menores. E com o arroz ecológico integral, também se observa a redução de custos, pois o outro arroz - o polido, já tem mais um processo - o polimento. Então, os custos são menores com a PML.

35. Só que nós ainda não conseguimos atingir o estágio de ter uma produtividade alta com a PML. Mas, como a gente está reduzindo bastante os custos de produção, isso auxilia no fechamento final das contas.

Relativamente às novas oportunidades de negócio - englobando as iniciativas estratégicas, inovação de produto, um portfólio mais verde, novas aplicações e um produto mais limpo - estas serão abordadas mais adiante, na subseção 6.3.4. Entretanto, perguntou-se, de forma direta ao gestor Ivo Mello, quais são as suas expectativas com relação à adoção da PML, ao que ele respondeu:

36. Qual é a realidade e viabilidade econômica que eu vejo para o futuro da PML? Eu enxergo. Eu tenho enxergado muito bem isto. Porque na minha maneira de fazer a lavoura eu produzo menos. Aí o cara chega e diz assim:

tu está fazendo tudo isto e está colhendo menos. Então, eu digo: sim, mas eu estou gastando menos. O meu resultado econômico está sendo igual ou melhor ao anterior, adotando apenas o sistema convencional. Eu estou impactando menos o meio ambiente. Eu estou usando menos herbicida, muito menos inseticida, nada de fungicida. Estou produzindo um pouco menos, vamos dizer assim, no somatório total. Mas eu estou gastando menos, então eu tenho “low input”. Eu estou aportando menos recursos. Em contra-partida, eu estou produzindo menos. Mas, no balanço econômico final, está legal. Estou ganhando dinheiro. Sem falar no balanço energético, que se eu fosse agregar isso, tecnicamente, eu estou sendo muito mais eficiente do que o outro que está perdendo muito mais.

37. Eu sou super-positivo nesse sentido. Eu acho assim, que a crise que a gente viveu nos últimos anos foi a coisa que mais facilitou para que hoje eu tivesse toda a convicção que eu tenho nas coisas que eu acredito de fazer. É ter convicção que é só ir botando um tijolinho em cima do outro que vai dar certo, tranqüilamente!

Identifica-se nos gestores, também, uma distinta capacidade, em termos de visão de futuro. Assim, suas expectativas neste sentido são de que a PML é uma tendência mundial inquestionável. Quem desenvolver agora os caminhos em direção à uma PML, pode ser um dos primeiros a colher os frutos desta nova tendência mercadológica.

Portanto, está bastante claro para os gestores da FCT que seu objetivo atual é oferecer ao mercado um produto diferenciado (sem agrotóxicos, um produto ecológico e com marca própria). Com esta estratégia pretendem atingir nichos de mercado bastante específicos.

De fato, constata-se que a FCT prepara-se e capacita-se para atender a estes nichos.

Os gestores têm expectativas e acreditam que o mercado para produtos saudáveis e ambientalmente corretos está em fase de expansão acelerada. O anseio dos consumidores por

“produtos mais limpos” pode ser observado, principalmente, nos países desenvolvidos. Com a visão de que esta é a grande tendência dos mercados do futuro, se não os de agora, a FCT está rumando para tornar-se, cada vez mais, uma propriedade rural sustentável.

No caso específico da FCT, a PML pode ser considerada como alicerce de um novo negócio que a empresa pretende atuar - o agro-ecoturismo. Este novo negócio baseia-se nos conceitos de uma alimentação mais pura e saudável (sem agrotóxicos) e no meio ambiente preservado, para que a fruição das pessoas, naquele sítio, seja plena.