• Nenhum resultado encontrado

Parte I – O património artístico móvel do Patriarcado de Lisboa

Capítulo 3 – A historiografia da colecção de arte colonial do Patriarcado de Lisboa

I. 3.1.3 – As exposições-efemérides

Voltemos, portanto, às exposições e catálogos e aos mais de cinquenta anos de hiato. Em 1947 Lisboa celebrava oitocentos anos sobre a conquista cristã da cidade e a capital foi alvo de um intenso programa festivo. Entre as inúmeras actividades, realizou- se uma exposição dedicada ao seu santo mais famoso, o franciscano António, para a qual a Sé Patriarcal forneceu peças146.

A exposição, concebida por Julieta Ferrão (1899-1974), tinha propósitos biográficos (quase hagiográficos) e, embora estivessem presentes vários marfins indo- portugueses da colecção do comandante Ernesto Vilhena (entradas 109, 114, 115 e 120 do cat., com fotografia a preto e branco), não havia qualquer discurso (ou sequer nomeação; apenas se indicava o material) sobre o mesmo. Aliás, pese embora a experiência e percurso profissional de Julieta Ferrão, a qualidade das legendas das peças são, do ponto de visto museológico, muito desiguais: as da pintura são bastante completas; as de escultura pouco mais referindo do que o material e a altura; e, como se viu, o mobiliário não merecendo mais do que a identificação da tipologia. Aliás, a identificação da caixa de charão como sendo “oriental” só nos é fornecida por outro cat. de 1981 (que adiante veremos], por comparação de informação.

Quase trinta anos depois, em 1973, realizou-se uma grande exposição dedicada a celebrar o oitavo centenário da chegada das relíquias de S. Vicente, padroeiro alfacinha, a Lisboa. Nesta mostra, que contou com várias peças artísticas do Patriarcado de Lisboa, expôs-se uma que se incluiria na produção ultramarina portuguesa; trata-se do n.º “186. Cofre de madrepérola e prata que guardava as relíquias de S. Vicente. Séc. XVII. Dims.: 700x350x350mm. Cabido da Sé de Lisboa”, sem qualquer informação ou contextualização, não obstante o santo valenciano do século IV ser menos dado a ecumenismos missionários147.

      

146 “280. Caixa de charão contendo as vestes da Imagem de santo António menino de coro e do Menino

Jesus, bordadas pelas infantas filhas de El-Rei D. João VI. (Sé Patriarcal)”, in Exposição iconográfica e

bibliográfica de Santo António de Lisboa. Comemorações do VIII Centenário da Tomada de Lisboa.

Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1947, p. 76. Agradeço a Maria João Vilhena de Carvalho a chamada de atenção para estas exposições.

147 Catálogo da Exposição Iconográfica e Bibliográfica comemorativa do VIII centenário da chegada das

relíquias de São Vicente a Lisboa. Lisboa: Serviços Culturais da C.M.L., 1973, p. 165. A esta informação

Em 1981 realizar-se-ia outra exposição antonina, desta vez dedicada à passagem dos setecentos e cinquenta anos sobre a morte de Santo António. Comissariada por Irisalva Moita, a mostra integrava-se em novo programa comemorativo que a autora esboçava na “Introdução” do catálogo publicado e, pesasse embora, a linha biográfica da comemoração, havia, quer na informação fornecida sobre as peças quer na comunicação dos textos informativos quer, por fim, no que subjazia à concepção da mostra, uma evidente preocupação de cariz museográfico.

A autora mencionava na “Introdução” que “uma exposição com este âmbito, implicando a comparticipação de um grande número de igrejas e outras instituições religiosas, só se tornara possível com o apoio interessado do Patriarcado” – ou seja, reconhecia a dispersão das peças e a gestão administrativa centralizada das mesmas – e evocava o “inestimável auxílio prestado pelo Inventário Artístico das Igrejas da Diocese que v[inha] sendo organizado pela Comissão de Arte Sacra, sob a direcção de José Benard Guedes que o facultou aos nossos Serviços para a recolha dos primeiros elementos”. Admitia, aliás, que fora devido ao Inventário que se tornara “possível o levantamento dos vestígios materiais do culto de Santo António em Lisboa e seu termo”148, ou seja, que o inventário funcionara como discurso sobre (não o objecto mas, através deles) o tema em análise.

Estranhamente149, e não obstante a presença de duas esculturas indo-portuguesas em marfim – cats. ns. 97 e 98, do acervo do Museu Antoniano (sob tutela da Câmara Municipal) – nenhuma era nomeada como tal, ao contrário do que aconteceu com uma outra do mesmo museu, com o corpo em madeira pintada e cabeça de marfim (cat. 96)150. Assim, e apesar de haver uma preocupação de fornecer o máximo de dados museológicos sobre as peças – material, técnica, dimensões – não há verdadeiramente uma categorização (baseada numa reflexão) sobre o indo-português.

      

148 Irisalva Moita, “Introdução”, in Moita, Irisalva (coord.) – O culto de Santo António na região de

Lisboa. Exposição comemorativo do 750.º da Morte de Santo António (1231-1981). [Lisboa]: Câmara

Municipal de Lisboa, [1981], p. 5. É neste catálogo que o caixão acharoado volta a ser referenciado: “baú em madeira acharoada, trabalho oriental, 28x80x30 cm, séc. XVIII, contendo várias peças de roupa destinadas à Imagem do Santo, de roca, bordados oferecidos pela Infanta Dona Isabel Maria à corporação dos «Meninos do Coro» da Sé”, p. 19. Conforme é notório, a informação é muito mais extensa e a preocupação com a identificação correcta das características da peça é mais acentuada; o que, aliás, nos permite colocar este espécime fora do horizonte cronológico da realização desta tese.

149 Ou talvez não, uma vez que estou convencida que o indo-português era por esta altura um tema latente

mas com poucos cultores, como Bernardo Ferrão e Madalena Cagigal e Silva (conforme se verá no cap. 2 da parte 2), e que teve uma explosão massificada de interesse, estudo e comércio na sequência da realização da XVII.ª em 1983.

Os três catálogos a que acabei de me referir (de 1947, 1973 e 1981), e que poucas peças de arte colonial expõem, ajudam a perceber o padrão que vigorou quanto à exibição pública de peças da diocese de Lisboa.

Conforme ficou claro no capítulo anterior, o que o Patriarcado de Lisboa dispõe é de um património móvel de valor artístico que se pode constituir em colecção. Todavia, não estando sob um tecto (nos sentidos literal e figurado da palavra) museológico, dificilmente os objectos poderiam ser alvo de análises e comunicação de conjunto, sendo antes trabalhadas aquando da realização de exibições de grande envergadura com carácter nacional ou regional. Enfim, as exposições-efemérides, conforme as designei, marcadas pela celebração de episódios únicos, temáticos, irrepetíveis e datados, proporcionados pelo calendário.